A incerteza do diagnóstico, o medo do futuro e os tratamentos com os seus efeitos colaterais, contribuem para a diminuição da qualidade de vida do doente
Ana Paula Figueiredo
Enfermeira especialista de saúde mental e psiquiatria; IPO – Porto
Palmira Maria Araújo
Enfermeira especialista de saúde infantil e pediátrica
Responsável do serviço de obstetrícia do Hospital São João de Deus – Vila Nova de Famalicão
Pedro Emanuel Figueiredo
Enfermeiro graduado; IPO -Porto
Revista de Enfermagem Oncológica | Julho 2006 | N.º 36
RESUMO
O exercício da enfermagem em oncologia impõe que as equipas de enfermagem dominem múltiplas áreas do conhecimento, assim como técnicas, muitas vezes invasivas. A incerteza do diagnóstico, o medo do futuro e os tratamentos com os seus efeitos colaterais, contribuem para a diminuição da qualidade de vida do doente. Todos estes factos são o motivo dos inúmeros estudos na área da qualidade de vida, realizados nos mais variados países e continentes. A elaboração do presente artigo surgiu na sequência de uma reflexão e pesquisa acerca da doença oncológica e da qualidade de vida. Assim, efectuamos uma síntese de alguns conteúdos que, de alguma forma influenciam a qualidade de vida a nível da saúde e, especificamente, no doente oncológico, nas suas variadas fases da doença e tratamento.
INTRODUÇÃO
Desde o tempo de Hipócrates, que a população tem reagido com medo, angustia e desespero ao diagnóstico de cancro. As descrições acerca desta doença e formas de a tratar, são muito antigas, desde que existem documentos escritos. A palavra cancro apresenta uma pesada conotação, simbolizando frequentemente dor, sofrimento e morte. Ao longo do tempo, esta patologia tem feito muitas vítimas, tornando-se assim uma das doenças mais temidas da Humanidade.
O progresso da investigação, associado ao desenvolvimento das técnicas terapêuticas, permitiu aumentar a sobrevida dos doentes com esta patologia, proporcionando assim uma maior atenção para os aspectos relacionados com a qualidade de vida.
1. QUALIDADE DE VIDA: UM PERCURSO RECENTE
Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2001, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Portugal registou um significativo aumento a nível da melhoria das condições e qualidade de vida da população, passando a ocupar a 28ª posição, num total de 162 países (Ganopa, 2001).
Tem-se verificado que o envelhecimento populacional e o consequente aumento das doenças crónicas nas ultimas décadas contribuíram para a substituição dos clássicos indicadores de mortalidade e expectativa de vida, por um maior interesse relativo á qualidade de vida (Capitán, 1996; Amorim & Coelho, 1999; Pimentel, 2004)).
Também o aumento da expectativa de vida, consequência do progresso científico e tecnológico (Duarte, 2002; Fagulha, Duarte & Miranda, 2000), conduziram á necessidade de prestar mais atenção á qualidade de vida dos indivíduos (Fagulha, Duarte & Miranda, 2000). Este progresso científico tem contribuído para o desenvolvimento do sentido de responsabilidade social e da opinião pública acerca dos novos poderes que tais progressos representam sobre a vida humana e qualidade de vida (Restrepo, 1998).
Apresentando uma esperança média de vida á nascença de 75,5 anos, Portugal apresenta áreas menos favoráveis, das quais se destaca a área da saúde. A nível da União Europeia, este mostra ser um dos países com menores taxas de desenvolvimento e com taxas de incidência de doenças perigosas mais elevadas (Ganopa, 2001).
Os conceitos de bem-estar físico, mental e social, frequentemente associados á qualidade de vida não são novos. A Organização Mundial de Saúde, na sua Carta Magna de 1946, defendia a saúde como um estado de completo bem estar físico, mental e social, e não apenas como ausência de doença (OMS, 1958; Duarte, 2002; Amorim & Coelho, 1999, Neves, 2000). Esta definição de saúde desencadeou novas orientações a nível das políticas de saúde (Fagulha, Duarte & Miranda, 2000; Neves, 2003) uma vez que associou a saúde pela primeira vez ao estado funcional do indivíduo e às actividades de vida diárias. Outro marco também importante foi o estabelecido pelo American College of Physicians em 1988, ao afirmar que a função fundamental dos médicos não era apenas a de tratar problemas biológicos, mas também a de olhar para o bem estar funcional (Neves, 2000).
