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Trauma Pediátrico

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O trauma fechado é o tipo de trauma que predomina na população pediátrica, mas os ferimentos penetrantes parecem estar a aumentar, particularmente nos adolescentes e jovens.

Albino Gomes

Enfermeiro Graduado

Pós Graduação em Ciências Criminais

Mestrando em Medicina Legal e Ciências Forenses

Palavras-Chave: Trauma pediátrico; criança politraumatizada; traumatismo pediátrico

INTRODUÇÃO

O trauma fechado é o tipo de trauma que predomina na população pediátrica, mas os ferimentos penetrantes parecem estar a aumentar, particularmente nos adolescentes e jovens.

Principais traumas:

0 a 1 ano: asfixia, queimadura, afogamento, queda. ú 1 a 4 anos: colisão de automóvel, queimadura, afogamento

5 a 14 anos: colisão de automóvel, queimadura, afogamento, queda de bicicleta, atropelamento.

A sequência de prioridades na avaliação e abordagem da criança politraumatizada é a mesma do adulto (ABCDE).

Cuidados a serem tomados:

Tamanho e forma

devido à menor massa corporal da criança, a energia proveniente de forças lineares frontais, como as que são ocasionadas por párachoques, cintos de segurança e quedas resultam num maior impacto por unidade de superfície corporal. Além disso, essa maior energia é aplicada num corpo com menos tecido adiposo, menos tecido elástico e maior proximidade entre os órgãos. Deste facto resulta uma elevada frequência de lesões de múltiplos órgãos.

Esqueleto

tem calcificação incompleta, contém múltiplos núcleos de crescimento activo e é mais flexível. Por essas razões, frequentemente, ocorrem lesões de órgãos internos sem concomitância de fracturas ósseas.

Superfície Corporal:

a relação entre a superfície corporal e o volume da criança é maior ao seu nascimento e diminui com o desenvolvimento. Consequentemente, a energia térmica perdida torna-se um importante factor de agressão na criança. A hipotermia pode instalar-se rapidamente e complicar o tratamento da criança.

Efeitos a longo prazo

A prioridade na assistência à criança traumatizada é a diminuição dos efeitos que a lesão pode provocar no crescimento e no desenvolvimento da criança.

Controle das Vias Aéreas 

O objectivo primário na avaliação inicial e na triagem da criança traumatizada é restaurar ou manter uma oxigenação dos tecidos adequada. Para isso é necessário o conhecimento das características anatómicas da criança:

Quanto menor for a criança, maior é a desproporção entre o tamanho do crânio e o tamanho da face. Isto leva a uma maior tendência da faringe posterior colapsar, pois o occipital, relativamente maior, e vai ocasionar uma flexão passiva da coluna cervical.

  • As partes moles da orofaringe (por exemplo língua e amígdalas) são relativamente grandes, quando comparadas com a cavidade oral, que pode dificultar a visualização da laringe.

  • A traqueia do bebé tem aproximadamente 5 cm de comprimento e cresce para 7cm aos 18 meses.

  • Crianças até aos 3 anos tem um occipital maior, por isso, devemos tomar cuidado com a posição em decúbito dorsal.

  • O tamanho da laringe na criança de 2 anos vai da C1 a C4; a partir dos 2 anos vai da C2 a C5.

  • A posição da língua pode obstruir as vias aéreas.
  • A epiglote é estreita, curta, em forma de U.

  • A traqueia é curta.
  • O angulo mandíbular é, no recém nascido, de 140º e, no adulto, de 120º.

  • A cricóide é mais pequena nas crianças de 8 -10 anos. É o ponto de menor diâmetro da via respiratória. Quando entubar não será necessário o uso do tubo com “Cuff”.

  • Se a criança estiver em respiração espontânea, a via aérea deve ser assegurada pelas manobras de tracção do mento ou mandíbula. Após a aspiração de secreções ou de fragmentos de corpos estranhos da boca e da orofaringe, deve administrar-se oxigénio suplementar. Se a

criança estiver inconsciente, pode ser necessário aplicar métodos mecânicos de manutenção da permeabilidade da via aérea:

  • Cânula orofaringea (Guedell) – a introdução da cânula orofaringea com a sua concavidade voltada para o palato e a rotação de 180º não é recomendada para a criança. Pode ocorrer trauma de partes moles da orofaringe ocasionando hemorragia. A cânula deve ser introduzida directamente na orofaringe.

  • Intubação orotraqueal  – é o meio mais seguro de ventilar a criança com uma via aérea comprometida.

