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Na mouche! Os enfermeiros e os Lares de Idosos

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Na mouche!

O SR. Ministro da Saúde acertou na mouche: A presença de enfermeiros nos lares ajuda na diminuição do aparecimento de causas, na gestão clínica de situações agudas ou agudização de problemas crónicos

O Sr. Ministro da Saúde, estranhando o elevado número de idosos que têm sido atendidos nas urgências hospitalares nas últimas semanas, questionou a assistência clínica prestada nos lares de idosos, referindo que “estamos a receber no Serviço Nacional de Saúde muitas pessoas de lares, e temos que verificar se as pessoas nos lares estão a ter todo o tipo de assistência clínica quer ao nível de enfermagem, quer médica, que está prevista na lei”, e acrescentando que “se essas pessoas tiverem um acompanhamento regular nos próprios lares estarão mais controladas e só virão ao hospital em caso de efetiva necessidade”.

O SR. Ministro da Saúde acertou na mouche: os enfermeiros são um recurso chave para melhorar a assistência nos lares de idosos e diminuir despesa inútil no SNS. A presença de enfermeiros nos lares ajuda na diminuição do aparecimento de causas, na gestão clínica de situações agudas ou agudização de problemas crónicos, redução da frequência e custos de idas ao hospital, assim como na diminuição de cuidados fúteis. indesejados e potencialmente evitáveis, assim como na clarificação de incertezas e falsas expetativas em relação aos benefícios da hospitalização.

Porém, a valorização do papel do enfermeiro nos lares de idosos implica 3 mudanças essenciais.

A primeira é uma mudança no entendimento que damos ao envelhecimento. Envelhecer é um processo natural e não é em si uma doença, mas a verdade é que nem todas as pessoas envelhecem saudáveis. Na maioria dos processos de envelhecimento aumenta a incidência de doenças agudas relacionadas com a maior fragilidade do sistema imunológico, aumenta a prevalência de doenças crónicas degenerativas e incapacitantes, o consumo de medicamentos é elevado e é maior a tendência para o sedentarismo; quando estes factos são negligenciados, abre-se caminho ao aparecimento das grandes síndromes geriátricas: isolamento social, iatrogenia, instabilidade postural, insuficiência cerebral e incontinência urinária… O idoso perde progressivamente a capacidade de exercício da sua autonomia, vai ficando mais e mais limitado nas suas capacidades físicas e cognitivas, vai sofrendo perdas afetivas irreparáveis, perdas económicas, afastamento social… Por fim, confinado ao calvário da vontade alheia, pode acabar institucionalizado num Lar de Idosos.

E é ali que, salvo raras exceções, se oferece uma resposta às necessidades do idoso assente numa filosofia excessivamente moldada por estereótipos e mitos relacionados com o envelhecimento, condicionando cuidados de insuficiente qualidade.

Sabe-se que o principal motivo da decisão de institucionalização em lar de idosos é, segundo investigação recente, a solidão, seguido de motivos de saúde ou ambos os motivos em conjunto, sendo que uma grande maioria dos residentes tem algum problema de saúde e mais de metade sofrem de dor. Existe também investigação que prova que os idosos em lares têm necessidades em cuidados de saúde complexas, frequentemente não detetadas e superiores à população da mesma idade residente em domicílio.

Estes factos obrigam a uma segunda mudança, ao nível do entendimento que temos de lar de idosos. Face à predominância de situações em que prevalecem necessidades do âmbito dos cuidados de saúde, é necessário que nos interroguemos sobre as insuficiências do modelo das respostas sociais Lar de Idosos, claramente deficitário em muitos aspetos:

