É preciso romper com uma visão do “chefe” que está atrás de uma secretária, e que todos os meses nos dá a tão preciosa escala…
No seguimento do texto por mim escrito sobre os enfermeiros directores, faz sentido também, abordar o papel dos enfermeiros chefes.
Desde logo, a terminologia usada: a palavra “chefe” está carregada de um sentimento de superioridade de A em relação a B. Creio que “líder” ou “coordenador” expressam muito melhor aquilo que se pretende de alguém que ocupa essa função. Se quisermos ser irónicos, podemos também achar que a terminologia “chefe” já não se adequa aos dias de hoje, por haver outro tipo de chef´s.
Uma das grandes funções do enfermeiro coordenador é motivar a equipa. Ora, quais as estratégias que, frequentemente, são usadas para esse fim? Ou será que essa preocupação nem sempre se verifica?
Quantas equipas estão profundamente afectadas na sua dinâmica, em virtude daquilo a que chamamos os conflitos interpessoais. Quantos “chefes” têm a ousadia de actuar face a essas situações?
Será que por vezes, ao invés de tentar encontrar uma solução para o conflito, assistimos a um tomar partido pela pessoa X, o que agudiza ainda mais o mal-estar no seio da equipa?
Uma coisa tão simples como uma reunião de equipa (mensal, trimestral, semestral…) é algo que em muitos serviços, pura e simplesmente, não existe. De que temos medo?
Uma das funções que mais me intriga nos enfermeiros coordenadores é a da gestão de materiais (stock de fármacos e dispositivos). Para mim, é fundamental que os enfermeiros tenham uma palavra a dizer sobre o material que é usado numa determinada instituição (É de qualidade? Cumpre o seu objectivo?). Outra coisa bem diferente, é a contabilidade de merceeiro e a reposição desses materiais nas “prateleiras”. Todos os dias, de norte a sul do país, há muitos enfermeiros que gastam tempo neste tipo de funções. Desculpem, mas isto é uma aberração! Quem perde com isto? Os utentes e a profissão.
Vale a pena, também, não esquecer a figura do “segundo elemento”. Admito que num serviço de grande dimensão, um enfermeiro coordenador possa ser insuficiente para “comandar” todo o grupo, mas discordo em absoluto que um serviço de 20 ou 30 enfermeiros necessite de uma governação bicéfala como a do actual Governo. Aliás, a tão propalada Reforma do Estado faz-me pensar que há ainda muitas gorduras para cortar. Se em todas as profissões ligadas aos serviços públicos houver casos como os do (nosso) segundo elemento, percebemos que todos os dias se desperdiçam uns largos milhares de euros (atenção que não estou a dizer que estas gorduras chegam e sobram para pagar os 4 mil milhões…).
Como encontrar bons enfermeiros “chefes”?
Quem leu a minha reflexão sobre enfermeiros directores, vai desculpar-me a falta de originalidade, mas parece-me que a eleição seria uma metodologia muito razoável.
Actualmente a maioria dos enfermeiros coordenadores são-no em virtude de um concurso (chefes de carreira) ou de nomeação. No primeiro caso, a pessoa ocupa um lugar por mérito próprio. No segundo caso, não.
Em ambos os casos, podemos interrogar-nos se estamos perante um verdadeiro líder. Quem faz essa avaliação? E que consequências se retiram dessa avaliação (um enfermeiro que durante 5 anos, ou mais, exerceu funções de “chefe”, deve ou não, poder regressar à prestação de cuidados)?
Notem que não estou a sugerir uma eleição “às cegas”. O populismo e a demagogia têm de ser combatidos: há que definir alguns critérios de elegibilidade: x anos de exercício profissional, x tempo de exercício naquele serviço, formação pós graduada em liderança de equipas (ou algo semelhante), etc.
Voltando à analogia futebolística, se eu equiparo o enfermeiro director ao Presidente de um clube (ou então ao Director Desportivo), parece-me que um enfermeiro “chefe” corresponde ao treinador de equipa. Significa, portanto, que mais uma vez, a questão remuneratória (coordenador ganha mais do que quem está na prestação directa de cuidados) é uma falsa questão. Ou será que os enfermeiros acham que a prestação de cuidados é menos digna que a “gestão”?!