Também o modelo biomédico que se refere á doença em função da alteração dos parâmetros biológicos (os cuidados prestados aos doentes centram-se nos cuidados médicos, na disfunção fisiológica, na identificação e correcção dos problemas de saúde), menospreza os aspectos psicossociais (Duarte, 2002; Neves, 2000) e foca a sua atenção na prevenção de cada uma das doenças assim como na remediação de cada situação. Este facto foi fortemente criticado, dando origem á conhecida “Segunda Revolução da Saúde” (Ribeiro, 1997).
Passou a existir uma crescente preocupação com a saúde positiva, com a satisfação a nível do funcionamento físico e/ou psicológico, assim como uma valorização dos aspectos relacionados com a adaptabilidade e ajustamentos sociais (Fagulha, Duarte & Miranda, 2000). Neste contexto, Dickson, Hargie e Morrow (1989), referem que os cuidados de saúde devem ser cada vez mais orientados para a pessoa e a saúde reconceptualizada no sentido de incluir os aspectos intelectuais, emocionais, sociais e espirituais, frequentemente esquecidos.
Efectuar a avaliação da Qualidade de Vida na saúde constitui uma tarefa complexa, uma vez que esta engloba múltiplas visões: para um doente a maior dificuldade poderá ser aceder sempre que necessário a um médico, para os profissionais de saúde a prioridade poderá estar relacionada com a qualidade técnico-científica, enquanto que, para um director de um hospital a qualidade poderá depender de uma gestão eficiente onde interessa diminuir o tempo de espera ou motivar e responsabilizar os profissionais.
Neste contexto, Ganopa (2001) diz que a qualidade de vida a nível da saúde depende da satisfação de todos os elos da cadeia, tornando-se assim difícil de gerir.
A Qualidade de Vida não se limita apenas aos aspectos económicos e políticos, mas também a um amplo conjunto de factores que englobam a cultura e educação (Machado, 1992; Amorim & Coelho, 1999), os transportes, meio ambiente, vestuário, habitação, ciência (Cabral, 1992), as crenças, mitos, valores e saúde (Pinto, 1992). É portanto um conceito que abrange aspectos físicos, psicológicos e sociais, proporcionando assim, nos últimos anos uma tendência para a avaliação global desta no indivíduo (Neves, 2003, Bowling, 1995; Lopez, Mejia & Espinar, 1996b).
Corroborando com esta opinião encontram-se Amorim e Coelho (1999), ao afirmarem que o bem-estar é uma percepção pessoal, sendo o seu significado e definição variável de pessoa para pessoa, de acordo com o que cada um considera normal, inserido no grupo sócio-cultural em que se integra, assim como das suas próprias experiências.
No entanto, existem autores que se referem á qualidade de vida em termos dos seus componentes, enquanto que outros se referem de uma forma global. Osoba (1991) relaciona-a com o sentido de satisfação que um indivíduo tem pela vida, Shumaker et al (1990), citados por Amorim e Coelho (1999), refere-se a esta como uma satisfação global com a vida e sensação pessoal de bem-estar e Shiper et al (1990), citados por Amorim e Coelho (1999), vêm a qualidade de vida como o efeito de uma doença ou do tratamento num doente e percepcionada pelo mesmo em quatro domínios: funcionamento físico e ocupacional; estado psicológico; interacção social e sensação somática.
Tem-se verificado que os principais objectivos dos serviços de saúde se centram na prevenção das doenças, nos seus tratamentos, alivio de sintomatologia assim como prolongamento da vida (Farguar, 1995), não sendo, no entanto, fácil estabelecer critérios de qualidade de vida a este nível. Nem todas as doenças são curáveis, e quando são podem deixar sequelas ou alterações irreversíveis a nível da imagem corporal. A importância da doença, associada ao estilo de vida e ao envelhecimento da população tem tornado evidente que os cuidados de saúde podem não salvar vidas, mas prolongar o tempo de vida e/ou aumentar a qualidade da mesma (Neves, 2000).
