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Tomada de Decisão do Enfermeiro no Transporte do Doente Crítico

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Revista Nursing

A SPCI, no Guia para Transporte de Doentes Críticos, foca as competências que o enfermeiro deve ter para integrar a equipa médica que efectua o transporte, pois considera que tanto o médico como o enfermeiro devem ter experiência em reanimação

Autor:

Fernando Manuel Ferreira Nunes, Enf. Especialista Médico-Cirúrgica

UCIP – CHP-HGSA, Porto

Nursing nº 246

“Considerações financeiras não são um factor a ter em conta quando se pensa em transferir um doente crítico” 1

Resumo:

A crescente necessidade do transporte de doentes agudos e críticos, quer seja para fins de escalada terapêutica ou para fins de diagnóstico e cirurgia, traduziu-se numa maior preocupação com as condições em que estes transportes são efectuados. O objectivo deste trabalho é reflectir, baseado nos pressupostos e recomendações convenientemente considerados em consenso por diversos peritos das áreas do Intensivismo e à luz da legislação e normas portuguesas, qual a tomada de decisão do enfermeiro na opção de acompanhar e prestar os cuidados interdependentes e autónomos a que o doente tem direito e que o profissional deve providenciar.

Palavras Chave: Transporte Doente Crítico; Legislação; Tomada de Decisão.

Abstract:

The increasing necessity of transporting acute and critical sick patients, either into therapeutically scaling, either into diagnosis and surgery, it is been expressed as a bigger concern by all health personnel with the conditions in what manner these transports are done. The objective of this work is to reflect, since that are established the conveniently consensus and recommendations between diverse experts in the areas of the Intensive Care, and into the light of the legislation and Portuguese norms, what is the decision making of nurses in the option to deliver care within the transport concept and to give the interdependent and autonomous cares that the sick person has the right to and that the professional must provide.

Keywords: Transporting critical patient; legislation; decision making.

I – Introdução

A decisão de transportar um doente crítico, seja entre hospitais ou no interior das próprias instalações da unidade de saúde, é uma decisão que deve sempre considerar os potenciais benefícios em detrimento dos riscos efectivos. A decisão de transporte pode ser baseada em necessidades diversas. Assim, por uma questão de sistematização, o transporte deverá ser considerado em função da necessidade de transferir um doente por falta da valência médico-cirúrgica ou necessidade de recursos técnicos indispensáveis à continuidade dos cuidados e definição diagnóstica e terapêutica e/ou ainda pela gravidade clínica do doente. Os doentes críticos incorrem em riscos aumentados de morbilidade e mortalidade durante o transporte. Auditorias efectuadas no Reino Unido sugerem que cerca de 15 por cento dos doentes transferidos foram vítimas de problemas evitáveis, nomeadamente de hipotensão e hipoxia 2. Estes riscos podem ser minimizados quando um planeamento cuidadoso é considerado, quando é seleccionada uma equipa adequadamente preparada, quando existem os meios de transporte adequados e existem disponíveis os meios de monitorização e eventuais procedimentos de emergência necessários no meio de transporte a utilizar, seja aéreo ou terrestre. A premissa de que o nível e a qualidade dos cuidados prestados durante o transporte nunca poderão ser inferiores aos cuidados na unidade de origem tem de ser sempre considerada e é obrigatória. Contudo, ainda nos tempos que correm, quando se trata de um transporte do local do acidente para uma unidade de saúde, o destino do doente é ditado pela distância, pelo que em primeira instância o transporte é efectuado para a unidade próxima e não a mais apropriada. Com a difusão dos Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU), entidade pertencente ao Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), gradualmente esta situação tenderá a ficar restrita a um cada vez menor número de casos.

Em Portugal, esta matéria foi analisada por diferentes grupos de trabalho e está nesta altura regulamentada por Decreto-Lei e sujeita a algumas normas e recomendações.

Reportando-nos ao historial verificamos que, apesar de, desde sempre, ocorrerem transportes entre os diferentes hospitais em virtude da ausência de valências ou meios técnicos necessários para a avaliação e diagnóstico adequados do doente, as recomendações para transporte, nomeadamente de doentes críticos, têm um passado recente. A própria legislação reporta-se a 2001 quando, efectivamente, para além do enquadramento da actividade de transporte (existia uma lei de 1992), apresenta o Regulamento do Transporte de Doentes 3.

