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Vulnerabilidade, Risco e Envelhecimento

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O envelhecimento implica um aumento do risco para o desenvolvimento de vulnerabilidades de natureza biológica, socioeconómica e psicossocial, em virtude do declínio biológico típico da senescência, o qual interage com processos socioculturais, com os efeitos cumulativos de condições deficitárias de educação, renda e saúde ao longo da vida e com as condições do estilo de vida actual.

Patrícia Pinto
Enfermeira Especialista em Saúde Comunitária
Doutoranda em Psicologia

O conceito de vulnerabilidade é definida por Barchifontaine (2006), como o estado de indivíduos ou grupos que por alguma razão têm a sua capacidade de autodeterminação reduzida, podendo apresentar dificuldades para proteger os seus próprios interesses devido a deficits de poder, inteligência, educação, recursos, força ou outros atributos.

Para Ayers et. al. (2006), a vulnerabilidade pode ser categorizada em individual, social e programática. A vulnerabilidade individual compreende os aspetos biológicos, emocionais, cognitivos, atitudinais e referente às relações sociais. A social é caracterizada por aspetos culturais, sociais e económicos que determinam as oportunidades de acesso a bens e serviços. A vulnerabilidade programática refere-se aos recursos sociais necessários para a proteção do indivíduo a riscos de integridade e ao bem-estar físico, psicológico e social. Em maior ou menor grau, os aspetos individuais, coletivos, contextuais, históricos das experiências de desenvolvimento e de desenvolvimento originam possibilidades de adoecer e dificuldades de acesso aos recursos disponíveis na sociedade. Na velhice, a prevalência da incapacidade funcional, de défice cognitivo, de doenças crónicas e de sintomas depressivos é maior entre os indivíduos mais velhos, as mulheres e os idosos com mais baixo nível de renda e de escolaridade. Neste sentido, várias pesquisas têm demonstrado que os idosos que utilizam mais os serviços de saúde são as mulheres, os que têm maior número de doenças e os que têm pior autopercepçao de saúde. Os idosos com maior renda económica tendem a usar os serviços oferecidos pela rede privada.

TIPO DE VULNERABILIDADE

CATEGORIAS

CAUSA

EFEITO

INDIVIDUAL

FÍSICA

Mudanças biológicas

visão, audição, mobilidade, fragilidade

Quedas, hipotermia, desnutrição, abuso, lentificaçao para o desempenho das atividades.

SEXUALIDADE

Crenças que idosos são assexuados

Doenças sexualmente transmissíveis; atitudes dos profissionais

PSICOLÓGICA

Demência, depressão, luto, medo de envelhecer

Perda de dignidade, isolamento social, perda de identidade, incapacidade.

SOCIAL

GÉNERO

SOCIAL

Reforma, diminuição da reforma, morar sozinho

Perda de autonomia, perda de poder, marginalização, baixa qualidade de vida, racionamento dos cuidados de saúde, solidão, exclusão social, pobreza.

ETNIA

Discriminação

Racismo, acesso a serviços

POLÍTICA

Legislação

Pensão, pagamento de pacote de cuidados

PROGRAMÁTICA

ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAUDE

Acessibilidade e equidade

Capítulo I – Vulnerabilidade Individual

A redução da mortalidade em idade mais avançada tem resultado num aumento do número de idosos com maior fragilidade (Camarano, Pasinato, 2007). Estima-se que entre 10 e 25% de idosos não institucionalizados, com idade acima de 65 anos, são considerados frágeis e acima de 85 anos essa percentagem chega a 46% (Pavarini et. al, 2006). Durante muito tempo o termo fragilidade foi associado a incapacidade e comorbidade, mas a medicina geriátrica reconhece que são entidades distintas, e que a fragilidade tem uma biologia específica e independente. Fried e o seu grupo de investigadores concluíram que a fragilidade é um sindromamultifatorial, complexo, caracterizada pela diminuição das reservas de energia, e pela resistência diminuída aos seus stressores, resultando em declínio cumulativo de múltiplos sistemas fisiológicos e causando um estado de alta vulnerabilidade a eventos adversos. Por outro lado, pesquisas lideradas por RotcWood operacionalizaram a fragilidade como uma medida clínica, propondo a inclusão de aspectos importantes como a cognição, funcionalidade e aspetos sociais.

