Quando todos os outros profissionais já esgotaram a sua capacidade de actuação, nós enfermeiros podemos sempre ir mais além, quanto mais não seja pegar na mão e dizer ‘estou aqui…’
Revista Portuguesa de Enfermagem nº14
Cristina Rosa Soares Lavareda Baixinho
Licenciada em Enfermagem
Especialista em Saúde Escolar
Mestre em Saúde Escolar
Assistente na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa
Palavras-chave: Regresso a casa; Autonomia; Cuidados de Enfermagem
Keywords: House return; Autonomy; Nursing cares
Resumo:
Pensar o regresso a casa é reflectir sobre as necessidades das pessoas que estão internadas nos serviços, neste caso especifico de ortotraumatologia, e nas limitações/incapacidades que apresentam no momento da alta clínica. Se nos questionarmos sobre esta realidade e se esta interrogação for amadurecendo, fruto da sua consciencialização e problematização surge outro foco de atenção que é o da organização dos cuidados e das suas implicações na preparação (ou não) do regresso a casa. Até porque a promoção de uma dinâmica centrada no regresso a casa pode representar umadiminuição de custos pessoais, familiares e económicos importantes em cada uma das esferas, bem como uma mais valia emganhos na saúde individual e na prevenção de complicações e reinternamentos.
Abstract:
To think the house return is to think about the necessities of the persons who are interned, in this specific case in a ortotraumatologia service, and in the limitations/incompetencies that they present in the moment of the clinic deschard. If we question ourselves on this reality and if this interrogation is ripening, in result of your awareness there appears another focus of attention that it is the organization of the cares and all his implications in the preparation (or not) the housereturn. Because the promotion of the dynamic centered in the house return can represent a reduction of important personal,familiar and economical costs in each one of the spheres, as well as a surplus value in profits in the individual health and in the prevention of complications and reinternments.
Os problemas músculo-esqueléticos são mais comuns no idoso, as limitações decorrentes do processo de envelhecimento, a osteoporose, a diminuição da mobilidade, o subsequente aumento de risco de queda e o aumento do número de fracturas, nomeadamente do colo do fémur, conduzem a períodos de internamento prolongados e dolorosos. De acordo com Tinetti e Speechhey citados por Santos et al (1992:10) “a incidência de quedas nos indivíduos com 70 anos é cerca de 25%; aumentando para 35% após os 75 anos de idade”.
A doença e o internamento são sempre vivenciados como uma agressão, o que aliado à agressividade do tratamento são causa de grandes incapacidades e elevados níveis de dependência da pessoa durante o internamento e após a alta hospitalar, com repercussões na família, que se vê confrontada com novas exigências para as quais não está preparada. (Augusto et al, 2002).
Os serviços de internamento de ortotraumatologia apresentam elevadas taxas de ocupação (na ordem dos cionam a opção pelo tratamento conservador ao invés do cirúrgico, com consequências devastadoras para a saúde individual, pela necessidade de repouso na cama, ou seja, com imobilidade prolongada para permitir a consolidação da fractura e com um risco elevado de surgirem complicações a vários níveis, como um aumento progressivo da dependência ao longo do internamento pela limitação da actividade física, pela dor e por todos os processos psicológicos associados como a tristeza, o desânimo, a falta de motivação, alterações da auto-imagem, com claras interferências na resiliência da pessoa.
Essa dependência mantém-se ou agrava-se no domicílio condicionando a qualidade de vida e a mortalidade. A esperança média de vida da pessoa idosa após uma fractura do colo do fémur é de 2 anos, claramente inferior ao restante grupo etário.
Por outro lado, a elevada taxa de ocupação com uma demora média de 16,5 dias de internamento e uma grande necessidade de camas, diminui a possibilidade de aumentar o tempo de internamento até à recuperação total dos utentes, nomeadamente dos idosos. Tal facto implica, na opinião de Augusto et al (2002:22) “uma preparação antecipada da alta, de forma a procurar garantir que o utente seja cuidado em contexto familiar, de modo a não por em causa as conquistas adquiridas até ai, prevenindo-se assim internamentos recorrentes tão dispendiosos para o utente, família e comunidade”.