  •  A assistência no lar de idosos incide maioritariamente na componente social, com uma oferta, em muitos casos, deficitária em cuidados de saúde;
  •  De uma forma genérica, os cuidados são assumidos quase exclusivamente por pessoal sem formação adequada para abranger a amplitude de necessidades que caracterizam esta fase e circunstâncias da vida;
  • As exigências normativas da qualidade são insuficientes. Existem vários guias orientadores de boas práticas, elaborados por instituições, mas a título individual. Não obstante as orientações contidas na legislação sobre cuidados de saúde à pessoa idosa, a problemática da saúde e da doença no idoso institucionalizado não está especificamente contemplada no Manual de Gestão da Qualidade para Lares de Idosos elaborado pela Comissão Técnica da Normalização no Domínio das Respostas Sociais do Instituto Português da Qualidade, cujo principal objetivo é determinar os referenciais normativos para a qualidade das respostas sociais, entre as quais as respostas para Pessoas Idosas, incluindo os Lares;
  • Os cuidados são prestados sem o planeamento, supervisão e avaliação necessários à garantia da qualidade dos mesmos;
  • Verifica-se uma ausência, do ponto de vista estratégico, de quadros de referência com regulação profissional suficientemente abrangente para as intervenções na ajuda ao idoso;
  • Não está também determinado, inequivocamente, qual o peso real relativo dos cuidados de saúde ao idoso institucionalizado nas dinâmicas do lar, sabendo-se já, através de vários estudos, que há necessidades em saúde no idoso residente em lar relacionadas com as atividades de vida diárias, incapacidade cognitiva moderada ou severa, depressão, uso de restrição física, dor moderada ou severa, desnutrição e desidratação, risco de aspiração, incontinência vesical e fecal, obstipação, desempenho cognitivo e relações sociais, saúde mental, delírio, poli medicação e uso de anti psicóticos, infeções, ulceras de pressão, cuidados dentários, cuidados em fim de vida, traumatismos por queda, rigidez articular, maceração da pele, agudização de condições crónicas, etc…
  • Existe uma crescente intromissão de outros cuidadores na área de intervenção de enfermagem;
  • A legislação é vaga quanto ao ratio enfermeiro/residente, ajustado ao contexto de cuidados, graus de dependência do idoso e diferenciação profissional – dos enfermeiros e restantes cuidadores;
  • Não estão formalizados padrões de qualidade para cuidados de enfermagem, quer no que se refere aos ratios, quer às intervenções esperadas e tempo dedicado a cada área dos cuidados.
  • É escassa a evidência sobre necessidades de formação e treino de prestadores, e pouca ou nenhuma formação de base para os principais cuidadores;
  • Há um desconhecimento de iniciativas sobre intervenções em parceria de profissionais, que estimulem formas de trabalho em colaboração entre cuidadores;
  • Existem fragilidades ao nível das atitudes dos técnicos e outros envolvidos nos cuidados ao idoso;
  • É escassa a evidência sobre cultura e práticas nos lares sob a perspetiva dos residentes, pessoal e familiares;
  • A avaliação, a nível operacional, de documentação e divulgação dos resultados obtidos e grau de satisfação dos residentes, familiares e amigos, é claramente insuficiente;
  • Há falta de evidência sobre o acesso dos idosos a cuidados de saúde e com a saúde, qualidade dos cuidados que recebem e impactos dos mesmos nos custos e qualidade de vida;
  • É muito insuficiente a documentação de riscos e a definição de padrões de qualidade relacionados com a avaliação de risco de queda, dor, úlceras por pressão, infeções, imobilidade, entre outros;
  • É insuficiente a evidência sobre potenciais cuidados inapropriados na saúde, poli medicação, descontinuidade no seguimento médico, situações críticas sem atendimento médico e/ou de enfermagem;
  • É escassa a avaliação da qualidade dos cuidados de saúde na perspetiva do idoso, dos familiares e dos profissionais;
  • Os registos de âmbito clínico sobre a situação de saúde e doença dos idosos em lar, é deficitário: há lacunas na gestão e registo de aspetos de saúde como saúde oral, dor, cuidados aos pés, estado mental, tratamentos e procedimentos técnicos, monitorização da TA, diagnósticos de doenças, condições gerais de saúde, prevenção, histórico do idoso antes da admissão com implicações na continuidade dos cuidados, comunicação, …
  • (…)

Estas e outras insuficiências não permitem que seja devidamente assegurada resposta para as necessidades em saúde dos idosos institucionalizados em lar, colocando questões de acessibilidade aos cuidados de saúde e equidade na distribuição dos recursos.