As manifestações da Síndrome da Fragilidade representam um conjunto de sintomas que incluem perda de peso, fraqueza, fadiga, inatividade e redução da ingestão alimentar, e, além disso, caracterizam-se por sinais tais como sarcopenia (diminuição da massa e da força muscular), anormalidades no equilíbrio e marcha, descondicionamento e osteopenia (Remoret. al, 2011). Neste sentido, indivíduos que apresentarem três ou mais desses componentes caracterizariam um idoso frágil, e indivíduos com um ou dois componentes poderiam ser classificados como em um estado de pré-fragilidade, com risco para desenvolver a síndrome. No entender de Iqbalet al. (2013), a idade e a fragilidade habitualmente coexistem, mas nem sempre representam a heterogeneidade do envelhecimento.

Capítulo II – Vulnerabilidade Social

A vulnerabilidade social está ligada à forma como os indivíduos, famílias, ou grupos sociais que sejam capazes de controlar as forças que afetam o seu bem-estar, o controlo de ativos que constituem os recursos requeridos para o aproveitamento das oportunidades que lhe são propiciadas. Os ativos compreendem : físicos (capital físico e financeiro), humanos, trabalho, e o valor agregado aos mesmos), sociais (redes de reciprocidade, confiança, contatos e acessos à informação). Para a Plataforma Europeia do Envelhecimento (2012), a vulnerabilidade das pessoas idosas aparece primordialmente associada à falta de recursos financeiros. No contexto atual, quando os governos reduzem as despesas públicas em todos os sectores, os recursos disponíveis para os idosos têm diminuído à medida que eles gastam mais dinheiro nos serviços de saúde. Com a persistência da crise, as condições de vida pioram para um crescente número de idosos com consequências na pobreza. Os efeitos negativos da crise não se reportam somente aos termos financeiros, nem às dificuldades de acesso aos serviços de saúde e sociais. Muitos idosos são confrontados inesperadamente com novas formas de vulnerabilidade, são afetados por sentimentos de desamparo, como o afastamento gradual das actividades da vida familiar e sociais. Devido à crise e ao clima global sócio-económico, cada vez mais e mais idosos conjuntamente com outros grupos vulneráveis (fora da participação na sociedade) demonstram sintomas crescentes de desinteresse na vida política resultando em sentimentos de isolamento. Muitos idosos, em particular aqueles que vivem com pensões mínimas, têm dificuldades em desenvolver prevenção e promoção em cuidados saúde primários, com consequências imediatas no envelhecimento saudável. Em primeira instância, a retirada do direito de medicação grátis ou subsidiada, significa que os idosos com doença crónica são forçados a abandonar o regime terapêutico, ou param a toma de medicamentos caros.

Segundo o estudo da Eurostat, os idosos enfrentam uma propensão aumentada de pobreza e de exclusão social em 2010 mais do que o resto da população no EU-27 e na maioria dos países. Nalguns países tal como a Espanha, Itália ou Grécia (Portugal está também incluído), resgatados pela troika, a crise atual causa ainda mais inequidades para os pensionistas e reformados. De acordo com um estudo realizado recentemente sobre a pobreza no nosso país (pelo Ministério do Trabalho e Solidariedade), concluiu-se que cerca de dois terços dos idosos pensionistas são pobres. Na perspectiva de Martins e Santos, estes dados devem-se à insuficiência de esquemas de protecção social direccionados para a velhice, que se traduzem na baixa taxa de cobertura social relativamente às suas necessidades e também nos baixos montantes de subsídios recebidos, tais como pensões de reforma, invalidez e sobrevivência. Para as mesmas autoras supracitadas, o Estado confronta-se, deste modo, com dificuldades na tentativa de responder aos problemas sociais, levando a uma política de contenções de despesas que põe em risco a prossecução de determinados direitos adquiridos e levando ao descrédito em relação às instituições públicas. A diminuição do valor das pensões com o aumento das rendas, especialmente nas grandes cidades aumenta o risco de exclusão habitacional (jornais….).