Ao longo da minha actividade profissional tenho constatado que a família e os utentes sentem que não estão preparados para regressar a casa, referem que a alta é precoce e que não conseguem ser independentes no seu domicilio e que os familiares não estão aptos para cuidarem deles. Augusto et al (2002) referem que 67,86% das famílias tem dificuldade em aceitar a ida do familiar para casa, principalmente porque lhes causa transtorno na sua vida familiar, de salientar que o estudo que estes autores efectuaram tinha como população os familiares de pessoas internadas numa Unidade de internamento de traumatologia.
Segundo os mesmos autores as dificuldades sentidas pelos familiares relacionam-se com a falta de conhecimentos para ajudar o doente na mobilização (72,22%), quer ao nível dos posicionamentos, quer da transferência para a cadeira, nos cuidados de higiene (13,90%) e eliminação (13,88%). Referem ainda que 51,25% dos indicadores apontam para a necessidade de apoio social, por falta de recursos materiais aliado às dificuldades económicas.
Este último indicador é de extrema importância dado que as famílias com poucos recursos económicos encontram-se sujeitos a maiores riscos de aparecimento de problemas graves à medida que vai passando o tempo de tratamento da pessoa/idoso doente (Madeira, 2000). Estes factores impõem o desenvolvimento de actividades preventivas incentivando a auto mobilização, conduzindo à sua independência máxima (Augusto e tal, 2002).
Nesta mesma lógica o planeamento da alta deve ser uma realidade durante todo o internamento, através do ensino à pessoa/família que inclua referências ao seu futuro no domicílio, desfazendo as dúvidas e os medos que, a maioria das vezes, induzem a necessidade de permanecer ligado ao hospital, com relutância em aceitar a alta clínica.
Para Atkinson e Murray (1989:209) “o enfermeiro deverá fornecer à família todas as informações, interpretações de assistência de enfermagem e médica, considerando que a família enquanto grupo, deve ser informada sobre o diagnóstico, o prognóstico e as mudanças ocorridas no curso da doença, bem como, sobre os cuidados essenciais a receber no domicilio”.
Por tudo o que foi descrito, o planeamento da alta e consequente envolvimento da família no processo de cuidados, por forma a capacitá-la para auxiliar e/ou prestar cuidados ao seu familiar em casa, apresenta-se como uma estratégia a desenvolver (Augusto e tal, 2002), não só para diminuir a média de internamento, rentabilizar as camas hospitalares e diminuir os custos com a saúde, mas sobretudo pela possibilidade de garantir o máximo de autonomia possível no momento da alta e a continuidade de cuidados no domicilio.
É certo que organizar os cuidados em função da autonomia da pessoa não é fácil, mas não passa a ser impossível, até porque a solução está em medidas simples como a presença do familiar, o ensino da pessoa/família… e tantas outras medidas que todos os profissionais tão bem conhecem e que veiculam no seu discurso diário.
As práticas não devem ser questionadas por pensadores, mas sim pelos próprios actores comprometidos na acção, reconhecidos na sua dignidade de participar lá onde está a sua experiência (Honoré, 2002). E a nossa experiência diz-nos e demonstra-nos, dia após dia, a necessidade de se implementar estratégias que permitam uma preparação do regresso a casa eficaz e eficiente, rentabilizando os esforços de toda a equipa.
Não podemos esquecer que a prestação de cuidados de qualidade é um direito fundamental da pessoa hospitalizada e simultaneamente a preparação do regresso a casa assume-se como um garante da eficácia do atendimento da pessoa (Augusto e tal, 2002).
O regresso a casa, com qualidade, passa igualmente pela continuidade de cuidados entre Hospital e Centro de Saúde (ou outras Instituições da comunidade), como é expresso pela Direcção Geral Da Saúde (2003, p.23) “a fim de rentabilizar ao máximo os ganhos em saúde e em eficiência, é imprescindível e premente implementar a correcta articulação entre Hospitais e Centros de Saúde. (…) é necessário que esta articulação funcione como um elemento facilitador e não como um aumento da burocracia, complicando o desenvolvimento do processo”.
