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Supervisão Clínica na Enfermagem no Caminho da Excelência dos Cuidados

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A formação básica é considerada necessária mas não suficiente para assegurar elevada qualidade em supervisão. A formação e experiência adicionais em supervisão, são consideradas essenciais para ajudar a desenvolver competências supervisivas.

A profissão de enfermagem tem estado sujeita ao longo dos tempos a uma série factores que têm contribuído para que esta tenha evoluído como profissão autónoma numa busca constante pela excelência dos cuidados, sendo que actualmente num ambiente onde as opções políticas, a entidade reguladora da profissão (OE) e a própria sociedade exigem cada vez mais qualidade aos cuidados de enfermagem. A prática reflexiva será uma óptima ferramenta ao serviço da consolidação destes objectivos e destas exigências. A chamada racionalidade crítica que permite avançar e/ou recuar nas nossas acções promovendo a mudança e a construção de saber ao serviço de todos.

Temos assistido a uma série de mudanças nos processos de Educação/Formação, da educação profissionalizante cujo objectivo seria programar alguém para executar determinada tarefa ou profissão, o chamado racionalismo técnico, chega-se a um novo paradigma, a racionalidade crítica que baseia-se na prática profissional e nas competências subjacentes a esta para num exercício prático reflexivo dar lugar á construção de saber. E é neste contexto que surge a supervisão clínica na enfermagem, que vai buscar a sua fundamentação à ciência mãe da educação, a Pedagogia. A supervisão da prática clínica, por enfermeiros com aptidões e vocacionados para esta actividade, terá um papel crucial no desenvolvimento pessoal e profissional dos enfermeiros, quer em formação quer em processos de integração num primeiro contacto com a vida profissional – Aprender com uma prática profissional orientada e reflectida, o que no contexto actual de desenvolvimento pessoal e profissional permite-nos evocar os quatro pilares da educação preconizados por Delors e tal, (1996): aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser. Desta forma estamos perante uma relidade que concerteza nos abrirá portas no século XXI, aprendizagem ao longo de toda a nossa vida.

Conceito de Supervisão Clínica

Oconceito de Supervisão clínica tem sido alvo das mais diferentes definições por parte dos autores/entidades que têm desenvolvido trabalhos nesta área. Embora diferentes, todas se complementam, destacaria o conceito proposto por Alarcão & Tavares (1997, p197), que definem supervisão clínica como: “Processo em que uma pessoa experiente e bem informada, orienta o aluno no desenvolvimento humano, educacional e profissional, numa atitude de monitorização sistemática de prática sobretudo através de procedimentos de reflexão e experimentação”.

Função do supervisor

A função do supervisor será, segundo Cotrell (2000), sustentar a formação e a actividade profissional dos supervisados, tendo sempre em conta a prestação de cuidados de qualidade ao cliente e, ainda, promover a mudança positiva, educar, monitorizar, recomendar, desafiar, pesquisar e desenvolver o espírito crítico dos mesmos. O seu papel é central à promoção de uma prática com o máximo de qualidade, sendo que, o determinante principal da eficácia do relacionamento supervisivo é a qualidade do mesmo. Alarcão & Tavares (2007), acrescentam que o supervisor deverá fazer desenvolver nos supervisados um conjunto de capacidade e atitudes com vista a excelência e qualidade dos cuidados. Ainda segundo os mesmos autores estes objectivos não se atingem todos de uma vez pelo que se reforça a ideia de que a supervisão clínica ser uma acção multifacetada, faseada, continuada e cíclica. O processo de crescimento profissional desenrola-se em movimentos helicoidais. Assim a este processo o supervisor deve acompanhar de perto, em ligação da prática profissional dos seus formandos.