Defendo uma carreira que coloque a prestação de cuidados, a gestão e a docência, lado a lado, e claro, em que o processo avaliativo seja exigente, rigoroso, justo e transparente.
É preciso romper com uma visão do “chefe” que está atrás de uma secretária, e que todos os meses nos dá a tão preciosa escala… Uma escala de um serviço deve traduzir um pensamento sobre o grupo de trabalho: esta pessoa trabalha melhor na companhia daquela, esta equipa tem estes 4 ou 5 elementos porque se complementam, os enfermeiros especialistas estão distribuídos de uma forma racional…
Quando há dias, alguns colegas nossos diziam que nos seus serviços havia um limite de DUAS trocas por mês, perguntei a mim próprio: será isto possível? Pior: houve colegas a dizer que as trocas tinham de passar pelo Conselho de Administração… Em que século vivemos?! Felizmente, trabalho num serviço onde não há limite de trocas (o que também é discutível).
E porque será que a escala não sai com um mês de antecedência? Os enfermeiros não têm direito a programar a sua vida devidamente? Parem de nos enganar senhores “chefes”! Aliás, felizmente, conheço enfermeiros coordenadores (alguns são chefes de carreira) que lançam a escala com dois meses de antecedência. Vejam só, que ainda em Outubro, já havia colegas a saber o que vão estar a fazer no próximo Natal e no Ano Novo. Outros serviços há, em que a escala do mês seguinte só sai no dia 23… e se tivermos em conta que a escala vai do dia 1 a 31, significa que só no dia 23 de Dezembro deste ano é que alguns enfermeiros deste país poderão programar a sua Passagem de Ano. Vergonhoso.
Nota ainda para o facto de muitos enfermeiros coordenadores considerarem normal que não se verifique justiça/equilíbrio na distribuição de turnos, nas épocas do Carnaval, Páscoa, Verão, Natal e Ano Novo. Porque continuam colegas nossos isentos de trabalhar nestas épocas? É válida a desculpa dos “filhos” ou das “férias” já agendadas, com viagem e hotel “reservado”?!
Incontornável também, é a relação dos enfermeiros com os outros profissionais de saúde, na óptica do enfermeiro “chefe”. Vejamos dois casos.
Comecemos pelos auxiliares de acção médica (a que hoje se chama assistentes operacionais): porque é que têm de ser os enfermeiros a gerir o trabalho dos auxiliares de acção médica? Uma coisa é participar/colaborar com outros profissionais de saúde. Outra bem diferente, é querer fazer deles aquilo que outros querem fazer de nós! Senhores assistentes operacionais: acordem e assumam as rédeas da vossa profissão.
Quanto às equipas médicas, é frequente assistirmos a um desprezo das regras estabelecidas num determinado serviço (por vezes até há faltas de respeito no trato pessoal) e o enfermeiro coordenador fica impávido e sereno.
Isso é inaceitável!
A recente polémica sobre a Triagem feita por enfermeiros pôs a nu os elevados tempos de espera (nem sempre justificáveis) nos serviços de urgência. Querem ou não, os enfermeiros demarcar-se de um conjunto de práticas inimigas da sustentabilidade/eficiência do SNS?
É ou não verdade, que o (cego) sistema de registo biométrico, que hoje atormenta muitos profissionais de saúde, surge na sequência de um desrespeito que ao longo de anos, alguns praticaram?
Admito que a relação de forças entre o enfermeiro “chefe” e o director de serviço é desigual. Mas isso não justifica o silêncio da nossa parte. Por outro lado, relembro que nas instituições de saúde, existe a figura do enfermeiro director, e aí não há dúvida possível: ela tem de estar ao nível, não do director de serviço, mas do director clínico. Haja coragem para tal. E se isso não acontecer, podemos ainda contar com o apoio dos Sindicatos e OE.
Reparem que não pretendo que haja uma defesa a todo o custo dos enfermeiros. Com certeza, haverá momentos em que temos de fazer um exame de consciência e perceber que da nossa parte há muitas melhorias a fazer.
O grande desafio que temos pela frente é o trabalho de equipa. Será que temos, hoje, em cada serviço (ou se quisermos, numa visão mais abrangente), em cada instituição de saúde ou em todo o SNS, verdadeiras equipas multidisciplinares?
Ou tudo não passa de mera retórica académica?