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Para-Suicídio – O que dizem as famílias

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Para-Suicídio - O que dizem as famílias

Desde a década de 60 do século XX que se conhecem factores neurobiológicos relacionados com os comportamentos suicidários, a agressão e a impulsividade.

Autor: José Carlos Santos
Editora: Formasau
Ano de edição: 2007

Prefácio

Os comportamentos suicidários despertam estranheza e perplexidade.

Há uma amargura que percorre quer o protagonista quer as pessoas do meio envolvente. Aqui se incluem a família, os amigos, os colegas de estudo ou trabalho. Frequentemente evita-se falar do assunto. À espera que o Sol, ou seja, a passagem do tempo, cure todas as feridas. Mesmo as da alma. É conhecido o pacto de silêncio transgeracional das famílias sobre os seus suicidas. Ou, em alternativa, de que tudo não foi mais do que um acidente infeliz ou tão só uma renúncia à vida… Mas que dizer daqueles outros que exibem as suas tristezas pela linguagem de um corpo mutilado? Que atacam o próprio corpo, que se cortam repetidamente? Ou que se intoxicam com medicamentos ou mesmo venenos? Será que querem significar que não toleram mais o sofrimento? Muito se tem falado desses para-suicidas – à falta de melhor denominação – e dos números epidemiológicos dos Serviços de Urgência. Pelo menos 250 por 100 mil habitantes / ano, em Portugal. Ou 600 por 100 mil habitantes / ano se considerarmos as mulheres dos 15 aos 24 anos. E estes dados são tanto ou mais inquietantes quando se sabe que mostram apenas uma parte da realidade. Muitos outros para-suicidas não chegam    ser observados por técnicos de saúde. Desvalorizados ou ignorados que são. Esperam na solidão que a mágoa passe depois de uma apressada ingestão de uma caixa de psicofármacos ou mais uns cortes no antebraço até sangrar… Será que eles estão doentes ou todos nós?

É esta perspectiva sistémica que o autor explora ao penetrar naquilo que as famílias dizem, naturalmente a partir daquilo que sentem, face a um familiar para-suicida, numa investigação pioneira na Europa, a partir da Teoria da Emoção Expressa de George Brown, Julian Leff e Christine Vaughn. Desse “outro lado” da história, o autor retira não só a importância da emoção expressa da família mas também da depressão, neuroticismo e externalidade do para-suicida como facilitadores desse comportamento. Ao contrário, factores protectores seriam um coping adequado, melhor autoconceito e bom suporte social, retratável, por exemplo, em menos comentários críticos e menos sobreenvolvimento emocional dos pais. Desde a década de 60 do século XX que se conhecem factores neurobiológicos relacionados com os comportamentos suicidários, a agressão e a impulsividade. Mais à volta do neurotransmissor serotonina e das suas repercussões sobre certas estruturas cerebrais, como o hipocampo, a amígdala, o córtex pré-frontal, a mera confinação a um modelo explicativo neurobioquímico excluiria muito injustamente a força das variáveis familiares e sociais. Ousemos uma hipótese académica: um homem numa ilha deserta manifestaria o mesmo comportamento suicidário, cerceado que estava no seu “instinto de plateia”? Sem que pudesse representar os papéis de desamparo e desespero em função de terceiros? Ou ainda exercícios de manipulação ou esquemas cognitivos que se articulem com estratagemas da análise transaccional? Estas e outras questões correlacionadas mais estimulam à presente leitura. Do empirismo clínico é reconhecido que as famílias dos para-suicidas aparentam se rígidas e conflituosas, embora esses contornos sejam difíceis de perceber e mensurar. É precisamente por tudo isso que o livro “… ….” do Professor José Carlos Santos representa uma obra imprescindível para os estudiosos do para-suicídio e para o leitor ávido de conhecimentos na área da suicidologia, na medida em que faz uma incursão ao “outro lado”, porque as pessoas não habitam ilhas desertas…

CARLOS BRAZ SARAIVA

Professor de Psiquiatria da FMUC,
Chefe de Serviço de Psiquiatria dos HUC,
Coordenador da Consulta de Prevenção do Suicídio dos HUC