Também a selecção dos tratamentos, com alguns efeitos colaterais indesejáveis, sofrem a influência dos conceitos que doentes e técnicos de saúde têm acerca da qualidade de vida, não sendo estes de menosprezar (Bowling, 1994). Verifica-se então a necessidade de avaliar e estudar a qualidade de vida dos indivíduos. Os questionários de qualidade de vida têm sido, cada vez mais introduzidos nos estudos clínicos com o objectivo de medir os problemas que de alguma forma interferem no bem estar e no estilo de vida dos doentes. Estes têm, progressivamente, ocupado um espaço importante como medidas efectivas na avaliação de grupos de doentes, na eficácia terapêutica e caracterização geral das populações estudadas (Neves, 2000).
Existe um aspecto crítico apontado por vários autores a nível da qualidade de vida que consiste na dificuldade de se efectuar uma avaliação quantitativa, quando o conceito que se utiliza apresenta um carácter subjectivo. Segundo Osoba (1991), as teorias psicométricas permitem a obtenção de informação subjectiva, no entanto os instrumentos de medida utilizados devem ser rigorosos e testados quanto á sua fiabilidade, sensibilidade, especificidade e validade.
2. QUALIDADE DE VIDA NO DOENTE ONCOLÓGICO
A doença oncológica reveste-se de um carácter altamente estigmatizante na sociedade, sentida particularmente pelo doente e família, com níveis de mortalidade significativos variando conforme a patologia em causa e o estádio em que se encontra. Este facto, associado muitas vezes á incerteza do diagnóstico, prognóstico e ao sofrimento físico e psicológico, levantam importantes questões a nível da qualidade de vida dos indivíduos.
O principal objectivo dos cidadãos consiste na maximização da qualidade de vida, independentemente dos efeitos da doença. Tanto os cuidados de apoio como a própria sobrevivência, envolvem questões específicas que devem ser correctamente abordadas para a maximização da qualidade de vida (McCray, 2000).
O interesse em encontrar indicadores que abranjam o Homem na sua totalidade (Física, psicológica, cultural e social), assim como a compreensão da grande variedade de factores que integram a saúde e qualidade de vida é uma constância na literatura. Verifica-se um consenso acerca da não existência de uma medida padrão para a qualidade de vida. Este é um conceito dinâmico que apresenta várias dimensões que envolvem factores objectivos (funcionalidade, competência cognitiva e interacção do indivíduo com o meio) e subjectivos (sentimento de satisfação e percepção da saúde), alterando-se com o tempo, acontecimentos e experiências vividas, notando-se também que difere com a idade, escolaridade e tradição cultural de cada indivíduo (Santos, 2003; Capitán, 1996; Lopez et al, 1996; Farguhar, 1995; McCray, 2000; Santos & Ribeiro, 2001).
Várias são as dimensões que importa considerar na avaliação da qualidade de vida (McCray, 2000; Restrepo, 1998):
- Dimensão física e biológica – Destacam-se todos os aspectos que se relacionam com a doença e suas implicações, nomeadamente sintomas, tratamentos e desconfortos, onde se incluem a dor, fadiga, náuseas, vómitos e outros.
- Dimensão psicológica – o impacto da doença a nível emocional que se traduz por vezes em ansiedade e depressão.
- Dimensão social – Incluem-se as relações a nível familiar, laboral, social alargado e suas inter-relações com a sua cultura, costumes e tradições.
- Dimensão espiritual – Inclui o bem-estar espiritual e significado da doença, esperança, transcendência, incerteza, religiosidade e força interior. Santos (1999; 2003) acrescenta a estas, outras dimensões que as define como:
- Estado funcional – Refere-se á capacidade em executar actividades normalmente efectuadas pela maioria das pessoas, como o auto-cuidado, mobilização e desempenho do seu papel social.
- Avaliação global – Inclui uma avaliação global, que se deve limitar á áreas relacionadas com a saúde.
