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Os Enfermeiros na 1ª Guerra Mundial, ontem e hoje

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Ana Paula Pires, "Cuidados de Saúde", A Guerra de 1914 - 1918, www.portugal1914.org
Os Enfermeiros na 1ª Guerra Mundial
 Ana Paula Pires,

Era ao Posto de Socorros, que competia a aplicação dos primeiros cuidados de saúde aos feridos caídos em combate.

(…) Os trabalhos eram por norma desempenhados por um médico e dois enfermeiros do Batalhão

 

Para não pensarmos que a História começou apenas quando nascemos e estando nós no Ano do Centenário do início da 1ª Guerra Mundial, deixo aqui dois artigos descobertos por “aí”, num projecto cujos autores agradecerão de certeza novos contributos… a quem o quiser e souber fazer: http://www.portugal1914.org/portal/pt/memorias/participe

“O portal Portugal 1914 promovido pelo Instituto de História Contemporânea (IHC) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL em parceria e com a colaboração de diversas instituições inscreve-se num programa plural e diversificado dedicado à evocação da passagem do centenário da Guerra.

Pretende-se criar um espaço de reflexão e partilha destinado a estimular o estudo e à divulgação do conhecimento da história e dos legados da I Guerra Mundial, beneficiando da colaboração de uma grande diversidade de instituições (arquivos, bibliotecas, universidades, museus, escolas, câmaras municipais…), e pessoas da mais variada formação e actividade profissional, envolvendo o público em geral.

Este programa visa, justamente, a promoção de uma cidadania activa e empenhada na promoção da defesa, preservação e salvaguarda de um património colectivo.” IN:http://www.portugal1914.org/portal/pt/inicio-pt/apresentacao

 

O primeiro, o qual é relativo à imagem deste post e que é simplesmente uma ambulância cedida pela Casa Burnay ao Exército Português e que descreve já a participação dos Enfermeiros na 1ª Linha de Assistência na frente de Combate, o que é hoje muito comum ao “Pré-Hospitalar”:

” Junto a cada batalhão funcionava um Posto de Socorros Avançado. Alojava um pequeno número de doentes e feridos. Era ao Posto de Socorros, que competia a aplicação dos primeiros cuidados de saúde aos feridos caídos em combate.

As suas instalações não eram mais do que um abrigo de aço protegido dos ataques anti-gás. Os trabalhos eram por norma desempenhados por um médico e dois enfermeiros do Batalhão.

Os feridos graves eram transferidos para os hospitais de rectaguarda, sendo o seu transporte assegurado pelas autoridades inglesas.

Para além do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa e da Secção Portuguesa do Triângulo Vermelho, Portugal dispunha, de dois Hospitais de Base e de um Hospital Militar.

A Guerra colocou os médicos portugueses em contacto directo com novos casos clínicos, consequência visível e directa das novas armas – balas explosivas, obuses e metralhadoras – tornadas quotidianas na frente de combate.

Ana Paula Pires (IHC) “Cuidados de Saúde”, A Guerra de 1914 – 1918

O segundo a referência a um Português, António Travassos de Almeida, de quem sabe muito pouco mas que se sabe que era Enfermeiro. Se por acaso conseguirem acrescentar mais um ponto a este conto…

António Travassos de Almeida nasceu a 17 de Janeiro de 1894, em Nogueira, Arganil, filho de Manoel Antunes Martins d’Almeida e de Maria d’Assunção Travassos. António tinha 3 irmãos, Manoel, Francisco e Maria da Luz. Outros dois irmãos faleceram precocemente, deixando-o como o mais novo da família.

António terá estudado na Universidade de Coimbra, pelo menos até 1916. Angelo guarda ainda uma foto dele, que aparenta ser desses tempos de estudante. Contudo, e sem que se saiba porquê, não terá concluído os seus estudos, tendo embarcado a 23 de Março de 1917 para França, com apenas 23 anos. Ali ficou associado ao Regimento de Infantaria 14, com o qual permaneceu até ao seu regresso a casa, tal como refere a sua ficha de combatente, consultável no Arquivo Histórico Militar.

Existem relatos diversos que o seu neto se recorda, contados por sua mãe, a filha mais nova de António, e que ainda é viva. Dizia ele que eram três no local onde atendiam. Ele, outra pessoa, possivelmente um enfermeiro, e o seu chefe, o médico. Este último teria gota, uma doença inflamatória de cariz reumatológico, e quando tinha ataques da doença, pedia a António que tratasse dele. Isso teria desencadeado invejas da parte do seu outro camarada, ainda para mais que, como agradecimento, o médico lhe passava licença para ir a Paris por uma semana. Benesse de que poucos usufruíam, diria ele, tal como nos reporta seu neto.

