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Trabalho de Equipa em Enfermagem

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Artigos de Autor

A satisfação das necessidades do cliente não pode ser abordada por um só profissional, mas sim por uma equipa de saúde, que aglutina profissionais de categorias e formações diferentes em torno de propósitos comuns que culminam na prestação de cuidados ao cliente do mais alto nível

FERREIRA, Alcino; FERREIRA, Luis ; PEREIRA, Lurdes; PEDROSA, Cátia; PINTO, Nuno; VENDEIRO, João

Unidade Curricular de Gestão em Enfermagem/Ensino em Enfermagem

Palavras Chave: Trabalho, equipa, enfermagem, qualidade.

A enfermagem é uma profissão que tem como objectivo a prestação de cuidados ao cliente quer numa situação de saúde quer de doença, que para ser adequadamente exercida exige do enfermeiro apurado espírito de serviço, permanente atitude de missão, leal sentido de vida de equipa, plena consciência de recíproca complementaridade dos cuidados de enfermagem, assim como responsabilidade ética, científica e social, tanto pessoal como colectiva.

A satisfação das necessidades do cliente não pode ser abordada por um só profissional, mas sim por uma equipa de saúde, que aglutina profissionais de categorias e formações diferentes em torno de propósitos comuns que culminam na prestação de cuidados ao cliente do mais alto nível; Para tal, os profissionais têm de se complementar, articular e depender uns dos outros.

No entanto trabalhar em equipa implica um certo número de pressupostos e dificuldades que nós enfermeiros vivenciamos no quotidiano.

Procuraremos abordar de forma sumária o conceito e modos de trabalho de equipa e analisar as questões e vantagens do trabalho assente numa estrutura de equipa numa perspectiva centrada no cliente.

O conceito de equipa como “um pequeno grupo, baseado na cooperação, e em contacto regular, contacto esse que não é à distância, mas face a face, que está envolvido numa acção coordenada e cujos membros contribuem de maneira empenhada, competente e responsável para a realização de acções concretas “ (Graça in Figueiredo, 1997,p. 19) tem sido abraçado pelos enfermeiros desde há longa data, baseando nele a maioria das suas acções. De facto, este tipo de trabalho conjunto é um requisito impreterível para a consecução de muitos dos esforços e cuidados empreendidos pelos enfermeiros, sendo a qualidade destes modulada pelo modo de formatação das equipas de enfermagem e, de um modo mais geral, das equipes de saúde. Com o advento da Internet, dos media, assistimos a “uma pressão constante da parte do cidadão para ganhar mais influência sobre a forma como é utilizada a sua contribuição/imposto na aquisição dos serviços de que necessita” (Sakellerides in Serra, 2002, p.19). É pois de ingente importância a prestação de cuidados de saúde de elevada qualidade, onde se integram os cuidados de enfermagem, sendo uma das estratégias preconizadas para atingir esse desiderato a criação de sinergias entre os diversos profissionais de saúde, quer sejam da mesma classe profissional ou afins, onde “a criação de um todo é maior do que a soma das partes”  (Schermerhorn, 1995,p. 286)  sendo o trabalho em equipa o meio por excelência para atingir tal desígnio. Apesar do trabalho em equipe ser um apanágio de longa data dos enfermeiros, uma vez que a este nível a enfermagem sempre teve um papel bivalente, quer por um lado se constituir em equipes uniprofissionais (de enfermagem) e por outro em se integrar na equipe de saúde multiprofissional, urge capitalizar os benefícios desse tipo de trabalho, caminhando de formas de equipe mais frustres como a multidisciplinar “em que existe justaposição de competências dos diferentes elementos   assim como a utilização paralela das diferentes disciplinas mas sem relação entre ela” (Guyonnet e Adam in Figueiredo, 1997, p.20) até formas mais entrosadas e estruturadas como a equipe interdisciplinar em que “existe um nível de contribuição mais elevado, em que a utilização combinada das diferentes disciplinas acarreta transformações mútuas” (Guyonnet e Adam in Figueiredo, 1997, p.20) ou mesmo transdisciplinar que preconiza um conhecimento que “cruza as diferentes disciplinas” (Figeiredo,1997:20).

