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Repost: Parabéns Nidia

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Ninguém. Ninguém paga a nenhum enfermeiro para fazer isto. Que é mais e tão mais do que o reconhecimento técnico que alguns exigem. E merecem.

Nunca publiquei uma fotografia da minha irmã na fase mais difícil da leucemia. Quando já estava exausta, dorida, sofrida. Desfigurada.

Esta não era a minha irmã. Na verdade, muito antes, já não o era. Física, emocional e psicologicamente. Corrijo. Já não era a minha irmã de antes. Era uma nova. A que ganhei quando a leucemia apareceu e me levou a que tinha.

A cabra da leucemia corrói, deforma e mata as pessoas um bocadinho (grande) todos os dias. Se se tiver sorte (ou azar?) durante muitos, muitos, muitos dias. Demasiados.

Então por quê esta partilha hoje?

Hoje a Nídia faz 31 anos. Sim, faz. Lá no planeta dela, mais do que merecido, hoje celebramos o trigésimo primeiro aniversário da minha irmã. O oitavo fora deste nosso planeta.

E a Nídia. E eu. E os meus pais. E os nossos. E todos nós – todos, deveríamos ser mais empáticos, solidários, reconhecedores e – sim, agradecidos.

Ninguém pagou à Lúcia ou à Viviana para fazer um smile no quadro por cima da cama da Nídia em cada internamento. E, acreditem, foram muitos. Ninguém pagou à Laura para se preocupar (e cuidar) da Nídia quando não estava internada no hospital. Uma e outra vez. Ninguém pagou à Joana para me fazer sorrir sempre que passava aquela porta. Sempre. Ninguém pagou ao Nuno para abraçar a Nídia e fazer-lhe festas na careca durante horas como se fosse sua irmã. Uma e outra vez. Ninguém pagou à Paula para ir buscar a Nídia ao quarto quando já todos dormiam para que tivesse uma noite “normal” na conversa com os enfermeiros. Todas as noites. Ninguém pagou à Rosário para escutar a minha mãe. Tantas e tantas vezes. Ninguém pagou à Catarina para nos fazer rir quando dizia que ouvir uma conversa nossa sem olhar para nós era de loucos porque a nossa voz era igual. Uma e outra vez. Ninguém pagou ao Joel ou ao Carlos para fazer combates de esguichos de desinfectante. Sempre. Ninguém pagou à Marisa para nos puxar os pés para a terra quando era necessário. Uma e outra vez. Ninguém lhes pagou para fecharem os olhos, dia após dia, meses a fio, aos horários e visitas, arriscando-se a um puxão de orelhas da chefe (quantos terão sido). Ninguém lhes pagou para, mais do que autorizar, tratarem de pôr a mesa naquele primeiro Natal dos hospitais, permitindo que fizéssemos a nossa ceia de Natal em família.

Ninguém. Ninguém paga a nenhum enfermeiro para fazer isto. Que é mais e tão mais do que o reconhecimento técnico que alguns exigem. E merecem.

Por isso caros comentadores profissionais das redes sociais, doutores da comunicação social e excelentíssimos mestres da política, peço-vos encarecidamente mais respeito pelas pessoas que deram a mão à minha mãe, um beijo à minha tia, um abraço ao meu pai e colo a mim própria, na hora em que a minha irmã morreu. E em tantas outras horas antes disso. As mesmas pessoas que nos receberam sempre com um sorriso durante dois anos quando, naquele serviço, tudo o que não apetece é sorrir, porque a cabra da leucemia corrói tudo à volta dela. As mesmas pessoas que estiveram, durante o almoço do domingo de Páscoa, ao nosso lado no funeral da Nídia. As mesmas pessoas que choraram por ela connosco. As mesmas pessoas que conheci pelo pior motivo do mundo e que, ainda assim, me fazem sentir saudades delas.

As pessoas que lhe cantaram os parabéns pela última vez. Aqui. Nesta fotografia.

Parabéns mana!

E obrigada a vocês. Os que têm cara nesta fotografia e a todos os outros sem cara mas que cuidam de nós todos os dias.

 Fonte: https://eutueosmeussapatos.com/2017/09/08/parabens-nidia/

 

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