Os doentes portadores de cancro, passam por determinadas fases, quase sempre difíceis, ao longo do seu percurso de doença que, de alguma forma influenciam a sua qualidade de vida.
2.1 – Fase de diagnóstico
Na fase que antecede o diagnóstico, os doentes muitas vezes já experienciaram alterações físicas, tais como: alterações do tracto intestinal (obstipação, tenesmo, retorragias ou diarreia) e/ou dor (Ganzl, 1996).
A dor, constitui um dos sintomas mais importantes na avaliação da qualidade de vida de qualquer doente oncológico (Van-Knippenberg et al, 1992). Apresenta-se como um dos sintomas mais frequentes, encontrando-se em todas as fases da doença, inclusivamente na fase de diagnóstico. A sua frequência depende do tipo de tumor e do estadio da doença. Este sintoma encontra-se em 50% dos doentes oncológicos, no entanto a sua frequência aumenta quando nos referimos á fase final da vida, atingindo valores de 75 a 85% (Murillo, 1996).
Considerado o sintoma mais temido, a dor é vista como uma ameaça ao modo de vida e á própria existência (Carvalho & Cardoso, 2000). É uma causa profunda de perturbação da qualidade de vida, uma vez que frequentemente não atinge apenas um órgão, podendo irradiar para outras partes do corpo ou mesmo para todo o corpo, provocando perturbações das actividades, diminuição da concentração, alterações psíquicas, stress a nível da célula familiar e empobrecimento das relações sociais (Couvreur, 2001).
A interpretação da dor faz-se de diferentes formas, sofrendo a influência da personalidade, cultura e meio social. A dor do doente oncológico tem também repercussões graves a nível social, uma vez que contribuem para o absentismo e consequentemente para o agravamento dos problemas financeiros, sentimento de dependência e inutilidade. Estes problemas podem terminar numa diminuição da auto-estima ou mesmo em depressão, exercendo também influência a nível da qualidade de vida.
2.2 – Fase de tratamento / Estratégias de adaptação
A fase de tratamento é também uma fase muito problemática, onde o doente é frequentemente confrontado com tratamentos mais ou menos invasivos, que podem afectar a imagem corporal, sexualidade e consequentemente o bem estar físico e psicológico.
Segundo Couvreur (2001), é importante saber se um tumor se encontra localmente localizado ou se já se verifica a existência de metastização, uma vez que estas diferentes situações exigem diferentes tratamentos e consequentemente diferentes repercussões a nível da qualidade de vida.
As consequências de uma cirurgia, da quimioterapia ou radioterapia produzem invariavelmente alguma ansiedade que, pode provocar alguma distorção do self (Altschuler, 1997; citado por Santos & Ribeiro, 2001).
A nível cirúrgico, no caso do cancro colo-rectal a ressecção do cólon com margens livres de doença permanece como objectivo, no entanto o tamanho do tumor, localização e metastização adicionais determinam o tipo e extensão da cirurgia, sendo muitas vezes necessário efectuar uma colostomia (Murphy, 2000; Ganzl, 1996).
A criação de um estoma parece exercer um efeito profundo no indivíduo e na sua saúde percebida. O seu êxito no âmbito da qualidade de vida depende fundamentalmente da forma como ele se adapta em termos psicológicos ao estoma. Embora normalmente tranquilizados de que serão capazes de reencontrar uma vida normal, alguns doentes nunca chegam a aceitar esta nova condição, sentindo-se estigmatizados e marginalizados pela sociedade (Santos, 1999).
É no primeiro ano após a cirurgia que o doente manifesta maiores dificuldades, sendo estas provocadas por a sua nova condição (Wade, 1989). Estes doentes demonstram algumas situações de ansiedade, depressão e pessimismo provocadas pela perda de parte do seu corpo (Altschuler, 1997; citado por Santos & Ribeiro, 2001). Em muitas situações, a sua angustia é dirigida para o órgão perdido, verificandose por vezes que a cicatriz cirúrgica passa a funcionar como um sinal permanente da sua presença, tornando-se mesmo a própria identidade da doença. Nas situações onde foi necessário a presença de um estoma, verifica-se também a alteração da função, provocando medo e vergonha da perda involuntária de conteúdo intestinal, o que promove o isolamento social. Instala-se então uma crise emocional que se caracteriza por tristeza, angústia e raiva (Santos, 1999).
