A chupeta é usada pelas crianças em todo o mundo. É um objecto controverso, a sua utilização não reúne consenso entre os diversos profissionais de saúde
Título
O USO DA CHUPETA: RISCO OU BENEFÍCIO?
THE USE OF THE PACIFIER: RISK OR BENEFIT?
Nursing nº270
Autor:
Maria Manuela Martins Domingues
Enfermeira graduada, a exercer funções nos Hospitais da Universidade de Coimbra, Maternidade Dr. Daniel de Matos, Serviço de Puerpério.
Resumo:
O uso da chupeta é um hábito infantil bastante difundido em todo o mundo. É um objecto controverso, a sua utilização não reúne consenso entre os diversos profissionais de saúde. O objectivo do actual artigo é resumir evidências actuais sobre os possíveis efeitos do uso da chupeta na amamentação, na má oclusão dentária e prevenção da síndrome de morte súbita no lactente. Os quais têm sido motivo de diversos estudos.
Palavras-chave: Chupeta; Amamentação; Síndrome de morte súbita do lactente; Má oclusão dentária.
Summary:
Pacifier use is a widespread habit children around the world. It is a controversial subject, their use does not meet consensus among various health professionals. The aim of this article is to summarize current evidence on the possible effects of pacifier use on breastfeeding, poor dental occlusion and the prevention of sudden infant death syndrome in infants. Which have been the subject of several studies.
Keywords: Pacifier; Breastfeeding; Suddent infant dath syndrome; Dental malocclusion.
A chupeta é usada pelas crianças em todo o mundo. É um objecto controverso, a sua utilização não reúne consenso entre os diversos profissionais de saúde.
Para a realização da presente revisão sistemática da literatura, definimos os seguintes critérios: os estudos tinham que estar publicados em bases de dados fidedignas, terem sido publicados entre Janeiro de 2000 e Julho de 2009 e conterem no título e no corpo do texto, os seguintes descritores: chupeta e/ou amamentação e/ou síndrome de morte súbita, e/ou má oclusão dentária. A pesquisa foi efectuada em inglês, utilizando as seguintes palavras-chave: pacifier, breastfeeding, risk of sudden infant death syndrome e dental malocclusion.
Os dados foram pesquisados na Pubmed, Scielo, American Academy of Pediatric e na Biblioteca da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Pólo A. Das pesquisas efectuadas, seleccionámos 40 artigos, os quais foram todos lidos e analisados. Destes, seleccionámos os 20 artigos que iam ao encontro do objectivo desta revisão sistemática da literatura sobre o tema proposto.
Após a análise dos artigos, verificámos que a chupeta é oferecida pelos pais aos seus filhos, na maioria dos casos para os consolar e acalmar, numa crise de choro, e por vezes para evitar que estes chuchem nos seus dedos ou em outros objectos e para facilitar o desmame (1Bueno, 2008).
Vários estudos têm sido efectuados, com o intuito de avaliar se o uso da chupeta é determinante na duração da amamentação exclusiva ao peito. A maioria dos autores que estudou esta relação, concluiu que a chupeta contribuía para o desmame precoce (2Vogel et al., 2001; 3Howard et al., 2003), outros não encontraram esta relação. A teoria de que os recém-nascidos aprendem técnicas de sucção inadequadas e usam métodos diferentes na chupeta e/ou biberão e no mamilo não é corroborada por alguns estudos (4Kramer et al., 2001; 5Aliboni, Alfie & Pastrana, 2002), onde a ideia da “confusão do mamilo” não foi confirmada.
Segundo 2Vogel et al. (2001), ainda não está claro se o efeito é causal ou se usar chupeta é um factor indicativo de dificuldades na amamentação ou reduzida motivação para amamentar. Contudo o intervalo entre a introdução da chupeta e o desmame pode levar vários meses, o que sugere que o uso da chupeta pode reduzir a estimulação da sucção, resultando numa redução gradual na produção de leite.
A duração da amamentação é um importante factor preditor da saúde infantil, este indicador é suportado pelos estudos e conhecimento que existe na actualidade sobre as propriedades do leite materno. Reconhecendo a sua importância, a 6Organização Mundial da Saúde (OMS), lançou em 2001 os resultados de uma extensa revisão sistemática recomendando, em suma, que a duração mínima de aleitamento materno exclusivo deve ser de seis meses, período depois do qual os recém-nascidos devem ser alimentados com leite da mãe e alimentos complementares até mais de dois anos. Essa revisão permitiu concluir que as crianças exclusivamente amamentadas, nos primeiros 6 meses de vida, apresentam menor morbilidade de infecções gastrointestinais e não apresentam deficits no crescimento (7Fewtrell et al., 2007).