Promover a Autonomia da Pessoa Assistida
Florence Nightingale sugeriu que a intenção do cuidado de enfermagem deve ser a de colocar a pessoa nas melhores condições, para que a natureza possa agir. A pessoa como razão prática dos cuidados, era, nesta época, vista pela sua doença, valorizando-se os cuidados curativos e não os de manutenção da vida (Bento, 2001). Com a evolução da Enfermagem a que não é alheia uma nova forma de perspectivar a natureza dos cuidados, o humanismo que se fundamenta no valor do ser humano, no seu existir e na qualidade desse existir, fundamenta que os indivíduos são autónomos e que tem direito de decidir sobre si mesmo, como afirma Hesbeen (2003:67) “os cuidados de Enfermagem não serão mais do que a atenção particular prestada pelo Enfermeiro a uma pessoa e seus familiares, com o objectivo de os ajudar numa situação específica, utilizando as suas competências e qualidades enquanto profissional de Enfermagem, para concretizar essa ajuda”.
Neste contexto o profissional deve agir como “um parceiro em exercício “com” o utente ou “com” a família, e não como um dirigente do exercício “para” ou “em vez” destes” (Augusto et al, 2002: 37).
Esta filosofia de cuidados só existe ao se circunscrever numa acção interpessoal de partilha, porque implica que o enfermeiro adapte toda a prestação de cuidados, os seus conhecimentos e competências às capacidades e necessidades, daquele(s), que com ele intervêm no processo de cuidar.
Como afirma Gomes et tal (2000:155) as “práticas dos cuidados de enfermagem têm como objecto de acção/ transformação o doente/família. Todos os enfermeiros desejam transformar/fazer evoluir a situação em que o doente/família se encontra”.
Para Santos, 1992, para além de atender, no sentido de estar presente, assistir, auxiliar, dar atenção, interpretar e confrontar, o enfermeiro tem ainda a função de instruir, explicando e treinando, conservando as capacidades mantidas, ampliando-as tanto quanto possível, ajudando o binómio pessoa/família a harmonizar o período pré – internamento com a nova situação.
Ao analisar os cuidados de enfermagem nesta óptica tenho que citar (Augusto et al, 2002:37) quando afirmam que “a finalidade da enfermagem, vista sob este paradigma é a qualidade de vida, entendida na perspectiva da própria pessoa e na qual tanto o utente como a família são contemplados.” E, são contemplados com cuidados de enfermagem de excelência, que só o serão se desde a sua primeira concepção incluírem a preparação do regresso a casa.
O Decreto-lei 437/91 de 8 de Novembro, que enquadra as funções do enfermeiro, afirma no nº1 do Artigo 7º que compete ao enfermeiro de nível 1 e ao enfermeiro especialista “executar os cuidados de enfermagem planeados, favorecendo um clima de confiança que suscite a implicação do utente (individuo, família, grupos e comunidades) nos cuidados de enfermagem e integrando um processo educativo que promova o auto cuidado”.
O mesmo artigo refere ainda que os enfermeiros devem “integrar no planeamento e execução dos cuidados de enfermagem ao individuo e à família a preparação da alta ou internamento hospitalar” e “participar nas acções que visem a articulação entre cuidados de saúde primários e os cuidados diferenciados”.
A Ordem dos Enfermeiros no enquadramento conceptual afirma que “os cuidados de enfermagem tomam por foco de atenção a promoção dos projectos de saúde que cada pessoa vive e persegue (…) ajudam a pessoa a gerir os recursos da comunidade em matéria de saúde, prevendo-se vantajoso o assumir de um papel de pivot no contexto da equipa” (2001:5).
Paralelamente a estas exigências profissionais, dos enfermeiros, as instituições hospitalares surgem como locais especializados de tratamento, onde não há lugar à completa recuperação da pessoa, esta realidade condiciona o elevado grau de dependência que alguns utentes tem no momento da alta (Augusto et al, 2002: 37), ou seja, muitos utentes tem alta hospitalar mais fragilizados e dependentes de quando entraram.