Características de um bom supervisor clínico

As características de um bom supervisor clínico são segundo muitos autores um aspecto a considerar na qualidade da supervisão. Cotrell (200), refere que o bom supervisor tem que ter presente as seguintes características: Perícia – o reconhecimento pode ser informal, através da habilidade, da experiência, ou do status e da formação. O reconhecimento informal pode vir dos pares, pois a perícia formal pode ser transmitida pela confiança; Experiência – o supervisor clínico em enfermagem será reconhecido como tendo a profundidade da experiência no seu campo de especialidade. A prática clínica é altamente desejável. Em relação a este aspecto, a experiência segundo Élvio Jesus (2006), será um elemento fundamental para a tomada de decisão em enfermagem. Segundo este mesmo autor, na sua tese de doutoramento – Decisão Clínica de Enfermagem – a experiência do enfermeiro será aquilo que este aprendeu através de situações práticas anteriores, isto é, a experiência produz conhecimento sendo este conhecimento aplicado nos cuidados subsequentes aos utentes. A experiência permitirá ao enfermeiro desenvolver a capacidade de se centrar no utente, de conhecê-lo e de decidir melhor, em detrimento de uma maior focalização no equipamento ou procedimentos. Ela facilita a que o enfermeiro aprenda a ser confiante, a lidar melhor com as emoções e os sentimentos dos utentes, a colocar-lhes questões mais difíceis, a escutar activamente e a considerar um maior número de intervenções. Ela permite que o enfermeiro seja capaz de prever determinadas situações e que tome atempadamente medidas de prevenção àquela situação que entretanto foi capaz de identificar; Aceitabilidade – é de extrema importância que o supervisor clínico seja aceite por aqueles que ele supervisiona; Formação – é desejável que todos os supervisores clínicos recebam formação em supervisão clínica no início da sua actividade supervisiva, bem como formação contínua. A formação básica é considerada necessária mas não suficiente para assegurar elevada qualidade em supervisão. A formação e experiência adicionais em supervisão, são consideradas essenciais para ajudar a desenvolver competências supervisivas. O mesmo autor refere que para que se estabeleça uma boa relação supervisiva, é essencial identificar-se no supervisor, algumas características consideradas fundamentais, como a empatia, o positivismo e a paciência. Por sua vez, Alarcão & Tavares (2007), reconhecem ainda a existência de características menos gerais, a capacidade de prestar atenção e o saber escutar são consideradas fundamentais pela maioria dos investigadores; mas salienta-se também a capacidade de compreender, de manifestar uma atitude de resposta adequada, de integrar as perspectivas dos formandos, de buscar a clarificação de sentidos e a construção de uma linguagem comum, de comunicar verbal e não verbalmente, de parafrasear e interpretar, de cooperar, de interrogar.

Estilos de Supervisão

Para Glickman (1985), existem fundamentalmente três estilos de supervisão, não-directivo, de colaboração e directivo. Estes estilos estarão directamente relacionados com os dez tipos de skills interpessoais identificados pelo mesmo autor numa relação directa de maior ou menor ênfase que cada supervisor dá a algumas destas atitudes. Assim, o supervisor de tipo não-directivo é aquele que manifesta desejo e capacidade de atender ao mundo do professor, de o escutar, de esperar que seja ele a tomar as iniciativas. Sabe, calar-se para ouvir o supervisando a falar, é capaz de verbalizar as ideias e os sentimentos que este, explícita ou implicitamente, lhe vai manifestando, sabe encorajá-lo, ajudá-lo a clarificar as suas ideias e os seus sentimentos, pede-lhe informações complementares quando elas são necessárias. O supervisor que prefere estratégias de colaboração verbaliza muito o que o supervisando lhe vai dizendo, faz sínteses das sugestões e dos problemas apresentados, ajuda a resolvê-los, O supervisor de tipo directivo, pelo contrário, concentra as suas preocupações em dar orientações, em estabelecer critérios e condicionar as atitudes do professor).

O Ciclo da Supervisão

O Ciclo da supervisão segundo Alarcão & Tavares (2007), é constituído por quatro fases: Encontro pré-observação; Observação propriamente dita; Análise dos dados; Encontros pós-observação; Por sua vez, Wilson Abreu (2003), a Supervisão Clínica deverá responder a um conjunto de variáveis relacionadas com a gestão, formação e suporte emocional, sendo que o processo de supervisão clínica desenrolar-se-á segundo um ciclo de seis etapas: Objectivo; Identificação do problema; Contextualização; Planeamento; Implementação; Avaliação.

O trajecto da supervisão incide sobre situações reais, sobre indivíduos em interacção e sobre dinâmicas de colaboração. A resolução de problemas, a tomada de decisão ou a definição de uma personalidade estão dependentes de uma interacção entre a teoria e a prática bem como com a configuração do “modus operandis” e de processos de autonomização que deverá ser progressiva.