8Neto et al. (2008), na revisão sistemática da literatura que efectuaram, entre 1999 e 2006, sobre o uso da chupeta como factor de risco para o tempo de amamentação: concluíram que o uso de chupeta é um factor de risco para a redução do tempo de amamentação, contudo referem que permanece obscuro qual o seu mecanismo de actuação. Factores de risco relacionados com a criança, a mãe, o pai e o atendimento hospitalar podem também influenciar esse processo. Consideram ser necessário a padronização de elementos metodológicos que investiguem a associação entre o uso das chupetas e a duração da amamentação, visando sintetizar o conhecimento científico.
9Jenik et al. (2009) após desenvolverem um estudo com 970 mães/filhos chegaram à conclusão que, quando a amamentação está bem estabelecida, a utilização da chupeta 15 dias após o nascimento não afecta a prevalência e duração da amamentação. Os mesmos autores referem que foram realizados ensaios randomizados controlados em países desenvolvidos, os quais demonstraram que se a chupeta for oferecida ao recém-nascido nos primeiros 5 dias após o nascimento, enquanto a amamentação ainda não está devidamente estabelecida, diminuiu o tempo de amamentação exclusiva.
Vários investigadores chegaram à mesma conclusão, afirmando que não encontraram na evidência dos estudos resultados que suportem a relação entre o uso da chupeta e a duração da amamentação ao peito, nem a sua exclusividade (1Bueno, 2008; 10O´Connor et al.,2009; 11Sexton & Natale, 2009).
9Jenik et al. (2009) afirmam que os resultados do seu estudo não podem ser extrapolados para uma população materna, quando as mães não estão motivadas para amamentar, ou quando oferecem as chupetas aos filhos antes da amamentação estar bem estabelecida.
10O´Connor et al. (2009) referem que a diminuição do tempo de amamentação exclusiva, provavelmente, está relacionada com uma diversidade de factores complexos, tais como: dificuldades na amamentação provocadas por dores nos mamilos, ingurgitamento mamário, fissuras e sangramento, intenção materna em desmamar, etc. As mais fortes evidências científicas da actualidade sobre o uso da chupeta e aleitamento materno indicam que o uso da chupeta não é prejudicial para a amamentação.
Segundo 12Pansy et al. (2008) e 11Sexton & Natale (2009), podem surgir complicações potenciais relacionadas com o uso prolongado das chupetas, tais como: a má oclusão dentária, o aumento de incidência de otite média aguda e outras infecções, assim como o seu efeito restritivo sobre a prevalência e duração do aleitamento materno.
O uso da chupeta e a má oclusão dentária tem sido motivo de grande preocupação para os dentistas e profissionais de saúde. Para 13Adair (2003) e 11Sexton & Natale (2009), os seus efeitos adversos sobre a dentição são mais evidentes se as crianças usarem chupeta até aos dois anos de idade e ainda mais preocupantes se ultrapassarem os quatro anos.
De acordo com 1Bueno (2008), devido à escassez de estudos epidemiológicos não se pode estabelecer nenhuma conclusão significativa entre o uso da chupeta e a má oclusão dentária e o risco aumentado de infecções.
12Pansy et al. (2008) e 11Sexton & Natale (2009) descrevem também as vantagens do uso da chupeta. Estas incluem o efeito analgésico, menor permanência hospitalar para recém-nascidos prematuros e redução do risco de morte súbita no lactente. O uso das chupetas tem sido estudado e recomendado no alívio da dor em recém-nascidos e lactentes que tiveram complicações no pós-parto e em procedimentos invasivos e dolorosos. Segundo 14Carbajal (2003) o processo de sucção, provoca prazer, exercendo um efeito inibitório sobre os mecanismos fisiológicos da dor.
A American Academy of Family Physicians recomenda que deve ser promovido o ensino às mães sobre a utilização das chupetas no período pós-parto imediato de modo a evitar dificuldades relacionadas com a amamentação. Recomendam também o desmame da chupeta nos primeiros seis meses de vida, de modo a evitar a otite média aguda. Em contraposição a American Academy of Pediatrics recomenda que os pais devem oferecer a chupeta aos seus filhos após o primeiro mês de vida até um ano de idade, no início do sono, de modo a reduzir o risco de morte súbita do lactente (11Sexton & Natale, 2009).
Vários mecanismos têm sido usados para explicar o efeito protector da chupeta, mas nenhum tem sido universalmente aceite. A literatura tem-se centrado na excitação, respiração bucal e posição para dormir (15Hauck et al., 2005).