A primeira vez que foram publicadas normas de boa prática para o transporte secundário de doentes foi em 1992, pela Sociedade Americana de Cuidados Intensivos. A Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos (SPCI) seguindo o exemplo publica, em 1997, o Guia de Transporte de Doentes Críticos. Em 2001, a ARS Norte divulga as Normas de Transporte Secundário de Doentes secundarizado pelo Grupo de Trabalho de Urgências que aprova e divulga no seu documento mais recente – 2006. Mais recentemente, a SPCI, revê o Guia de Transportes, e após avaliação em consonância com a Ordem dos Médicos, publica, já em 2008, o seu novo documento revisto à luz de novos conhecimentos.

O transporte tem designações diferentes consoante o local de origem. Assim, o transporte pode ser primário (transporte da vítima entre o local do acidente ou domicílio e uma unidade de saúde) ou secundário (realizado entre duas unidades de saúde ou entre departamentos dentro da própria unidade de saúde). A finalidade deste trabalho não é abordar o tema do transporte nem dissecar os tipos de riscos envolvidos ou as suas diversas fases de planeamento, pois é um tema sobejamente conhecido e que tem uma base bibliográfica bastante extensa. É, antes de mais, uma reflexão, pessoal, baseada na revisão e análise da legislação, e dos diversos documentos que o nosso próprio órgão regulador da profissão – Ordem dos Enfermeiros, emanou e em algumas situações deliberou, sobre a tomada de posição do enfermeiro relativamente ao acompanhamento de doentes durante transporte intra ou extra-hospitalares.

II – Enquadramento Legal – Legislação

Para nos situarmos no contexto actual, revê-se alguns excertos da legislação actualmente em vigor e que regulamenta o transporte de doentes e em que condições.

O Decreto-Lei nº 38/92 de 28 de Março estabeleceu o enquadramento legal na actividade de transporte de doentes. O transporte de doentes está regulamentado pela Portaria nº 1147/2001 de 28 de Setembro, posteriormente alterada pela Portaria nº 1301-A/2002 de 28 de Setembro e mais recentemente pela Portaria nº 402/2007 de 10 de Abril.

Entre os diversos capítulos gostaria de salientar os seguintes:

Portaria nº  1147/2001, Capítulo II, Secção I define os tipos de ambulância e Secção IV os equipamentos;

  • Tipo A – ambulância de transporte (Tipo A1-individual; Tipo A2-múltiplo)
  • Tipo B – ambulância de socorro
  • Tipo C – ambulância de cuidados intensivos

Na eventualidade de ser necessário, as ambulâncias tipo B poderão actuar como ambulância de cuidados intensivos desde que munidas dos meios humanos e recursos técnicos estabelecidos para as ambulâncias tipo C.

O Capítulo III, tanto da Portaria 1147/2001 como 1301-A/2002, é referente à tripulação e formação das ambulâncias;

  • Ambulância tipo A – 2 tripulantes, curso de Tripulante de Ambulância de Transporte (TAT)
  • Ambulância tipo B – 3 tripulantes, obrigatório 1 Tripulante de Ambulância de Socorro (TAS) e outros 2 TAT
  • Ambulância tipo C – 3 tripulantes, 1 deles tem de ser médico com formação em Suporte Avançado de Vida (SAV).

De salientar que na Portaria 1147/2001, Capítulo III, Secção I, ponto 26.3 relativo aos tripulantes da Ambulância tipo C, o terceiro elemento da tripulação pode ser um enfermeiro ou um indivíduo habilitado com o curso de tripulante de ambulância de socorro.

Forçosamente é necessário enfatizar que na Portaria nº 1301-A/2002, Capítulo III, Secção II, Formação, ponto 27.1 o Curso de TAT é um curso teórico-prático com a duração mínima de 35 horas e ainda que na Portaria nº 1147/2001, Capítulo III, Secção II, Formação, ponto 28.1 Curso de TAS é um curso teórico-prático com duração mínima de 210 horas.