Os enfermeiros são um elemento chave na resolução de muitos destes problemas, mas a valorização do seu papel implica uma terceira mudança em 3 dimensões que interessam especificamente à enfermagem:

a) Legislar de forma inequívoca como é feito o cálculo em horas necessárias de cuidados de enfermagem no lar de idosos. Infelizmente, e a menos que haja outra ideia na forja, documento conjunto “Proposta do grupo de trabalho do ministério da Saúde e da OE – guia de recomendações para o cálculo da dotação de enfermeiros no serviço nacional de saúde”, não menciona a problemática dos lares de idosos, ficando esta área ainda sem solução. Sendo a lei pouco objetiva quando refere um enfermeiro por cada 40 idosos residentes, ou por cada 20 idosos em situação de “grande” dependência (DR 1ª série, nº 58, Portaria nº 67/2012 de 21 de Março, artº 12), sem especificar graus de dependência nem a quantidade de horas de cuidados de enfermagem necessárias, há que rever a legislação e clarificar um método de cálculo de horas de cuidados de enfermagem necessárias nos lares de idosos.

b) Para além da resolução do problema relacionado com o número de residentes por enfermeiro, há necessidade de explicitar quais são as necessidades não satisfeitas em cuidados de enfermagem e os potenciais e reais benefícios da intervenção qualificada de enfermagem.

c) É também o momento para que se reveja o conteúdo do trabalho proposto e realizado pelos enfermeiros, que é pobre face ao potencial que os cuidados de enfermagem têm de contribuir para todos os perfis de atividade num lar de idosos. São inúmeros os estudos que ilustram o contributo único que os enfermeiros podem dar, quer na administração, nos aspetos estruturais e de funcionamento das instituições, na gestão a todos os níveis, na formação de outros cuidadores, na investigação e na atividade clínica. Importa que os resultados desse trabalho tenham visibilidade e impactos na saúde das pessoas, nos lares, nas instituições de saúde, nos profissionais, nas famílias, e nas despesas do Estado.

Na atividade clínica, o enfermeiro tem competências para intervir na adaptação ao processo de envelhecimento, na promoção da autonomia funcional durante o maior tempo possível, na promoção e proteção da saúde de acordo com cada caso individual, na satisfação de necessidades em saúde identificadas, percebidas e/ou expressas, na prevenção de complicações de situações patológicas e no desenvolvimento do projeto de saúde de cada idoso no respeito pela sua autonomia, preservação das suas capacidades físicas, psicológicas e sociais assim como no desenvolvimento de novas capacidades, o estímulo à pessoa para que esta se insira no seu meio, na prevenção do isolamento social, na defesa dos seus direitos, e na ajuda nos processos de luto. Estas são áreas que fazem parte do que se preconiza para um envelhecimento digno. A satisfação das necessidades em saúde que se enquadram nestas áreas diz respeito aos enfermeiros, que são os profissionais competentes para dar uma resposta completa e alinhada com os objetivos da OMS para a prestação de cuidados de saúde à pessoa idosa e com as orientações da DGS sobre a prestação de cuidados de saúde ao idoso.

Muito embora as expectativas dos lares em relação à enfermagem possam estar alinhadas com uma visão ultrapassada das necessidades dos idosos e não haja grande disposição para investimento em mão de obra qualificada, o que deve prevalecer e ser devidamente imposto pela Lei é o respeito pelo direito que os idosos têm ao cuidado. Ao cuidado social e aos cuidados de saúde.

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