15Hauck et al. (2005), citados por 12Pansy (2008), foram os primeiros autores a recomendarem o uso de chupeta para a prevenção da síndrome de morte súbita, e isso foi confirmado e divulgado pela recomendação da American Academy of Pediatrics, em 2005.
Usar chupeta é agora considerado um factor protector para a síndrome de morte súbita do lactente, embora esta associação não esteja devidamente documentada, devido à baixa incidência desta patologia, bem como a falta de uma compreensão clara dos seus mecanismos fisiológicos (16Sprott, 2006).
Vários autores afirmam que a utilização da chupeta pela criança aumenta a sua capacidade de respirar pela boca, quando a via nasal se encontra obstruída. Da mesma forma, colocam em evidência que a retroposição da língua pode conduzir à apneia obstrutiva e asfixia. A sucção activa na chupeta exige que a língua da criança se posicione para a frente, diminuindo deste modo o risco de obstrução da orofaringe (17Engelberts & L´Hoir, 2000; 18Rola et al. 2004, 15Hauck et al. 2005). A chupeta previne o movimento de virar a cabeça para baixo, virando a face para o colchão, o seu uso também está associado a uma ligeira hipercapnia, o que estimula a ventilação (19Silva, 2000 e 17Engelberts& L´Hoir, 2000).
15Hauck et al. (2005), 20Mitchell et al. (2006) e 10O´Connor et al. (2009) analisaram o resultado de diversos estudos, os quais mostram uma forte correlação entre o uso da chupeta e a redução do risco da síndrome de morte súbita. Recomendam que a chupeta deve ser dada à criança sempre que esta vai dormir, mesmo que sejam pequenas sestas diurnas. Contudo, realçam que a chupeta só deve ser usada até um ano de idade, o que inclui o pico da idade de síndrome de morte súbita no lactente. Para crianças amamentadas, a chupeta só deve ser oferecida após a amamentação estar bem estabelecida.
Os mecanismos pelos quais o uso das chupetas podem reduzir o risco da síndrome de morte súbita no lactente, ou pela sua ausência aumentar o risco, são desconhecidos, mas vários mecanismos têm sido indicados. Estes incluem o evitar o decúbito ventral para dormir, redução do refluxo gastroesofágico, elevando a cabeceira da cama. Uma vez que, na generalidade dos casos, as chupetas caem 30 minutos após a criança adormecer. Sendo que o efeito benéfico pode não ser um resultado da presença da chupeta, num tempo específico (21Franco et al., 2000).
Num estudo efectuado na Irlanda observaram que as crianças que habitualmente usavam chupeta, mas não na parte final do sono, relativamente às que a usaram na última parte do sono, foram as que apresentaram maior risco de síndrome de morte súbita. O deslocamento/queda da chupeta pode contribuir para uma maior perturbação do sono, aumentando a actividade e excitabilidade da criança (22McGarvey et al., 2003).
Os resultados da revisão sistemática de 1Bueno (2008) vão ao encontro dos estudos consultados. Concluíram que o risco da síndrome de morte súbita do lactente nas crianças que não usaram chupeta no “último sono” ou “referência do sono” foi, pelo menos, 2 a 5 vezes maior que o das crianças que usaram chupeta. Os argumentos causais, propostos para explicar a relação entre as duas variáveis foram: a presença da chupeta pode proteger as vias aéreas; o chuchar pode diminuir a probabilidade de apneia e utilizar chupeta pode reduzir os comportamentos de sono de alto risco, tais como, quando a criança está a dormir em decúbito ventral. Apesar destes resultados, a maioria dos pesquisadores e clínicos estão relutantes em promover e incentivar activamente o uso da chupeta, na ausência de um conhecimento adequado no que se refere aos mecanismos reais associados ao uso de chupetas e à síndrome de morte súbita do lactente.
CONCLUSÕES
O uso de chupetas em crianças está associado a uma menor duração do aleitamento materno e maior impacto sobre a não-exclusividade do mesmo. Contudo as mais fortes evidências actuais sobre o tema, mostram que se a chupeta for oferecida à criança após a amamentação estar devidamente estabelecida, por si só não é factor determinante e prejudicial para a amamentação exclusiva. Vários factores, relacionados com a mãe, a criança, o pai e cuidados hospitalares, interferem com a duração do aleitamento materno. Este é um fenómeno complexo, que deve ser estudado em todas as suas dimensões.
Devido à escassez de estudos epidemiológicos, não se pode estabelecer qualquer conclusão significativa entre o uso da chupeta, infecções e má oclusão dentária.
