Hoje em dia, já existem opções que podem reverter, com ganhos importantes a nível cosmético e de força tênsil, cicatrizes que resultaram de processos cicatriciais prolongados em alguma das fases de cicatrização, ou mesmo que passaram por uma situação de deiscência.
João Gouveia
C. S. Pampilhosa da Serra
Cristina Miguéns
C. S. Figueira da Foz
RESUMO
A cicatriz sempre foi aceite como sendo o resultado final de um bom processo de cicatrização, sendo que o bom era o encerramento total da ferida, a que custo fosse. Todavia, nem sempre o resultado cosmético correspondia aos anseios dos pacientes e profissionais de saúde, daí que fosse extremamente importante realizar-se uma avaliação das expectativas dos pacientes antes da alta definitiva. Hoje em dia, já existem opções que podem reverter, com ganhos importantes a nível cosmético e de força tênsil, cicatrizes que resultaram de processos cicatriciais prolongados em alguma das fases de cicatrização, ou mesmo que passaram por uma situação de deiscência.
ABSTRACT
The scar as always been accepted as the final result of a good healing process, been the gold outcome the total closing of the wound, whatever it took. Nevertheless, the cosmetic result didn’t always correspond to the patient and healthcare professionals expectations, been then extremely important undergo an evaluation of the patient’s expectation’s regarding before it final discharge. Today, there are already options that can revert, with important profits at a cosmetic and strength level, scars that result from delayed healing processes, in any phase of the healing circuit, ou even undergo a dehiscence situation.
INTRODUÇÃO
A pele é considerada por muitos como o maior órgão do corpo humano, ocupando uma área total de 2m2 e pesando cerca de 2,7 kg (mais do que o cérebro). As suas funções são, de acordo com Hess e Kirsner (2003):
Protecção
Sensação
Termoregulação
Excreção
Metabolismo
Imagem corporal
Imunológica
Quando perante uma situação de quebra da integridade cutânea, assumindo esta uma forma aguda ou crónica, fica em causa um processo que se pretende seja o mais modelar possível e que permita o menor número de interferências relacionadas com agressões externas, muitas vezes ligadas a microorganismos saprófitas da pele. Assim, toda a ruptura cutânea deve ser vista como uma ameaça séria ao bem-estar do indivíduo.
O processo cicatricial de feridas passa por várias fases, que podem variar de acordo com as fontes consultadas. De facto, Ayello e colegas (2004: 36), referem 4 fases do processo cicatricial (hemostase, inflamação, proliferação e maturação) todas elas diferentes entre si, no que respeita a actores envolvidos e tempos de duração.
No que respeita à fase de hemostase, esta inicia-se imediatamente após a lesão e é caracterizada pela formação do coágulo. Nesta fase, “a célula chave são as plaquetas, que não 3ó formam o coágulo para evitar perda sanguínea posterior, como também libertam citoquinas-chave” (Hess e Kirsner, 2003: 249). Quanto à fase inflamatória, inicia-se imediatamente após a formação do coágulo, caracterizando-se por vasodilatação e permeabilidade capilar aumentada, assim como o surgimento de várias células especificias, como são leucócitos polimorfonucleares e macrófagos. A ter em conta que 5 dias após a lesão, surgem fibroblastos, células epiteliais e células endoteliais vasculares com a missão de iniciar a formação de tecido de granulação. Infelizmente, esta fase pode prolongar-se no tempo, levando ao aparecimento de situações indesejáveis como sejam o exacerbar do tecido presente no leito da ferida, e numa situação possível de infecção associada, deterioração da ferida, com repercussões muito importantes a nível da cicatriz final.
A 3ª fase do processo de cicatrização, proliferação, envolve um número crescente de células diferenciadas, como factores de crescimento, fibroblastos, células endoteliais e queratinócitos (Ayello e colegas, 2004). À medida que vai surgindo o tecido de granulação, os fibroblastos estimulam a produção de colagénio que por sua vez fornece ao tecido força tênsil, e em último caso, a sua estrutura (Hess e Kirsner, 2003).
Finalmente, a última fase, a de maturação, inicia-se a partir do 21º dia pós-traumatismo e pode durar meses ou anos, sendo nesta fase que as fibras de colagénio se reorganizam, remodelam e amadurecem, adquirindo assim força tênsil (Hess e Kirsner, 2003). Nesta fase, o tecido da cicatriz é reduzido e remodelado, atingindo 80% da sua força tênsil original (Ayello e colegas, 2004).