Também a actividade social parece ser inferior, no plano do desporto, trabalho, viagens e outras actividades de lazer (Osoba, 1991). Antes de reiniciarem o trabalho, estes doentes necessitam de um período de recuperação, geralmente de um ano, no entanto, um pequeno numero de doentes deixa definitivamente de trabalhar (Whates & Irving, 1984 ; Wyhe et al, 1988; citados por Santos, 1999). Verifica-se também que, á medida que a doença e o seu tratamento vão sendo mais exigentes, o impacto financeiro tende a aumentar (Santos, 2003).
As relações interpessoais parecem deteriorar-se devido á não aceitação por parte do parceiro, assim como vão surgindo alguns problemas sexuais. São referidos a este nível problemas funcionais como a impotência, problemas com a ejaculação e dispareunia, bem como alguns problemas emocionais tais como diminuição do prazer, interesse e motivação sexual. (Gutman & Reiss, 1995; LaMonica et al, 1985; Macdonald & Anderson, 1984; Van de Wiel et al, 1991; citado por Santos, 1999).
Os tratamentos de quimioterapia e radioterapia produzem também alguns efeitos na qualidade de vida do indivíduo. A quimioterapia é frequentemente usada no tratamento da doença oncológica, podendo ser utilizado de forma neo-adjuvante, adjuvante ou paliativa.
No percurso dos tratamentos, o doente oncológico experiencia sinais e sintomas que vão influenciar a sua concepção de imagem corporal: dor, perda de peso, anorexia, fadiga, náuseas, vómitos e mau estar geral. Estes, são promotores das alterações na aparência física, nas funções corporais, no controlo das actividades de vida diária (Esteves, 1994) e consequentemente na qualidade de vida (Hann, Jacobsen, Martin, Azzarelo & Greenberg, 1998; Svedlund, Sullivan, Sjoedin & Liedman, 1996). Embora a fadiga, as perturbações do sono, as náuseas, os vómitos e a perda de apetite tendam a aumentar com a evolução da doença, a dor parece diminuir, devido ao efeito de medicação (Blasco & Bays, 1992; Santos, 2003).
Neste sentido, Santos (2003) refere que os tratamentos tradicionais utilizados na doença oncológica (cirurgia, quimioterapia e radioterapia), contribuem para uma representação mais crónica da doença. Refere ainda que, sendo estes tratamentos agressivos a nível físico, devido aos seus efeitos colaterais, tendem a induzir referências negativas. O tratamento de Radioterapia, apesar de não se apresentar tão doloroso a nível físico, provoca algumas marcas a nível psicológico.
Segundo Clark e Fallowfield, citado por Couvreur (2001), os tratamentos agressivos não devem ser considerados como benéficos para o doente se os meses de sobrevivência forem acompanhados de sintomas muito fortes, tais como alopécia, náuseas e vómitos. Consideram que as terapias agressivas são válidas, apesar da sua toxicidade, nas situações onde os tratamentos serão de carácter curativo. Estes autores constataram nos seus estudos, que quando os doentes recebem todas as informações sobre os possíveis efeitos colaterais dos tratamentos e as estimativas de possibilidade de sobrevivência, recusam frequentemente esses tratamentos.
Blasco e Bayes (1992), referem-se a esta situação de forma diferente, segundo estes autores a quimioterapia de carácter paliativo tem consequências favoráveis para a qualidade de vida (diminuição da dor), quando comparada com a quimioterapia adjuvante.
Referindo-se ao tratamento de Radioterapia, Salter (1997) refere que este tratamento provoca efeitos no “eu” físico, desenvolve medos e ansiedade que, por sua vez influenciam a imagem corporal. Refere também que os doentes que efectuam este tratamento demonstram medo de sofrer queimaduras, de se tornarem radioactivos ou de poderem futuramente desenvolver outro tumor.