Modelos de Supervisão

Para Fonseca (2006, p22), a prática da supervisão adquire estruturas, modelos e cenários que se constituem na descrição e explicação da realidade da supervisão, estes descrevem os sistemas, estratégias, meios e requisitos que permitem responder aos interesses de cada um e de todos os intervenientes no processo.

Todos os modelos existentes acerca deste assunto permitem-nos fazer uma determinada leitura da realidade prática da supervisão, sendo cada um deles e todos eles realçam premissas que se complementam e facilitam a construção de caminhos próprios.

Garmston e tal. (2002), refere-se a três categorias de modelos: modelos técnicos-didáticos; modelos artísticos-humanistas e modelos de desenvolvimental-reflexivos.

Alarcão e Tavares (2003), por sua vez falam-nos em nove cenários de supervisão: imitação artesanal; aprendizagem pela descoberta guiada; behaviorista; clínico; psicopedagógico; pessoalista; reflexivo; ecológico e cenário dialógico. No entanto os autores alertam que todos estes cenários mais virtuais que reais não devem ser entendidos como compartimentos estanques que se excluem mutuamente na medida em que poderão coexistir em simultâneos vários destes processos. A estes nove cenários subjazem diferentes concepções relativas a: relação entre teoria e a prática; formação e investigação; noção de conhecimento como saber constituído e transmissível ou construção pessoal de saberes; papeis do supervisor ou professor; noções de educação e de formação de professores ou supervisores; assunção da escola como centro de formação ou como mera estação de serviço à formação.

É ainda nesta temática de cenários de supervisão que Sá Chaves (2002), entrando em linha de conta com o supervisor como uma pessoa adulta em presença de um outro adulto, que tem como missão fundamental facilitar o desenvolvimento e a aprendizagem do outro, não devendo fazê-lo como se faz a um aluno do secundário. Devendo considerar as experiências passadas, os sentimentos, percepções e capacidades de auto-reflexão, não dando receitas como fazer mas sim criar junto do supervisado, com o supervisado e no supervisado um espírito de investigação-acção, num ambiente emocional positivo, humano e facilitador do desenvolvimento pessoal e profissional de ambos. E é com base nestas reflexões que Sá Chaves (2002), chama a este cenário de Integrador e a partir dele desenvolve o conceito de supervisão não standard, a única que permite respeitar o direito à diferença.

SUPERVISÃO CLÍNICA COMO ESTRATÉGIA PROMOTORA DO DESENVOLVIMENTO PESSOAL E PROFISSIONAL DO ENFERMEIRO 

Abreu (2003), entende que os sistemas de tutoria poderão desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento pessoal e profissional dos novos enfermeiros, quer a nível da formação contínua como a nível da promoção de práticas baseadas em evidências científicas. A confrontação entre o meio interno e externo do aluno proporcionará um diálogo cognitivo que estará na base de um sentido para si. Destacando três palavras-chave neste modelo de desenvolvimento: experiência, continuidade e interacção.

Mas quando falamos em supervisão como uma estratégia que favorecerá o desenvolvimento pessoal e profissional dos enfermeiros teremos que falar forçosamente, de modelos de tutoria. Não existindo contudo um consenso em relação à terminologia a utilizar para designar os diferentes tipos de tutoria. No entanto, Abreu (2003), refere-se a quatro tipos de orientação das práticas clínicas: mentorship, preceptorship, multitutor, e integrativo. Sendo que o primeiro termo (mentor) está associado ao profissional mais experiente, o qual terá a responsabilidade da aprendizagem do tutorado. O segundo conceito preceptor estará associado ao profissional que tem a responsabilidade de ensinar e de apoiar. O terceiro conceito, multitutor, envolve um conjunto de tutores que desenvolvem a sua actividade de forma concertada. Por fim o modelo integrativo pressupõe uma interactividade entre o ensino teórico e o prático.

Consciente da importância que este processo de supervisão clínica poderá ter a nível do desenvolvimento da profissão de enfermagem a Ordem dos Enfermeiros com vista à excelência dos cuidados, apresentou na última Assembleia-Geral de Março 2007, uma proposta de um Modelo de Desenvolvimento Profissional dos Enfermeiros baseada na tutoria/Supervisão como estratégia que melhor servirá o desenvolvimento dos enfermeiros numa caminhada rumo à especialização e aquisição de novas competências ao serviço dos cidadãos.

Referências Bibliográficas:

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