Esta última fase espelha, na maioria dos casos, o decurso do processo de cicatrização da ferida tratada. De facto, se a evolução decorreu dentro dos prazos conhecidos, sem intercorrências, a probabilidade de termos uma cicatriz de bom aspecto cosmético, com uma razoável força tênsil, é muito forte. Pelo contrário, se estivermos perante uma ferida que esteve durante muito tempo estagnada numa das fases anteriormente referidas, com intercorrências como má escolha do material de penso a utilizar, episódio de infecção, fase inflamatória muito prolongada, então por certos encontraremos uma cicatriz pobre, de mau resultado cosmético, não sendo de estranhar mesmo a presença de cicatrizes hipertróficas.
Assim, a cicatriz era sempre vista como o resultado final, em que já nada poderia ser alterado e por isso, bem ou mal, o indivíduo teria de viver com esse “sinal”. As opções existentes passariam sempre por actuações cirúrgicas e não cirúrgicas. Segundo Troot (2005), as opções cirúrgicas incluem cirurgia em Z ou dermoabrasão, que demonstraram alterar a aparência da cicatriz de forma favorável e efectiva. Em termos de medidas não cirúrgicas, o mesmo autor recomenda a crioterapia, pensos de compressão, terapia de radiação e corticóides intralesionais e antimitóticos.
Todavia, surgiu no mercado um novo produto, modulador da cicatriz, que entendemos testar em alguns casos, recentes ou não, de cicatrizes cutâneas, usando para tal um protocolo de aplicação diária 3 x dia, com massagem suave. Este produto já tinha provado ser eficaz em situações de redução de cicatrizes pós-traumáticas (Clarke colegas, 1999) e cicatrizes toráxicas pós-cirurgia (Maragakis, Willital, Michel e Görtelmeyer, 1995). A avaliação do estado da cicatriz feita através de variáveis existentes na Escala Patient and Observer Scar Assessment Scale (Draaijers e colegas, 2004), que apresenta bons resultados na sua consistência e fiabilidade intraobservador (Truong e colegas, 2007), embora esta não tivesse sido utilizada na perspectiva do paciente, por questões de não validação para a versão portuguesa. Assim, apenas se utilizaram as variáveis definidas pela escala e a avaliação foi sempre realizada pelo mesmo observador, podendo ser acrescentadas observações do próprio utente como complemento da informação.
Assim, as variáveis avaliadas foram vascularização, pigmentação, espessura, alívio e elasticidade. Os valores variavam entre 1 (pele normal) e 10 (pior cicatriz imaginável), sendo realizado um somatório final. Em todos os casos foi obtido consentimento informado e esclarecido por parte dos pacientes envolvidos.
ESTUDOS DE CASO
O primeiro estudo de caso diz respeito a uma paciente de 26 anos, portadora de uma cicatriz na face externa da mão direita, com uma duração de 3 anos. Iniciou aplicação diária 3 x dia a 26/9/07 (foto nº1), apresentando um comprimento de 1,5 cm, com bordos ligeiramente elevados. A avaliação da sua cicatriz, no inicio do tratamento e na sua 1º avaliação pós-inicio do tratamento, de acordo com os critérios estabelecidos encontra-se expressa na Tabela nº1. No dia 29/10/07 (foto nº 2), verificou-se uma diminuição do comprimento da cicatriz (1 cm), assim como uma melhoria de alguns critérios de avaliação, especialmente a nível da pigmentação, espessura e elasticidade.
Tabela nº 1- Critérios da cicatriz avaliados na paciente nº 1
VARIÁVEL | PONTUAÇÃO (data de inicio do tratamento) | PONTUAÇÃO (data da 1ª avaliação pós inicio do tratamento) |
Vascularização | 4 | 4 |
Pigmentação | 6 | 3 |
Espessura | 5 | 3 |
Alivio | 5 | 4 |
Elasticidade | 8 | 4 |
TOTAL | 28 | 18 |
O caso nº 2 diz respeito a uma puérpera, 28 anos, 1º gestação, sujeita a cesariana, com deiscência da sutura e encerramento secundário da mesma. A paciente apresentava como complicações possíveis para o tratamento a presença de pregas cutâneas adiposas que comprimiam os bordos da ferida, não permitindo um encerramento correcto. Após encerramento total da ferida, iniciou imediatamente aplicação do produto modelador, a 26/9/07 (foto nº 3), com aplicação diária 3 x dia. Nesta data, apresentava uma cicatriz com um comprimento de cerca de 13 cm, sendo que a nível das 3 horas apresentava uma zona com mau aspecto cosmético. A 31/10/07 (foto nº 4), verifica-se uma melhoria muito substancial de toda a zona envolvida, com esbatimento muito acentuado da vascularização e pigmentação às 9 horas e 3 horas, assim como uma aproximação ás características da pele normal na zona central da cicatriz. Podemos avaliar melhor a evolução dos parâmetros na Tabela nº 2.