  • Cricotireoidostomia – raramente está indicada. Quando o acesso e o controle da via aérea não pode ser efectuado através da máscara ou através da Intubação orotraqueal, a cricotireoidostomia por punção com agulha é o meio de eleição.

  • Ventilação – as crianças devem ser ventiladas com uma frequência de, aproximadamente, 20 ciclos por minuto, enquanto os recém nascidos requerem 40 ciclos por minuto. O volume corrente de 7 a 10 ml por Kg de peso é apropriado tanto para recém nascidos como para crianças maiores. Cuidado com a pressão exercida manualmente na via aérea da criança, durante a ventilação. Devemos lembrar da natureza frágil e imatura da árvore traqueobronquica e dos alvéolos e, assim, minimizar a possibilidade de lesão iatrogénica broncoalveolar (barotrauma). O distúrbio ácido básico mais frequente durante a reanimação pediátrica é a acidose secundaria à hipoventilação.

Choque

A reserva fisiológica aumentada da criança permite a manutenção dos sinais vitais perto do normal, mesmo na presença de choque grave. Este estado de “choque compensado” pode ser enganoso e mascarar uma grande redução de volémia. A primeira resposta à hipovolémia é a taquicárdia. Entretanto, deve-se tomar cuidado quando se monitoriza apenas a frequência cardíaca da criança porque taquicárdia também pode ser causada por dor, medo e stress psicológico. A pressão arterial indica a perfusão tecidular, assim como o débito urinário; ambos devem ser monitorizados de uma forma continua. A associação de taquicárdia, extremidades frias e pressão arterial sistólica inferior a 70mmHg, são claros sinais de choque em desenvolvimento. Como regra geral, a pressão arterial sistólica deve ser igual a 80mmHg, acrescido do dobro da idade em anos, enquanto a diastólica corresponde a 2/3 da pressão sistólica.

* Reposição da volémia: é necessária uma redução de aproximadamente 25% do volume sanguíneo para se produzirem manifestações clínicas de choque. Na suspeita de choque administramos um volume de 20ml/Kg de peso de solução cristalóide. Se as alterações hemodinâmicas não melhorarem após a primeira infusão de volume, aumenta a suspeita de hemorragia contínua e implica nova administração de um segundo volume de 20ml/ Kg de peso de solução cristalóide. Se a criança não responder adequadamente, requer imediata transfusão sanguínea 10ml/ Kg de peso de concentrado de eritrócitos.

* Acesso venoso: preferencialmente, por punção percutânea; se não conseguir o acesso percutâneo após duas tentativas, deve considerar-se a infusão intra-óssea nas crianças com menos de 6 anos de idade ou a dissecção venosa nas crianças com mais de 6 anos.

Trauma Torácico

O trauma torácico fechado é comum nas crianças e, geralmente, exige intervenção imediata para estabelecer uma ventilação adequada. A parede torácica da criança é bastante complacente e permite a transferência de energia para os orgãos e partes moles intratorácicas, sem que exista, frequentemente, evidência de lesão na parede torácica. A flexibilidade da caixa torácica aumenta a incidência de contusões pulmonares e hemorragias intrapulmonares, usualmente sem fracturas concomitantes de costelas. A mobilidade das estruturas mediastinais torna a criança mais sensível ao pneumotórax hipertensivo e aos afundamentos torácicos. A presença de fracturas de costelas em crianças menores implica uma transferência maciça de energia, com graves lesões orgânicas e prognóstico reservado, sendo frequente as lesões de brônquios e rupturas diafragmáticas. A ferida torácica penetrante é rara na criança e no pré adolescente, no entanto, temos visto uma aumento na incidência em crianças acima de 16 anos.

Trauma Abdominal

A maioria é decorrente de trauma fechado, geralmente associado a acidentes de viação, quedas, agressões. As lesões abdominais penetrantes aumentam durante a adolescência.

Os órgãos mais afectados são: baço, fígado e pâncreas.

Trauma Craneano

A maioria resulta de colisões de automóvel, acidentes com bicicleta e quedas. Peculiaridades:

  • Embora as crianças recuperem do traumatismo craneano melhor do que o adulto, as crianças com menos de 3 anos de idade tem uma evolução pior nos traumas graves. As crianças são particularmente susceptíveis aos efeitos cerebrais secundários produzidos pela hipoxia; hipotensão com perfusão cerebral reduzida, e convulsões provocadas por hipertremia.

  • No recém nascido a hemorragia subdural pode provocar hipotensão.

  • A criança pequena com fontanela aberta ou linha de sutura craniana móvel, tolera melhor uma lesão expansiva intracraniana.