As ambulâncias de socorro do INEM têm como tripulação 2 TAS, que desde 2004, se passaram a denominar de Técnico de Ambulância de Emergência (TAE), uma figura não existente no Dec-Lei que regulamenta os transportes. A formação é a anteriormente referida, num curso ministrado pela estrutura formativa do INEM, a que se juntam mais 10 horas de formação em Desfibrilhação Automática Externa (DAE). Excepcionalmente estas ambulâncias de socorro são utilizadas como ambulâncias Tipo C, no transporte secundário de doentes, nomeadamente quando é solicitada a colaboração do CODU para transferência de doentes pelo Helicóptero ou nos casos de socorro pré-hospitalar em que a vítima necessita de SAV.

Assim sendo, a legislação em vigor possibilita que facilmente se possa substituir um enfermeiro por um TAS, apesar da formação e competências serem completamente diferentes.

O Livro de Urgências, elaborado em 2006, pelo Grupo de Trabalho de Urgências, nomeado pela Unidade de Missão, cujo objectivo principal é apresentar recomendações para a Organização dos Cuidados Urgentes e Emergentes em diversas áreas de intervenção, reúne informação sobre o transporte inter-hospitalar do doente crítico e apresenta normas e procedimentos para a efectivação do transporte secundário.

Desde a vulgar situação de doente que necessita de recorrer a uma observação por uma especialidade que não existe no primeiro local de socorro ou atendimento, e em que não está em causa o risco de vida mas sim um parecer técnico e início da terapêutica, até à situação mais complicada do doente crítico, propõe que a decisão deverá ser baseada em dados objectivos clínicos, permitindo ajuizar com maior rigor e mais sistematização a generalidade dessas decisões. Propõe, por parecer mais adequado aos interesses atrás explicitados, o score de risco de transporte (quadro 1), idealizado por Etxebarria e colegas, publicado no European Journal Emergence Medicine em 1998, e que permite através de parâmetros fisiológicos e terapêuticos decidir a necessidade de acompanhamento do doente por enfermeiro, por enfermeiro e médico e ou mesmo qual o tipo de transporte que deverá ser utilizado (quadro 2). Este score deverá estar preenchido, salvaguardando de igual modo a decisão tomada em relação ao acompanhamento do doente, que é da responsabilidade do médico.

Curiosamente, e colocando esta matéria à nossa reflexão colectiva, nem a legislação refere a necessidade de enfermeiro para a efectivação do transporte, nem este documento recente do Grupo de Trabalho de Urgências, apesar da referência à presença do enfermeiro segundo os princípios anunciados pela bibliografia que o suporta, não foca a importância da sua formação. Sublinhe-se ainda que no enquadramento legal, nomeadamente no Capítulo III, tanto da Portaria 1147/2001 como 1301-A/2002, referindo-se à formação dos tripulantes da Ambulância tipo C, um dos tripulantes deve ser médico com formação em SAV. O documento da Unidade de Missão acrescenta a este propósito que o médico acompanhante deve possuir determinada formação e competência, mas mais uma vez não se faz referência à formação do enfermeiro.

Quadro 1 – Adaptado de Etxebarria e colegas, publicado no European Journal Emergence Medicine em 1998 4

Quadro 2 – Tipo de Ambulância e Acompanhamento segundo score 5

“2-Objectivos específicos de melhoramento – Recursos Humanos

a) O acompanhamento do doente crítico deve ser efectuado por um Médico qualificado para o efeito, isto é, capaz de assegurar a via aérea, a ventilação, o equilíbrio hemodinâmico e a monitorização exigida pelas normas de boa prática médica. Muitos hospitais dispõem de recursos muito limitados em número com as competências desejáveis em emergência e que, se ausentes, comprometerão a capacidade de resposta do hospital no SU ou no Bloco Operatório. É urgente rentabilizar o conhecimento existente em várias soluções de formação já disponíveis: SBV/SAV, SAT, ATLS, FCCS.” 5

Será  de nos questionarmos se a Unidade de Missão não considera importante que o enfermeiro na esfera da sua autonomia e na prossecução de um eficaz trabalho multidisciplinar não deva também ter a formação específica nestas áreas complementares de actuação para deste modo poder efectivamente “falar a mesma linguagem”. Por outro lado, a Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos (SPCI), no Guia para Transporte de Doentes Críticos, foca as competências que o enfermeiro deve ter para integrar a equipa médica que efectua o transporte, pois considera que tanto o médico como o enfermeiro devem ter experiência em reanimação (que pressupõe competência nas áreas de permeabilização da via aérea, ventilação, hemodinâmica, etc.) e no manuseamento do equipamento a utilizar.