Em outra ocasião, referia António aos seus filhos, tiveram que fugir de um bombardeamento, provavelmente na trincheira ou ao posto onde ele auxiliava no atendimento, sendo que um dos seus companheiros se atirava constantemente para o chão. Não sabia distinguir pelo barulho dos obuses e artilharia que caía, se estavam aqueles mais ou menos longe, e ele mais ou menos em perigo, e «cavava» para o chão a toda a hora. António a dada altura ter-se-ia chateado, e com algumas interjeições típicas dos homens de combate, ter-lhe-á dito: “Venha atrás de mim, e só se atire para o chão quando eu o fizer! “. Recordação que o atormentava, mas não mais que a de ver um soldado segurar nas mãos as suas próprias entranhas, pedindo-lhe ajuda, pois tinha mulher e filhos… E António, em desespero, nada podia fazer por aquele homem. Porque, à época, ferimentos gastrointestinais eram, na realidade, uma verdadeira sentença de morte. Um tiro na barriga era morte certa para um soldado.

A 4 de Outubro de 1918 António viria a Portugal, para gozar-se de uma licença de 43 dias, não mais retornando à Frente Ocidental. O Armistício poupou-lhe uma viagem de regresso ao Inferno das linhas e dos feridos.

Dedicar-se-ia depois a ensinar no Colégio de S. Pedro, em Coimbra, que pertencia e era dirigido pelo seu primo direito, José da Fonseca Travassos. Por motivos de saúde, o seu pai perderá o andar, e como era já viúvo, António viu-se na contingência de regressar a Nogueira, para cuidar do pai e administrar os bens de família. Ali viria a assistir à degradação da condição física do progenitor e à sua subsequente morte, assim como perderia igualmente a irmã Maria da Luz Travassos d´Almeida.

Casaria com a jovem de 23 anos, Maria Nunes Travassos, em 1937. Consta que ela terá ajudado António nos últimos anos ou meses de vida de seu pai, tendo ido para a casa para auxiliar ao tratamento do mesmo. António teve com sua esposa quatro filhos: Maria Dulce, Maria de Lurdes, António Manuel e Maria Clara. Não chegaria a ver os filhos adultos pois falaceria poucos anos depois.

Refere seu neto Angelo, que o avô trouxe da guerra conhecimento e traumas. Sua mãe refere que lhe contaram a forma como ele lidava com os familiares, em especial os filhos, não permitindo que as crianças saissem para a rua sem inúmeras advertências e pedidos de cuidados extra, mesmo que fossem seus sogros a leva-los, pois a dada altura teriam ido viver com a filha e o genro. Conhecia ele bem a doença, as formas de contágio, tratando de todos em casa, e temendo igualmente pelos pequenos, que tentava assim proteger.

Contava ainda a sua esposa que a sua maior preocupação, quando acamado, já no seu leito de morte, padecendo de um tumor intestinal, seria a de não acompanhar o crescimento dos seus filhos. E que lhe escorreriam as lágrimas pelo rosto quando pegava ou via a recém-nascida Maria Clara, que ficaria órfã de pai com poucos meses. Razão pela qual deixou um pedido final a seu irmão Manoel e cunhada Maria Clara Bernardes dos Santos que apadrinhassem a pequena criança, pois temia pelo seu futuro e pela falta que faria aos seus outros filhos e à esposa, viúva ainda tão jovem.

Maria Nunes não voltaria a casar. Terá sempre ajudado as pessoas da casa e da zona de Nogueira, com os conhecimentos que aprendeu com o marido, ao nível da enfermagem, e passando o legado a todos os que quisessem aprender, até falecer em 1998. Foi uma alma caridosa e boa, reconhecida no próprio jornal “Comarca de Arganil”, que refere a sua morte. Quanto à sua filha mais nova, Maria Clara, ainda é viva. O seu pai faleceu quando ela tinha apenas 5 meses. Hoje é ela o repositório destas e de outras memórias de família.

Seu pai faleceu em Nogueira, Arganil, a 18 de Setembro de 1943. Angelo, seu neto, guarda hoje a sua fotografia, tirada em França, em 24 de Agosto de 1917. Um jovem de rosto belo, com uma braçadeira do serviço médico, que deixa antever uma cruz vermelha, deixa-se fotografar com ar sereno, em meio a uma guerra que, de serenidade e calmaria nada teria. E que marcou a sua vida, como a de tantos jovens, portugueses e estrangeiros, até ao fim dos seus dias.

Retirado de: http://www.portugal1914.org/portal/pt/memorias/historias/item/7221-enfermeiro-durante-a-grande-guerra-as-memorias-de-antonio-travassos-de-almeida

“Aqueles que não se lembram do passado, estão condenados a repeti-lo”

 

 

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