E, esta, continua a ser uma realidade incontestável, uma pessoa que é admitido num serviço de ortopedia com uma fractura do colo do fémur, pelo período de imobilidade antes da intervenção, que pode demorar de dias a semana(s), dependendo até de patologias associadas a outros factores, pelo período de imobilidade no pós-operatório, complicações decorrentes da anestesia, de entre outros tem tendência a ficar, progressivamente, mais dependente de outros para a realização das suas actividades de vida diária e nota-se uma perda abrupta das suas capacidades funcionais.
A forma como a pessoa reage à doença varia de acordo com factores individuais, características das situações e factores ambientais. Em todos eles pode interferir a forma como os cuidados são prestados. Os cuidados direccionados para a autonomia e optimização da capacidade funcional da pessoa de certeza vão promover comportamentos valorativos do processo de reabilitação, ao invés, tudo o que promova a dependência condiciona a autonomia da pessoa, a sua independência e todo o processo de reabilitação, com prejuízos, dificilmente ultrapassáveis.
Weinman, 2000 (citado por Cabete, 2004) afirma que a reacção psicológica de cada pessoa afecta não só a experiência do internamento, como a doença em si.
Se aliarmos a estes factores a idade dos utentes do nosso Sistema Nacional de Saúde, as suas experiências anteriores e o modo a que se habituaram a fazer uso desses serviços, com elevado grau de desresponsabilização pelo seu processo de saúde e reabilitação, facilmente se percebe que a cultura de uso das instituições de saúde não é a melhor. Esperando, os utentes, que o hospital lhes solucione todos os problemas, inclusive familiares e sociais.
Quando se fala em processo de saúde/doença tem que se falar inevitavelmente em capacidade de adaptação, avaliação de que forma como a pessoa vai superando as crises e incapacidades e até que ponto consegue manter uma autonomia de vida, pela evolução do seu estado funcional.
Cabete, 2004, referindo a opinião de Murlow et al, 1994 afirma que uma correcta avaliação deve combinar a avaliação clínica e funcional.
Penso que será igualmente importante avaliar a capacidade de adaptação da pessoa/família à nova situaca, capacidades cognitivas, relações interpessoais, afectos, qualidade de vida, auto-eficácia e controle de si e do meio.
A avaliação funcional compreende uma interacção entre a execução de uma determinada tarefa e as condicionantes ambientais. Esta avaliação é importante para compreender a capacidade de auto cuidado dos indivíduos, capacidade cognitiva para aprender a lidar com as alterações decorrentes da patologia, cirurgia e cuidados a manter ao longo da vida.
A avaliação do estado funcional compreende três níveis: o desempenho das actividades sociais e ocupacionais, o desempenho de tarefas necessárias às actividades instrumentais vida quotidiana e o desempenho de actividades relacionadas com o cuidado pessoal.
Gallo et al, 2000, citado por Cabete (2004:16), diz-nos que “a capacidade funcional do idoso varia de acordo com o ambiente em que se encontra, com o seu estado de saúde, com acontecimentos perturbadores na vida familiar e com crenças e valores relativos à saúde, à doença e ao envelhecimento.”
A forma de lidar com as situações de crise pode levara a auto-limitações que irão determinar a perda de capacidades e diminuição da qualidade de vida.
O internamento pode ser preditor de uma diminuição das capacidades do idoso, sendo prejudicial para a sua qualidade de vida à posteriori (Cabete, 2004).
Das orientações estratégicas para 2004-2010, do Plano nacional de Saúde (2004:19) realça-se a constatação que “muitos idosos vivem “acamados” e “sentados” em cadeira de rodas, quando poderiam ser autónomos”. O mesmo documento alerta para o facto de as pessoas com incapacidades não terem ambientes acessíveis e estimulantes, aumentando o risco de quedas, traumatismos e aparecimento de novas incapacidades.
Para Santos et al (1992) a reabilitação de uma fractura do colo do fémur operada deve ser iniciada no préoperatório, com actividades simples, mas deveras úteis para a recuperação da pessoa, tais como, o ensino dos exercícios respiratórios, contracções isométricas, exercícios activos dos “membros livres”. Os mesmos referem que o banho e a capacidade de vestir a parte inferior do corpo são as actividades mais comprometidas, exigindo treino especifico.