A relação entre o uso da chupeta e a redução do risco de síndrome de morte súbita do lactente é consistente, contudo os seus mecanismos de acção são desconhecidos.
BIBLIOGRAFIA
1BUENO, María Dolores Castillo – Uso del chupete en la primera infance en relación com la lactancia, síndrome de muerte súbita del lactante y mal oclusión dental. Enferm Clin. 2008. Vol. 18, Nº 4, p. 223-225.
2VOGEL, A. M.; HUTCHISON, B. L.; MITCHELL, E. A – The impact of pacifier use on breastfeeding: a prospective cohort study. J Paediatr Child Health. 2001. Vol. 37, p.58-63.
3HOWARD, C. et al. – Randonized clinical trial of pacifier use and bottle-feeding or cupfeeding and their effect on breastfeeding. Pediatrics. 2003. Vol. 111, Nº 3, p. 511-518.
4KAMER, M. S. et al.– Pacifier use, early weaning, and cry/fuss behavior. JAMA. 2001. Vol. 286, Nº 3, p. 322-326.
5ALIBONI, V. G.; ALFIE, J. D.; PASTRANA, S. C. – Uso del chupete: hallazgos preliminares. Arch Argen. Pediatria. 2002. Vol. 100, Nº 2, p. 114-119.
6WHO (World Health Organization) – The optimal duration of exclusive breast feeding: results of a WHO systematic review. Indian Pediatr. 2001. Vol. 38, p. 565-567.
7FEWTRELL et al. – Optimal duration of exclusive breastfeeding: what is the evidence to support current recommendatios?. American Journal of Clinical Nutrition. February, 2007. Vol. 85, Nº 2, p. 635-638. Consultado a 03 de Agosto de 2009. Disponível em: http://www.ajcn.org/cgi/content/abstract/85/2/635S.
8NETO et al. – Pacifier use as a risk factor for reduction in breastfeeding duration: a systematic review. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil. Recife. Oct./Dec., 2008. Vol. 8, Nº 4.
9JENIK et al .– Does the Recommendation to Use a Pacifier Influence the Prevalence of Breastfeeding?. Journal Pediatric. Maio de 2009.
10O´CONNER et al. – Pacifiers and Breastfeeding. Journal: Archives Pediatrics Adolescent Medicine. April, 2009. Vol. 163, Nº 4, p. 378-382.
11SEXTON, S. ; NATALE, R .– Risks and benefits of pacifier. Am Fam Physician. 15 Abril, 2009. Vol. 79, Nº 8, p. 681-685.
12PANSY et al. – Pacifier use: What makes mothers change their mind?. Acta Paediatrica. 2008. p. 968-971.
13ADAIR, S. M. – Pacifier use in children: a review of recent literature. Pediatric Dent. 2003. Vol. 25, p. 449 –458.
14CARBAJAL, R.; VEERAPEN, S.; COUDERC, S.; JUGIE, M.; VILLE, Y. – Analgesic effect of breast feeding in term neonates: randomised controlled trial. BMJ. 2003. Vol. 326, p. 13-18.
15HAUCK et al.– Do Pacifiers Reduce the Risk of Suddent Infant Death Syndrome?. American Academy of Pediatrics. November, 2005. Vol. 116, Nº 5, p. 716-723.
16SPORTT, J. – Cot death controversies. S Afr Med J. 2006. Vol. 96, p. 568.
17ENGELBERTS, A.; L´HOIR, M. – Pacifier use and SIDS. Arch Dis Child. 2000. Vol. 82, p. 267.
18ROLA, Marta; AGUIAR, Paula; AROSO, Sofia – A chupeta – prós e contras. Revista de Saúde Infantil. Abril, 2004. Nº 26, p. 35-38.
19SILVA, J.– O uso da chupeta e a síndrome de morte súbita do lactente. Saúde Infantil. 2000. p. 39-42.
20MITCHELL et al. – Should Pacifiers Be Recommended to Prevent Sudden Infant Death Syndrome? American Academy of Pediatrics. May, 2006. Vol. 117, Nº 5, p. 1755-1758.
21FRANCO, P.; SCAILLET, S.; WERMENBOL, V.; VALENTE, F.; GROSWASSER, J.; KAHN, A. – The influence of a pacifier on infants’ arousals from sleep. J Pediatr. 2000. Vol. 136, p. 775 –779.
22MCGARVEY, C.; MCDONNELL, M.; CHONG, A.; O’REGAN, M.; MATTHEWES, T. – Factors relating to the infant’s last sleep environment in sudden infant death syndrome in the Republic of Ireland. Arch Dis Child. 2003. Vol. 88, p. 1058 –1064.