III – Considerandos

Assim sendo, temos o que está legislado e o que é considerado e recomendado como adequado pelas Sociedades Médicas. A realidade, contudo, é diferente de que qualquer uma preconiza: a maioria dos hospitais não têm disponíveis equipas definidas, fixas e com a preparação diferenciada adequada de forma permanente. Assim sendo, grande parte das situações obriga a medidas alternativas que nem sempre são as mais eficazes. As equipas são formadas por profissionais que estão no exercício, obrigando sempre à redução da dotação segura de elementos no momento e durante o tempo que dura o transporte, que em alguns casos pode ser por horas. De igual forma se verifica que nem sempre são seleccionados os profissionais com o nível de competências mais adequados em função das necessidades do doente a transferir, e na realidade também não são aqueles que fizeram a primeira abordagem e diagnóstico das situações que acompanham a transferência, pelo que a informação transmitida nem sempre é a melhor.

O documento divulgado pela Unidade de Missão, identificados que estão estes problemas, recomenda que se implemente a formação nas áreas de competência de reanimação e trauma aos profissionais envolvidos, e que cada hospital, prevendo a inexistência de equipas disponíveis para o transporte, elabore um “Manual de Transporte do Doente Crítico”, onde entre outros considerandos devem estar o algoritmo de decisão, a constituição das equipas, quais as suas competências e como recrutar a equipa de transporte sem prejudicar o atendimento aos doentes que ficam na unidade de saúde.

Relativamente ao facto de a presença do enfermeiro não estar adequadamente referenciada como necessária, mas recomendada, estaremos todos de acordo que o transporte dos doentes, que de alguma forma estão vulneráveis e certamente com necessidade de cuidados de enfermagem, devem ser acompanhados por estes profissionais, pois os cuidados de enfermagem não se delegam a outros que não enfermeiros, apesar da Ordem dos Enfermeiros (OE) nunca ter efectuado qualquer tipo de observação oficial acerca da legislação em vigor. Segundo o nº1 do artigo 8º do REPE, o enfermeiro deve “adoptar uma conduta responsável e ética e actuar no respeito pelos direitos e interesses protegidos dos cidadãos”.

A articulação e a complementaridade funcional dos profissionais são imprescindíveis no trabalho da equipa de saúde. Nos termos da alínea b do Artigo 91 do Código Deontológico, o enfermeiro como elemento da equipa de saúde tem o dever de trabalhar em articulação e complementaridade com os restantes profissionais de saúde.

De acordo com a OE (Conselho de Enfermagem – Competências do Enfermeiro de Cuidados Gerais, 2003), o exercício profissional de enfermagem requer que “a tomada de decisão do enfermeiro que orienta o exercício autónomo implique uma abordagem sistémica e sistemática. Na tomada de decisão, o enfermeiro identifica as necessidades de cuidados de enfermagem da pessoa individual ou do grupo (família e comunidade)”.

Decidir, tomar decisões, pode ser definido como sendo a escolha entre duas ou mais alternativas de acção. Esta escolha deve ser feita com racionalidade, consciência e competência para que se escolha a alternativa que resulte no objectivo esperado ou mais próximo dele. Como refere Lucília Nunes “O enfermeiro guia a sua actividade no sentido do bem presumido para as pessoas…”, “…mas também não é o profissional que age por indicação de outrem. A interdependência configura-se simplesmente em relação ao início do processo prescritor e mesmo quando outro profissional prescreve é o enfermeiro que assume a responsabilidade pelos seus próprios actos (e pelas decisões que toma).” 6

Relativamente ao acompanhamento do doente e apesar da decisão do transporte do doente, como já vimos, ser um acto de responsabilidade médica, no seu Código Deontológico alínea a) do Artigo 83, o enfermeiro deve “co-responsabilizar-se pelo atendimento do indivíduo em tempo útil, de forma a não haver atraso no diagnóstico da doença e respectivo tratamento”. Assim sendo, podemos considerar que a indisponibilidade para acompanhar um doente que necessite de transporte atenta directamente contra este ponto.

Na continuação a alínea d, nº 4, Artigo 5º do REPE diz “mais, os cuidados de enfermagem são caracterizados, por englobarem, entre outros, de acordo com o grau de dependência da pessoa, o encaminhamento para os recursos adequados, em função dos problemas existentes, ou a promoção da intervenção de outros técnicos de saúde, quando os problemas identificados não possam ser resolvidos só pelo enfermeiro”.