“A eficácia desta ajuda só poderá ser real se ela fizer sentido para a existência de quem é cuidado”(Hesbeen, 2002:XIII). A lógica da organização de cuidados em função de quem necessita deles e sobre os quais tem direito de opção e de tomar a sua decisão.
Para Moniz (2003) os cuidados às pessoas idosas tem por finalidade ajudá-las a aproveitarem o máximo das suas capacidades funcionais.
Colliére (1989) sustenta que a mudança devida ao envelhecimento, exige cuidados de estimulação, de manutenção das capacidades que a pessoa ainda é detentora, de apoio do que ainda consegue fazer, de modo a prevenirem-se maiores limitações funcionais.
Cabete, 2004, refere que estudos longitudinais revelaram uma interacção dinâmica entre suporte social e a recuperação dos idosos com fractura do colo de fémur, acidente vascular cerebral e enfarte do miocárdio.
A doença e a hospitalização determinam alterações quantitativas e qualitativas na rede social de ajuda. Na opinião de Wilcox, kasl, berkman,1994, referenciados por Cabete (2004:13) “a qualidade do suporte social é preditivo da recuperação: quanto melhor é o apoio, maior é a recuperação”.
Cabete, (2004:23) descreve a situação de uma visita a uma senhora internada num serviço de medicina referenciando aspectos interessantíssimos da vivência diária dos utentes no seio das instituições, destaco:
“Visitei a “velhinha de 68 anos” no 3.º dia de internamento. Eram onze horas da manhã (…) -Estava de camisa de noite! Então porquê? Ora se uma pessoa está doente também tem de o parecer… (…)
-Tinha cara de sofrimento! Dói-lhe alguma coisa? Não mas sinto-me mais triste e abatida do que se estivesse em minha casa; aqui pouca gente fala comigo, ninguém me conhece…”
Permitir à pessoa um controlo do espaço pessoal, que no internamento é constantemente invadido pela rotina hospitalar à qual o doente tem de se adaptar, é importantíssimo para favorecer o seu processo de reabilitação. Para Cabete, 2004, o doente que perde o controle sobre tudo não será capaz de se empenhar no seu tratamento ou recuperação.
Segundo Cabete (2004:17) a “doença no idoso pode e deve ser tratada ou, pelo menos, gerida, por forma a garantir uma qualidade de vida, cada vez mais possível à medida que o conhecimento médico se desenvolve”.
A hospitalização é uma experiência com conotação negativa, onde se vivem sentimentos de medo, solidão, ansiedade, frustração, raiva de entre outros. Os sentimentos negativos aliados a um ambiente estranho, impessoal, com regras e rotinas pouco flexíveis, são factores geradores de stress e promotores da dependência.
Parafraseando Reich, 1997, citado por Cabete, 2004, tem sido dada pouca atenção à criação de um ambiente agradável que seja estimulante e promotor da independência dos doentes.
As crenças dos profissionais de saúde relacionadas com a doença e o envelhecimento são um factor externo a ter em conta, o facto de serem vistos como doentes, incapacitados, incapazes de tomarem as suas decisões, condiciona o aparecimento, desenvolvimento e perpetuação de comportamentos e atitudes paternalistas ou proteccionistas e de pouco investimento na reabilitação(Cabete,2004).
A passividade do idoso associada a estar num ambiente estranho, onde lhe é anulada a capacidade de tomar as suas decisões, a atitude paternalista da família e o sentimento de que toda a vida tomei conta dos outros, agora cuidem de mim, o medo que as mobilizações/transferências lhe aumentem o risco de (nova) queda, vai diminuir a capacidade funcional do idoso.