O tratamento de radioterapia associado ao tratamento de quimioterapia tende a aumentar a sobrevida do doente, no entanto, devido ao aumento da toxicidade provocada por estes dois tratamentos, a qualidade de vida vai diminuindo (Ahles, Silberfarb, Rundle & Holland, 1994). No entanto, segundo os resultados da pesquisa efectuada por Santos (2003), apesar da magnitude de consequências associadas a esta doença e aos seus tratamentos, a qualidade de vida é percepcionada pelos doentes oncológicos de forma positiva, sendo o funcionamento cognitivo e emocional o que demonstrou menor performance, antevendo-se assim implicações emocionais negativas na capacidade de concentração, destreza mental e memória. Verifica-se também que, apesar da evolução negativa a nível do funcionamento físico, com consequente aumento da sintomatologia associada à patologia, estes doentes tendem a percepcionar melhor a sua qualidade de vida.
Tolero, Ferrero e Barreto (1996), também chegaram a uma conclusão idêntica, no seu trabalho com doentes oncológicos, numa fase pós tratamento cirúrgico, tendo verificado que apesar da existência de deterioração a nível da imagem corporal e da sexualidade, estes doentes referiam apresentar uma boa qualidade de vida. No entanto, nem todos os trabalhos apontam para esta conclusão.
A doença oncológica é considerada como um agente de stress, o que implica a adopção de determinadas estratégias, que tem como objectivo melhorar a qualidade vida do doente. O doente apresenta-se como um agente activo na avaliação cognitivo/emocional individual da situação de stress e dos recursos pessoais para gerir a situação ameaçadora (avaliação primária, secundária e reavaliação) e adopta estratégias específicas, mutáveis, dinâmicas e com funções determinadas (coping) (Lazarus, 1991; Lazarus, 2000; Lazarus & Folkman, 1996, citado por Santos, Ribeiro & Lopes, 2003).
Outras estratégias são também utilizadas ao longo do percurso da doença, quer pelo doente quer pelos familiares, amigos ou técnicos de saúde. Estas poderão variar, uma vez que as diferentes etapas da doença assim o exigem (Couvreur, 2001).
Assim, ao longo do tratamento verifica-se a existência de grupos de entreajuda, representantes religiosos, voluntários, nutricionistas, fisioterapeutas e psicólogos ou psiquiatras. Depois do tratamento, a ajuda mais difundida reporta-se aos problemas psicológicos, existindo também algumas dificuldades a nível da integração social. Vários estudos efectuados em diferentes países realçam que mais de um quarto das pessoas com doença oncológica sofrem de um quarto das pessoas com doença oncológica sofrem de problemas psicossociais durante um período longo ou mesmo permanentemente, tornando muito importante a ajuda psicossocial.
Alguns anos após o tratamento, vários doentes continuam a sentir fadiga, sendo este um dos maiores problemas a longo prazo. Num estudo realizado na Grã-Bretanha constatou-se que, no exercício das actividades existe uma diminuição da capaciadede de 87% para pegar em objectos pesados, de 60% para proceder a limpezas, de 56% para cuidar dos filhos e de 56% para subir e descer escadas. Esta situação provoca algumas dificuldades nos empregadores, que nem sempre são sensíveis Às situações de doença, dificultando o emprego aos doentes que tiveram cancro (Couvreur, 2001).
O suporte social é de primordial importância para que se verifique uma adequada adaptação à doença oncológica, sendo necessário a disponibilização de recursos para esse fim, obtendo-se assim melhores resultados a nível da saúde e consequentemente na qualidade de vida (Bishop, 1944).
CONCLUSÃO
Apesar de muito debatido, o conceito de qualidade de vida continua difícil de definir, tornando-se por vezes utópico. No entanto, esta é uma característica que a população em geral pretende atingir, nomeadamente a população que se encontra doente.
Cabe-nos a nós, técnicos de saúde, em colaboração com a família e pessoas significativas prestar o máximo contributo no sentido de ajudar o doente oncológico a atingir o máximo de qualidade ao longo da sua vida, por vezes curta.
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