No parecer 69/2005 do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, foi considerado que:

3.1 “O julgamento sobre a necessidade de cuidados de enfermagem é feito pelos enfermeiros, e o enfermeiro é responsável pelas decisões que toma e pelos actos que pratica ou delega”.

3.2 “O direito do doente a cuidados de qualidade, no qual a segurança é componente crítica, exige que o transporte seja realizado com o menor risco e com a maior segurança”.

3.5 “Na planificação dos cuidados a realizar, o enfermeiro faz a gestão das prioridades procurando adequar os recursos disponíveis ou mobilizar novos recursos, para fazer face à satisfação das necessidades do doente em cuidados de enfermagem. Atendendo ao contexto multiprofissional e interdisciplinar dos cuidados de saúde, devem estas decisões ser tomadas na base de protocolos estabelecidos pela equipa e assumidos formalmente pelos órgãos de gestão”.

Gradualmente tem sido dado ênfase à necessidade dos profissionais da saúde e, neste caso, dos enfermeiros, justificarem e serem responsabilizados pelas decisões que tomam para com e em nome dos seus doentes/clientes. A má prática e as decisões que conduziram a essa má prática serão cada vez mais questionadas e menos aceites, quer pelas estruturas responsáveis onde se prestam os cuidados, quer pelos órgãos reguladores da actividade, como ainda pelos próprios utentes dos serviços. A prática baseada na evidência e o desenvolvimento de decisões claras, racionais e sedimentadas no conhecimento são obrigação de todos os profissionais ao serviço da saúde. O domínio cognitivo do saber-saber e do saber-fazer, da experiência e da prática, são factores de extrema importância para reduzir o stress da decisão e da acção, factores essenciais para quem trabalha em situações que implicam tomadas de decisão rápidas, eficientes e eficazes.

Alicerçados em todas estas considerações, é legítimo afirmar-se que o enfermeiro no seu processo de tomada de decisão, depois de devidamente avaliados todos os factores envolvidos e informações disponíveis, poderá, para bem do receptor dos cuidados, recusar o acompanhamento de um doente enquanto não estiverem reunidas as condições mínimas e desejáveis para que o transporte possa ser efectuado em segurança e com minimização dos riscos; podendo, contudo, essa decisão implicar mais tempo no hospital mas onde, pelo menos naquele momento, estão reunidas as melhores condições. Este tipo de atitude, ainda que mal compreendida por uns e até condenada por outros, conduzirá certamente a uma procura de soluções mais objectivas, concretas e realmente eficazes em todos os domínios envolvidos. Obviamente que esta é uma decisão de responsabilidade individual e não deve ser considerada como um passar de responsabilidade para outros, isto é, não pode sequer passar pela cabeça de quem decide que se o enfermeiro não quer então vai um tripulante, pois se até a legislação o permite… Esta tomada de decisão pretende efectivamente contribuir para uma mudança de mentalidades, atitudes e acções conjugadas entre os diversos intervenientes (equipa de saúde, órgãos de gestão, órgãos reguladores) e em que o enfermeiro se apresenta como figura que tem um papel relevante e uma palavra importante a proferir.

Devemos ainda a este nível considerar que a actual política de reformulação das Urgências nacionais e a nova Rede de Referenciação Hospitalar levará certamente a um aumento do número de transferências inter-unidades de saúde. Para que estas situações possam ser cada vez em menor número e façam parte das excepções e não da regra, as soluções podem ser diversas. Passando por equipas disponíveis nas diversas unidade de saúde, a equipas de âmbito nacional (como o SHEM ou o transporte de Recém-Nascidos), o que é necessário é que se reconheça ao nível da gestão (pois já está mais do reconhecida e debatida pelos diversos peritos médicos) a necessidade da existência de equipas devidamente preparadas e treinadas, com a rotina conveniente nestas actividades, pois, como diz Thomas Fuller “o conhecimento é um tesouro, mas a prática é a chave para ele”.