Beers e Berkow (2000), citados por Cabete (2004:35) “afirmam que cerca de 75% dos indivíduos com mais de 75 anos que entram funcionalmente independentes para o hospital não o são no momento da alta”. Os mesmos autores referem que a perda de capacidades pode não estar relacionada com a causa de internamento, referem, inclusive, o caso da fractura do colo do fémur que seja completamente recuperada, do ponto de vista técnico, em que a intervenção não teve qualquer tipo de complicação, mas em que a pessoa nunca recupera o estado funcional, que possuía, no momento de admissão no hospital.
A deterioração pode continuar a agravar-se no pós-alta. O grau de dificuldade/incapacidade para a satisfação das necessidades humanas fundamentais pode ser preditor de uma maior mortalidade (Gallo et al, 2000; citados por Cabete em 2004). As circunstâncias da hospitalização também estadão
ligadas a alterações psicológicas que interferem na reabilitação daquela pessoa. De acordo com Pinto (2000) a agitação física ou verbal, a agressividade, a desorientação, estão associados a vários factores causais salientando de entre eles a alteração dos hábitos de vida, exposição a ruídos desconhecidos, alteração das relações interpessoais.
Todos estes factores se verificam no caso da hospitalização e vão condicionar um aumento do declínio funcional no momento da alta. A ansiedade e depressão podem ser tão ou mais incapacitantes do que o declínio funcional (Cabete, 2004).
A mesma autora, pela leitura dos dados de um estudo de Lieberman et al (1999), realizado com idosos internados para reabilitação após acidente vascular cerebral ou fractura do colo do fémur, refere que apesar de não existir correlação da depressão com o diagnóstico, há correlação com o estado funcional. Quanto maior a recuperação funcional, menor os sinais de depressão. são está relacionada com uma maior dificuldade de recuperação.
Com afirma Cabete (2004:114) poderíamos “supor que ao longo do internamento haveria uma recuperação da doença, uma melhoria dos sintomas, uma redução da intensidade dos tratamentos ou das restrições por estes impostas, com traduções numa melhoria clínica e numa menor limitação ou dependência dos cuidados. Poderia ainda ser lógico pensar, que, com a melhoria ria um investimento na autonomia do idoso com vista á promoção do seu auto cuidado que facilitassem o regresso a casa. Contudo, isso não se verifica.”
Continua-se a tratar a doença, mas não se cuida da pessoa doente, não se olhando para as repercussões daquele internamento e daquela patologia naquela pessoa especifica e única. Cabete (2004:115) afirma mesmo que “não há um investimento na promoção da autonomia, confinando-se a pessoa a um espaço e a uma de duas posições: sentada ou deitada”. Remetendo-se a pessoa para uma enorme passividade com todas as consequências inerentes.
Em Suma…
A dinâmica e a organização de um serviço que desde o primeiro momento, possa preparar o regresso a casa das pessoas que aí são internada tem de ser conducente com a vinculação de uma equipa, com um projecto futuro comum, ao assumirem e transferirem para outra dinâmica e organização os cuidados que prestam – o da autonomia plena do que é cuidado e o da satisfação daquele que cuida.
Sem dúvida que uma organização diferente é vital para a pessoa assistida, mas também é fundamental para o profissional.
Envolver toda a equipa e particularmente um grupo dinamizador, aproveitando ao máximo as suas potencialidades, desenvolvendo um trabalho conjunto, decidido, planeado, organizado e implementado com um objectivo comum – preparar o regresso a casa.
Reinventar o cuidar nos serviços, utilizando a criatividade como um instrumento básico, impedir a criatividade dos profissionais é recusar a possibilidade de exercer a sua actividade como prestadores de cuidados (Hesbeen, 2002).
Começar pela tomada de consciência das práticas relativas à alta, caracterização dos cuidados de enfermagem com práticas relacionadas com a preparação da alta, leitura de artigos, para mobilização de saberes, a fundamentação teórica é um bom caminho, para ser percorrido não por um caminhante solitário, mas por uma equipa.
Consciente de que mudar é muito difícil, mas que os ganhos são por demais evidentes. Como refere Hesbeen (2002) a enfermagem tem um futuro promissor, quando todos os outros profissionais já esgotaram a sua capacidade de actuação, nós enfermeiros podemos sempre ir mais além, quanto mais não seja pegar na mão e dizer “estou aqui…”
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