  • Nas crianças o Vómito é comum após traumatismo craniano e não significa necessariamente que ocorra hipertensão intracraniana. Contudo, se os vómitos forem persistentes devem ser valorizados e indicam necessidade de realizar uma TAC CE.

  • As Convulsões que ocorrem logo após o traumatismo são mais frequentes nas crianças, e geralmente são auto limitadas.

  • A criança tem menor tendência para sofrer lesões focais do que o adulto, mas apresenta maior frequência de hipertensão intracraniana por edema cerebral.

  • A Escala de Coma de Glasgow (GCS) pode ser aplicada na faixa etária pediátrica, embora a escala verbal deva ser modificada para crianças abaixo dos 4 anos de idade.

ESCALA VERBAL PEDIÁTRICA

Palavras apropriadas, ou sorriso social, fixa ou segura objectos

RESPOSTA VERBALESCALA
5
Chora, mas é consolável4
Persistentemente irritável3
Inquieta agitada2
Nenhuma1

Lesão da Coluna

É rara. Apenas 5% destas lesões ocorrem na faixa pediátrica. Para as crianças com menos de 10 anos, a principal causa é a colisão de veículos automóveis; para as crianças entre os 10 e os 14 anos as colisões e os acidentes em actividades desportivas tem a mesma frequência.

Trauma das Extremidades

A preocupação maior é com o risco de lesão do núcleo de crescimento. Na criança pequena, o diagnóstico radiológico de fracturas e luxações é difícil devido à falta de mineralização em redor da epífise, e à presença dos núcleos de crescimento. As informações sobre a magnitude, o mecanismo e o tempo do trauma facilitam uma correlação mais adequada entre o exame físico e o radiológico. A hemorragia associada com a fractura da pélvis e a fractura dos ossos longos é proporcionalmente maior na criança do que no adulto.

Fracturas da cartilagem do crescimento:

lesões desta área (núcleos de crescimento) ou nas suas proximidades, antes do encerramento da linha de crescimento podem, potencialmente, diminuir o crescimento ou alterar o desenvolvimento normal.

Fracturas específicas do esqueleto imaturo: a imaturidade e a flexibilidade dos ossos das crianças podem levar à chamada fractura em “ramo verde”. Essas fracturas são incompletas e a angulação é mantida pela camada cortical da superfície côncava. Fracturas supracondilianas ao nível do cotovelo ou do joelho têm uma alta incidência de leões vasculares, bem como lesões do núcleo de crescimento.

CRIANÇA AGREDIDA E VÍTIMA DE ABUSO

O Síndrome da criança agredida refere-se a qualquer criança que apresenta uma lesão, (não acidental), como resultado de acções efectuadas pelos pais, tutores ou conhecidos. A obtenção adequada da história clínica, seguida da avaliação cuidadosa da criança são muito importantes para prevenir a eventual morte, principalmente nas crianças com menos de um ano de vida. A equipa médica deve suspeitar de abuso se:

  • Existe discrepância entre a história e a gravidade das lesões.

  • Existe um longo intervalo entre o momento da agressão e a procura da assistência médica.
  • A história clínica demonstra a existência de traumatismos repetidos, tratados em diferentes serviços de urgência.
  • Os pais respondem evasivamente ou não obedecem a orientação médica.
  • A história do traumatismo muda ou difere quando relatada por diferentes pessoas.

Sinais sugestivos de abuso:

  • Múltiplos hematomas subdurais, especialmente sem fractura recente de crânio.
  • Hemorragia retiniana.
  • Lesões periorais.
  • Ruptura de vísceras internas, sem antecedentes de traumatismo grave.
  • Trauma genital ou na região perianal.
  • Evidência de traumatismos frequentes representados por cicatrizes antigas ou fracturas consolidadas ao exame radiológico.
  • Fracturas de ossos longos em crianças com menos de 3 anos de idade.
  • Lesões bizarras tais como mordeduras, queimaduras por cigarro ou marcas de cordas.
  • Queimaduras de 2º e 3º grau nitidamente demarcadas em áreas não usuais.

CONCLUSÃO

Quando se aborda uma criança traumatizada, devemos ter em atenção de que a criança não é um adulto pequeno, no entanto metodologicamente utilizamos a abordagem ABCDE, igual à do adulto.

Temos que estar despertos para possíveis lesões que comprometam o futuro da criança, uma vez que existem algumas lesões que não sendo de risco imediato de vida para a criança, podem condicionar o desenvolvimento da mesma. Devemos pensar sempre nas peculiaridades anatomo-fisiologicas da criança.

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