Anteriormente ao Renascimento, o conhecimento procurava um todo, assumia-se como totalizante constituindo um corpo único e indivisível. O conhecimento procurava imitar a integralidade do universo, recriando todas as suas relações. “O saber só podia exercer-se no âmbito da totalidade” (Hilton Japiassu in Serra, 2002, p.20).Os eruditos da época eram polivalentes, abraçando esse conhecimento como um todo. No entanto, a crescente fermentação e multiplicação dos conhecimentos levou à fragmentação destes, nascendo assim as disciplinas do conhecimento, iniciando a era do paradigma Cartesiano. Essa fragmentação encontra o seu apogeu na revolução industrial, “onde a especialização é a principal característica da época e onde cada vez mais se sabe mais de menos”(Serra, 2002, p.24).

“A complexidade das situações apresentadas pelos clientes dos serviços de saúde e o desenvolvimento tecnológico, por um lado, e a explosão e fragmentação do conhecimento, por outro, dão origem a que nos nossos dias seja impossível trabalhar isoladamente” (Kerouac et al in Figueiredo , 2002, p.19).O campo da saúde, onde se assiste a um devir absolutamente vertiginoso da tecnologia e do saber, é paradigmático dessa realidade; se por um lado uma cada vez maior especialização é uma realidade improtelável, por outro o imperativo de encarar a Pessoa Ab integrum é posto em causa. Á medida que se vai reduzindo o conhecimento às suas “partículas elementares” cresce a necessidade destes serem subsidiados por outros saberes para que seja possível serem transpostos para o plano práticode um modo satisfatório. Desse modo, as equipes de saúde tendem a organizar-se mais eficazmente no sentido de corresponder às expectativas que a sociedade deposita nelas. Nesse sentido, para além do reforço da lógica de equipe no seio da enfermagem, a adopção de formas de trabalho conjunto entre os vários profissionais tem assumido uma crescente importância na organização dos serviços de saúde. De facto, o trabalho produzido quer por equipas uni profissionais quer multiprofissionais oferece, em termos genéricos maiores recursos para a resolução de problemas, um “maior estímulo à produtividade, uma aperfeiçoamento do processo decisório, um maior compromisso dos vários membros da equipe para com as tarefa , um aumento da motivação e disciplina dos membros”.  (Schermerhorn, 1995, p.286)

“A força das intervenções plurais reside nas diferentes conceptualizações de sucesso” (Guerrish , 1999 ,p. 379), na diversidade de opiniões e visões que reportadas mesmoapenas a equipes de enfermagem, promovem um maior grau de qualidade dos cuidados uma vez que deste modo é gizada uma maior variedade de objectivos a atingir face a um mesmo problema, garantindo uma intervenção mais abrangente e completa. Ao nível dos cuidados de saúde primários a criação de equipas de enfermagem integradas em Inglaterra revelou-se prolífica melhorando a qualidade dos serviços prestados. Por outro lado, esses mesmos objectivos traçados no seio da equipe de saúde são assumidos pela integralidade dos seus membros, sendo encarada a sua prossecução como uma responsabilidade colectiva e não apenas imputada a um determinado grupo profissional. Deste modo, é abandonada a concepção do parcelamento hermético dos objectivos segundo grupos profissionais em detrimento de um conceito mais unificador em que toda a equipe assume objectivos centrais comuns. Por exemplo, no domínio dos cuidados paliativos, a equipa multidisciplinar assume o objectivo de proporcionar uma vida com mais qualidade ao utente, sendo essa qualidade modulada por vários factores interdependentes e intermutáveis, podendo-se no entanto delinear objectivos secundários específicos de cada grupo profissional concordantes com o seu mandato social com um intuito orientador tendo em vista o objectivo principal.

A existência de vias de comunicação formais entre os elementos da equipe concorre para uma maior valorização da informação veiculada pelos diferentes membros da equipe, permitindo assim determinar estratégias e acções de uma forma mais eficiente e fundamentada. No caso da equipe de enfermagem, a passagem de turno é, por excelência, um momento de comunicação entre os enfermeiros sendo o Core de muitas das decisões e reflexões acerca dos cuidados de enfermagem.

Reuniões rotineiras entre os diferentes membros da equipe multiprofissional permitem uma transmissão correcta da informação, em contraposição à comunicação acidental que por vezes causa perda de informações valiosas. Na maioria dos casos a comunicação entre enfermeiro e médico, por exemplo, precessa-se nos “corredores” de um modo casual, sem a garantia de uma correcta compreensão ou valorização daquilo que comunicamos. Por outro lado este contacto estreito assume-se como um valioso contributo para a formação dos elementos da equipe, ao se constituir uma verdadeira rede de transferência de conhecimentos.

