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Refletir sobre as práticas

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Os enfermeiros têm que estar cientes da sua importância no seio da equipa, valorizarem a sua prestação e mostrarem o seu valor perante os utentes e perante o poder politico

Enf. Fátima Soares – UCC Farol do Mondego

Li recentemente um livro escrito por um enfermeiro que retrata e critica, com um excelente sentido de humor várias situações do quotidiano dos enfermeiros que, sem que nos apercebamos, conduzem à imagem social inerente ao enfermeiro. O livro chama-se “Se a enfermagem falasse…” de Rodrigo Martins Cardoso e recomendo a sua leitura.

No livro o autor fala de comunicação nas várias vertentes e com os vários intervenientes do contexto de cuidados a partir de observações que fez no quotidiano do ambiente de cuidados. Analisa ainda, estereótipos no contexto de cuidados transmitidos pela comunicação social, através de artigos, séries, filmes e telenovelas.

Desde que li o livro do Rodrigo fiquei mais desperta para situações do dia–a–dia carregadas de simbolismos que transmitem a ideia que a sociedade tem sobre Enfermagem.

Na etapa da vida em que me encontro (sou enfermeira há 25 anos), está inerente um certo comodismo ao qual não me consigo habituar, mas que por vezes sentia como inútil, a leitura desta obra fez-me voltar a acreditar que não estou sózinha, que a minha inquietude vale a pena. Que vale a pena inquietarmo-nos todos e isso influencia a imagem social que transmitimos.

Ontem com um grupo de colegas, todos a trabalhar em diferentes locais do país e em diferentes equipas, discutiamos a importância da consulta de enfermagem e o momento em que esta deve ser feita. Alguns defendiam que a consulta de enfermagem deve ser feita num momento distinto do das consultas médicas. Outros que devia ser feita no mesmo dia antes da consulta médica e outros ainda que devia ser feita em simultâneo com a consulta médica. Os argumentos, todos válidos, é que, se for feita no intervalo das consultas médicas garantimos uma vigilancia de saúde mais apertada, se for feita antes da consulta médica garante a mesma qualidade de vigilância mas pode levar a repetições e por isso a desperdício de recursos. Quem defendia que devia ser feita em simultâneo dizia que se evitavam as repetições e permitia decisões em equipa… Dependendo dos contextos e das equipas tudo é possível, mas será que a atitude do enfermeiro é a mesma nos diferentes contextos, em simultâneo com a consulta médica ou num espaço independente? Qual será a atitude do enfermeiro se o médico aconselhar o utente a fazer algo que não está correto?? Terá ele coragem ou poder para dizer na frente, que não está correto?

Há cerca de 15 anos atrás estive perante uma situação destas. Estava a fazer a consulta de saúde infantil (no gabinete de enfermagem antes da consulta médica) e aconselhei uma mãe a manter o leite adaptado até o bebé fazer 12 meses. Seguidamente a mãe foi à consulta médica e quando saiu veio ter comigo porque a médica lhe disse que ela podia começar a dar leite de vaca diluído ao bebé…Reforcei junto da mãe as razões cientificas para que continuasse a fazer leite adaptado e no fim fui ter com a médica e expliquei-lhe cientificamente a minha decisão. Na altura a médica ficou visivelmente aborrecida e argumentou que sempre tinha feito assim e que as mães não tinham possibilidades económicas para manter leite adaptado…

Mais tarde veio novamente ter comigo e (na frente de outra utente com um bebé) evocou alguma literatura ultrapassada referente a esta questão…Estaria ela à espera que, por ser na frente da utente, me intimidasse??? Reforcei os meus argumentos citei os autores que defendiam esse principio e as razões por que o faziam e sublinhei que a investigação cientifica era precisamente para as práticas serem melhoradas pelo que deviamos seguir as mais recentes e os estudos com validade cientifica. Naquele momento ganhei o respeito daquela utente (e de todas com quem ela partilhou esta informação) e também o da médica porque embora tenha ficado contrariada (e provavelmente um pouco frustrada) mudou a sua prática e atitude para comigo enquanto enfermeira.

Se pensarmos na postura da mãe que depois da consulta médica veio questionar as informações contraditórias, verificamos que provavelmente ela o fez porque já tinhamos estabelecido uma relação terapeutica, onde a confiança e o conhecimento cientifico está presente e ela reconhecia em mim competências cientificas.

Refletindo sobre tudo isto saliento a importância da relação terapeutica e do conhecimento cientifico de enfermagem como fundamentais para o desempenho de enfermagem, para a autonomização e para o reconhecimento social que queremos e merecemos.

Claro que praticar uma enfermagem baseada na explicitação das nossas opções requer tempo junto do utente e por isso não podemos cingirmo-nos a 20 minutos prédefinidos para fazer uma consulta.

Por vezes, com alguns utentes, nalgumas situações, precisamos de mais tempo e isso não é desejável numa política de cumprimento de indicadores que se baseiam em número de atendimentos. Estas opções requerem bom senso, segurança e muito conhecimento do enfermeiro.

Os enfermeiros têm que estar cientes da sua importância no seio da equipa, valorizarem a sua prestação e mostrarem o seu valor perante os utentes e perante o poder politico através da visibilidade que cada um de nós dá ao seu trabalho. Para isto precisamos manter atualizados os conhecimentos cientificos, traduzirmos as nossas práticas em registos que traduzam os ganhos em saúde obtidos com a nossa intervenção, investirmos na relação terapeutica com os utentes e demonstrarmos o nosso saber perante a restante equipa com base numa relação equalitária. Cabe a cada um de nós fazer a diferença!