Comportamento dos Idosos face à crise sócio-económica

De acordo com a AGE (2012), a crise afeta tanto a parte física como a parte psicológica dos idosos. Numa idade que deveriam estar aptos para desfrutar da sua reforma, muitos idosos têm de lidar diariamente com excesso de responsabilidades, tais como o cuidado contínuo de outros idosos, como por exemplo, dos seus pais, ou olhar permanentemente pelos seus netos. Por exemplo, Espanha é o país da Europa que tem o número mais elevado de idosos cuidadores de crianças, mas este não é só devido ao aspeto cultural, mas em larga escala devido às dificuldades do mercado laboral. Adicionalmente, estas famílias idosas são afetadas pelo peso financeiro que têm de suportar, pelo cuidado às crianças. O mesmo fenómeno tem ocorrido na Europa Central e em Portugal, onde existe uma elevada taxa de desemprego, onde coortes mais jovens emigram para conseguirem trabalho, deixando os seus filhos aos avos por períodos que excedem os seis meses ou até mais.

Outra tendência recente, é o retorno a filhos e netos irem viver com os seus pais idosos. Isto deve-se ao fato de as pessoas não conseguirem fazer face às despesas ou porque as suas famílias necessitam delas em casa para o cuidado informal em casa. Para alguns, poderá se considerar este processo uma nova forma de solidariedade estabelecida em tempo de crise. Embora positiva, talvez o impato no rearranjo familiar que se terá de realizar para cooperar a um micro nível com circunstâncias não esperadas, esta tendência poderá influenciar a independência dos idosos e a sua qualidade de vida.

Por outro lado, ultimamente organizações de ajuda humanitária têm reportado o aumento de distribuição de comida entre os idosos. Apesar da crise, os preços dos alimentos não diminuíram, pelo que as pessoas com baixos rendimentos são forçados a economizar.

Capítulo III – Vulnerabilidade Programática

Já vimos anteriormente que a população idosa aumenta significativamente e o contraponto desta realidade aponta que o suporte para essa nova condição não evolui com a mesma velocidade. Mesmo com a extensão da atenção à saúde, ocorrida a partir dos anos 80, aborda-se o idoso, na maioria das vezes, de modo limitado às doenças crónicas e em consultas individuais esporádicas, sem continuidade, e desconsiderando o impacto desse quadro na qualidade de vida (Garcia et. al. 2006). Os progressos da Medicina, ao aumentar a longevidade e melhorar a qualidade de vida dos mais velhos, levaram a uma compreensão da velhice baseada na metáfora terapêutica. Este facto, reforçado culturalmente pela ideologia da saúde perfeita, acabou por provocar uma crescente medicalização da velhice, com esta a ser quase considerada um problema passível de ser “resolvido”. Para Ortega (2004), no caso da velhice, o modelo biomédico dominante define o envelhecimento exclusivamente em termos de declínio à idade adulta, como um estado patológico, uma doença a ser tratada, pelo que os sinais da idade tornaram-se marcas de aversão e patologia. Como consequência, os problemas sociais são neutralizados e os idosos são marginalizados em instituições de saúde.