O trabalho em equipa requer uma dinâmica de funcionamento partilhada, assente no ajuste de hábitos e rotinas próprias de cada grupo profissional ou de cada elemento, permitindo a prestação de cuidados em tempo útil e oportuno mediante uma planificação do timming dos cuidados mais eficaz com o mínimo de interferências nefastas entre si permitindo ao utente tirar o máximo proveito destes. Deste modo, cuidados médicos e de enfermagem poderão operar-se de forma coordenada e consertada. Por exemplo, a visita médica poderá ser efectuada de modo a não interferir com a realização dos cuidados de higiene matinais .

Em algumas equipes, quer de enfermagem quer interdisciplinares subjaz o conceito de perito, em que determinado acto ou decisão é consumado pelo elemento mais habilitado ou com melhores capacidades para tal. Segundo Serra ,a responsabilidade da coordenação das intervenções para proporcionar cuidados eficientes ao utente, também deve ser partilhada. Tal prática promove a uniformidade e congruência das acções facilitando a posterior avaliação, afiançado a máxima qualidade possível nas diversas acções que a equipa pode produzir. Numa dada situação certas decisões de foro médico poderão ser “sugeridas” pelo enfermeiro caso este apresente uma experiência mais vasta naquela situação tornando-o o elemento mais apto a decidir.

A discussão das estratégias e cuidados no âmbito das equipes de saúde pode, à priori tornar o processo decisório mais moroso e complexo, face à maior quantidade de factores, variáveis e visões a serem ponderados. No entanto, tal discussão resulta numa maior adequação das acções à circunstância particular de cada cliente, para além de se estabelecer uma verdadeira simbiose entre acções que de outra maneira operariam separadamente, potenciando os seus benefícios de forma mútua. Põe exemplo, no caso de uma úlcera de pressão infectada, a sua resolução dependerá da conjugação eficiente dos cuidados de penso e de posicionamento, de uma correcta nutrição e das terapias medicamentosas. A assertividade dos membros da equipa permite que o plano de cuidados preconizado para determinado utente seja negociado no âmbito da equipe constituindo-se como um “projecto assistencial comum ao grupo de profissionais” (Gaiva, 2004,p.471) Por outro lado os problemas levantados são abordados em várias frentes de acção, ao invés da sua abordagem ser endossada a apenas uma determinada frente de actuação. A multidimensionalidade dos processos de doença ou saúde é acompanhada por uma multiplicidade de dimensões na sua abordagem, o que concorre para que nenhuma faceta desse processo seja sobrevalorizada enquanto outras são subvalorizadas.

Concluímos que a prática do trabalho em equipa em enfermagem, mais do que um objectivo, assume-se como um imperativo improrrogável uma vez que o trabalho parcelar e individual não permite responder às exigências actuais em termos de cuidados de saúde. A estruturação correcta e lógica das equipes de enfermagem por um lado, e a sua integração plena na equipe de saúde multiprofissional por outro permitirá a prestação de cuidados de enfermagem com padrões de qualidade mais elevados e, num sentido mais lato, de cuidados de saúde. Muitos factores constituem-se como peias ao caminho rumo a esta forma de organização do trabalho e dos grupos profissionais; no entanto da sua prossecução depende a validade do serviço que prestamos e a credibilidade e valor social da classe de enfermagem.

Bibliografia:

-Figueiredo, Maria do Céu A. Barbieri -Trabalho em equipa, o contributo dos enfermeiros.”Revista Sinais Vitais”. Nº10, p. 19-22.

-Guerrish, Kate -Teamwork in primary care:na evaluation of integrated nursing teams. “ Health and Social care in the community” Ano 7 , Nº5, 1999, p. 367-375 disponível na web em www.blackwell-synergy.com a 12/10/2004

-Gaiva, Maria Aparecida Munhoz; Scochi, Carmen Gracibda Silvan – Processo de trabalho em saúde e enfermagem em UTI neonatal. “Revista Latino-Americana Enfermagem” Ano 12 , Nº3, 2004 p. 469-476 disponível  na Web em www.scielo.br a 12/10/2004

-Serra, Anabela Salgado – Interdisciplinaridade, valores e autonomia (I parte).“Revista Nursing” .Ano14, Nº169 Setembro 2002, p. 22-25.

-Serra, Anabela Salgado – Interdisciplinaridade, valores e autonomia (I parte). “Revista Nursing”. Ano 14, Nº170, Setembro 2002, p. 17-22

-Schermerhorn,  Jonh  K.-Administração.5ª edição. Rio de Janeiro: CTC,1999