Tabela nº 2- Critérios da cicatriz avaliados na paciente nº 2
VARIÁVEL | PONTUAÇÃO (data de inicio do tratamento) | PONTUAÇÃO (data da 1ª avaliação pós inicio do tratamento) |
Vascularização | 8 | 4 |
Pigmentação | 10 | 5 |
Espessura | 8 | 5 |
Alivio | 10 | 3 |
Elasticidade | 8 | 5 |
TOTAL | 44 | 23 |
O caso nº 3 diz respeito a uma paciente de 53 anos, sujeita a abdominoplastia, com deiscência da sutura operatória. O encerramento das feridas abertas entretanto foi realizado por segunda intenção, tendo iniciado aplicação do produto modulador a 21/9/07 (foto nº 5). Inicialmente os bordos apresentavam-se elevados, com baixa elasticidade e hipopigmentação relativamente à pele normal. A 9/11/07 (foto nº 6), os locais de aplicação apresentavam bordos praticamente inexistentes, com pigmentação próxima da normal da pele, tecido bem vascularizado, redução da área de cicatriz e um resultado cosmético impressionante. Na Tabela nº 3 podemos verificar a evolução do processo cicatricial final.
Tabela nº 3- Critérios da cicatriz avaliados na paciente nº 3
VARIÁVEL | PONTUAÇÃO (data de inicio do tratamento) | PONTUAÇÃO (data da 1ª avaliação pós inicio do tratamento) |
Vascularização | 7 | 3 |
Pigmentação | 9 | 3 |
Espessura | 10 | 3 |
Alivio | 7 | 4 |
Elasticidade | 8 | 2 |
TOTAL | 43 | 15 |
CONCLUSÃO
É aceite de forma pacífica que uma boa cicatriz final, com um bom resultado cosmético, é o espelho de um bom processo cicatricial, ou que aparentemente, a ferida original atravessou as fases do processo cicatricial de forma ordeira, sem interferências de terceiros. Hoje em dia, tal poderá já não corresponder à verdade, em virtude de termos ao nosso dispor produtos que permitem a correcção final da cicatriz, remodelando-a ou moldando-a de acordo com o resultado desejável.
Embora ainda exista um período relativamente curto entre as várias avaliações efectuadas, o produto revelou-se bastante eficaz, com uma redução da área longitudinal das cicatrizes avaliadas, assim como uma melhoria muito substancial da pigmentação da pele afectada. Os resultados são tanto melhores quanto mais precocemente for aplicado este produto modelador, tendo como exemplo a ferida resultante da abdominoplastia. De facto, parece-nos ser muito interessante a perspectiva de poder aplicar este produto, em conjunto com outros produtos de tratamento de feridas, visto que desta forma poderia ser potencializado todo um processo de cicatrização. Estes estudos encontram-se ainda em fase de avaliação, e por isso os resultados finais são esperados para daqui a 3 meses.
No entanto, não podemos deixar de referir que os resultados actuais nos permitem afirmar que este tipo de material abre novas perspectivas na melhoria do resultado cosmético final, podendo revestir-se de particular significado para situações como cesarianas, cirurgias toráxicas, deiscências de suturas (pós-encerramento secundário), para além de qualquer outro tipo de feridas, incluindo cicatrizes hipertróficas ou quelóides de queimaduras.
BIBLIOGRAFIA
Ayello e colegas (2004) – TIME: heal all wounds, Nursing2004, Vol. 34 (4): 36-41.
Clarke e colegas (1999) – A prospective double-blind study of Mederma Skin Care Vs Placebo for post-traumatic scar reduction, Cosmetic Dermatology,Março, 1999.
Draaijers, L e colegas (2004) – The Patient and Observer Scar Assessment Scale: A reliable and Feasible Toll for Scar Evaluation, Plastic and Reconstrutive Surgery, Vol 113 (7): 1960-65.
Hess, C., Kirsner, R. (2003) – Orchestrating wound Healing: Assessing and preparating the wound bed, Advances in Skin and Wound Care, Vol. 16 (5): 246-257.
Maragakis, M., Willital, G., Michel, G., Görtelmeyer R. (1995)- Possibilities of scar treatment after thoracic surgery, Drugs Experimental Clinical Research, Vol XXI (5): 199-206.
Trott, A (2005) – Wounds and lacerations: Emergency Care and Closure, Mosby, 3ª edição.
Truong, PT e colegas (2007) – Reliability and validity testing of the Patient and Observer Scar Assessment Scale in evaluating linear scars after breast surgery, Plastic Reconstrutive Surgery, Vol. 119 (2): 487-94.
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FOTO Nº 2
FOTO Nº 3
FOTO Nº 4
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