Esta situação leva a um paradoxo, se, por um lado, temos cada vez mais idosos e idosos mais velhos fruto do avanço da medicina e das condições económicas e sanitárias, por outro lado, temos uma sociedade que deixou de dar resposta e conduz os mesmos para uma isolamento e exclusão. Ferreira-Alves e Ferreira Novo (2004) sublinham que a relação entre o envelhecimento e saúde parece não ter a atenção adequada nos cuidados de saúde, o que se manifesta na relação entre a dor e idade avançada, por parte dos profissionais de saúde. Defendem os mesmos autores que facto de os profissionais de saúde lidarem muito mais com a patologia do que com o envelhecimento normal e, na medida em que quando contactam pessoas idosas elas têm patologia, por mecanismos básicos associam à velhice a expectativa de um conjunto de patologias.

Considerações finais

Avaliar a vulnerabilidade dos idosos e suas famílias é primordial para a intervenção em saúde e a nível social, com ganhos em saúde, nomeadamente a redução de iatrogenias, internamentos e reinternamentos; melhoria da qualidade de vida dos idosos e suas famílias, diminuição da morbilidade e mortalidade associados à negligência e atenção às necessidades dos idosos vulneráveis. Cabe aos profissionais de saúde, em especial dos Cuidados de Saúde Primários, onde constitui um terreno privilegiado de contato com os utentes e suas famílias e comunidade, desenvolverem planos de intervenção em saúde e sociais aos idosos mais vulneráveis, sinalizarem, monitorizarem os mesmos, num processo de melhoria contínua.

Bibliografia:

Age Plataform Europe (2012). Older people also suffer because of the crisis. Online. Disponível em: www.ec.europa.eu/social.
Ayres J, Calazans GJ, Saletti Filho HC, França Jr I. (2006) Risco, vulnerabilidade e práticas de prevenção e promoção da saúde. In: Campos G, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Jr M, Carvalho YM, organizadores. Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Editora Fiocruz;. p. 375
Barchifontaine CP. Vulnerabilidade e dignidade humana. O Mundo da Saúde 2006; nº 30, vol. 3,434
Camarano, A. A., Pasinato, M. T., & Lemos, V. R. (2007). Cuidados de longa duração para a população idosa: Uma questão de gênero? In A. L. Neri (Ed.), Qualidade de vida

na velhice: Enfoque multidisciplinar (pp. 127-149). Campinas

Ferreira-Alves, J. e Novo R. (2006) Avaliação da discriminação social de pessoas idosas em Portugal- In International Journal of Clinical and Health Psychology  vol. 6, nº 1. pp. 65-77
Fried LP. Ferrucci L. Darer J. Williamson JD. Anderson G.(2004) Untangling the concepts of disability, frailty, and comorbidity: implications for improved targeting and care. J Gerontol: A Biol Sci Med Sci., 59: 255-263.
Garcia et. Al (2006)Atenção à saúde em grupos sobre a perspectiva dos idosos.Rev.Latino-am Enfermagem  março-abril; vol.14, nº2, pp.:175-82
Iqbal J, Denvir M, Gunn J.(2013). J. Lancet. Jun [PubMed – indexed for MEDLINE]
Organização Mundial de Saúde (2002) Envejecimiento activo: un marco político. [on-line] 2002. [citado em 2007/03/24]. Revista Espanhola de Geriatria e Gerontología. Online. Disponível em: www.imsersomayore3.csic.es/documentos/documentos/oms-envejecimiento-01.pdf
Organização Mundial de Saúde. (2005). Envelhecimento ativo: Uma política de saúde (S. Montijo, Trad.). Brasília, Organização Pan-americana da Saúde.
ORTEGA, F. (2004) The biopolitics of health: reflections on Michel Foucault, Agnes Heller e Hannah Arendt, Interface Comunic., Saúde, Educ., v.8, n.14, p.9-20.
Pavarini, Sofia Cristina Iost et al. (2009). Família e vulnerabilidade social: um estudo com octogenários. Rev. Latino-Am. Enfermagem [online]. vol.17, n.3; pp. 374-379 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?