Assim sendo, urge a necessidade de que todas estas matérias sejam revistas à luz das recomendações que a própria Unidade de Missão divulgou. Os órgãos de gestão, sejam de topo ou intermédios, reconhecendo as potenciais dificuldades inerentes à aplicação das recomendações, devem seriamente fazer o diagnóstico de situação das suas unidades, ponderar custos e benefícios, elaborar manuais com algoritmos de decisão e procedimentos de transporte e promover a complementaridade formativa necessária para preparar adequadamente os recursos humanos necessários para formar equipas idealmente específicas e fixas para transporte de doentes críticos, procurando reduzir o risco inerente ao transporte, optimizar os recursos e melhorar a prestação do serviço com os óbvios benefícios, no imediato, para os doentes e, a curto e longo prazo, para toda uma sociedade que espera dos seus profissionais equidade na prestação dos cuidados, independentemente das condições socio-económicas da região geográfica onde se encontram, e que estes sejam cuidados de excelência.

1 Guidelines for the inter and intrahospital transport of critically ill patients: Critical Care Medicine, Vol 32, nº1, 2004
2 ABC of Intensive Care: Transport of critically ill patients – BMJ 1999
3 Portaria nº 1301-A/2002 de 28 de Setembro de 2002 – DR 225 – SÉRIE I-B 1º SUPLEMENTO Emitido Por Ministérios da Administração Interna e da Saúde
4 Serviço de Urgência – Recomendações para a Organização dos Cuidados Urgentes e Emergentes – Grupo de Trabalho de Urgências, 2006.
5 Serviço de Urgência – Recomendações para a Organização dos Cuidados Urgentes e Emergentes – Grupo de Trabalho de Urgências, 2006.
6 Nunes, Lucília – Os desafios do futuro: do que temos ao pensar no futuro. 2003

IV – Bibliografia

  • American College of Critical Care Medicine – Guidelines for the inter and intrahospital transport of critically ill patients: Critical Care Medicine, Vol 32, nº1, 2004.

  • ANGELONI, Maria Teresa – Elementos intervenientes na tomada de decisão. Disponível em www.ibict.br/cienciadainformacao/include/ getdoc.php?id=438&article=153&mode=pdf
  • Clinical Nurse Specialist and Advanced Nurse Practitioner roles in emergency departments. Disponível em www.ncnm.ie/files/ CNS%20and%20ANP%20roles%20in%20AandE05.pdf
  • Código Deontológico dos Enfermeiros – Diário da República, Série I –A, nº 93 pag 1753-1756

  • Conselho de Enfermagem – Competências do enfermeiro de cuidados gerais. Lisboa. Ordem dos Enfermeiros, 2003.
  • Conselho de Enfermagem da Ordem dos Enfermeiros – Competências do Enfermeiro de Cuidados Gerais. Outubro de 2003.

  • Diário da República, SÉRIE 1-A, 70/2007 –  Portaria nº 402/2007.

  • Diário da República, SÉRIE 1-A, 74/92 – Decreto-Lei nº 38/92 de 28 de Março de 1992.

  • Diário da República, SÉRIE 1-B, 225 — Portaria nº 1301-A/2002 de 28 de Setembro de 2002.

  • Diário da República, SÉRIE 1-B, 226 — Portaria nº 1147/2001 de 28 de Setembro de 2001.

  • Grupo de Trabalho de Urgências –  Serviço de Urgência- Recomendações para a Organização dos Cuidados Urgentes e Emergentes. 2006 Disponível em http://portal.saude.sp.gov.br/resources/humanizacao/apresentacao_powerpoint/livro_portugal.pdf
  • NUNES, Lucília – Os desafios do futuro: do que temos ao pensar no futuro. 2003. Disponível em http://lnunes.no.sapo.pt/
  • PARECER Conselho Jurisdicional da OE – Procedimento Sobre Acompanhamento de Doentes em situação emergente. Revista da Ordem dos Enfermeiros, nº25, Abril 2007.
  • WALLACE, Peter, RIDLEY, Saxon – ABC of Intensive Care: Transport of critically ill patients – BMJ 1999;319:368-371. Disponível em http://www.bmj.com/cgi/content/full/319/7206/368

  • Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros – Diário da República Decreto-Lei n.º 161/96, de 4 de Setembro, alterado pelo Decreto-lei n.º 104/98, de 21 de Abril.

  • THOMPSON, Carl; DOWDING, Dawn – Clinical decision making and judgement in nursing. Churchill Livingstone, 2002.