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Ministra da Saúde sobre a revisão da carreira de enfermagem

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Revista Nursing

Há serviços que poderão ter um número de enfermeiros inferior ao que poderia ser aconselhável, mas há muitos serviços que ultrapassam os rácios aconselháveis.

Nursing nº 238

 

Na opinião da Ministra, é aos enfermeiros directores que estão nos conselhos de administração, que cabe a tarefa de definir o número de enfermeiros necessário para os seus serviços.

“Trabalho exclusivamente no SNS por opção porque acredito que o serviço público tem que ter profissionais dedicados que permitam garantir cuidados de saúde à população, como determina a Constituição Portuguesa.”

Há serviços que poderão ter um número de enfermeiros inferior ao que poderia ser aconselhável, mas há muitos serviços que ultrapassam os rácios aconselháveis.

“… os cuidados de saúde em Portugal estão muito centralizados na pessoa do médico, na necessidade do recurso ao médico e à consulta médica. ”

Ministra da Saúde sobre a revisão da carreira de enfermagem 

“Penso que é possível sair com uma plataforma de entendimento”

Há sete meses à frente da pasta da Saúde e no dia em que aconteceu a primeira reunião para a revisão da carreira de enfermagem, a ministra falou com a NURSING e fez um balanço das perspectivas que tem para o modelo de desenvolvimento profissional dos enfermeiros. A titular falou ainda da reforma dos cuidados de saúde primários, da sustentabilidade do SNS e da reestruturação das urgências. Tudo em prol da manutenção do SNS.

Texto Maria Fernandes Teixeira e Ana Saianda.

Edição: Violante Assude

Fotos André Roque

Apesar do perfil low profile que tem adoptado nos media, Ana Jorge está longe de estar desatenta aos problemas e à realidade da Saúde em Portugal. Sem parecer querer entrar em rupturas, porque estas, diz, “causam instabilidade”, Ana Jorge lá vai levando a água ao seu moinho graças ao grande poder de diálogo que parece ter. Veja-se o silêncio mediático em torno do encerramento de algumas Urgências, que continua a acontecer e sem contestação popular.

Aconteceram hoje as primeiras reuniões para a revisão da carreira de enfermagem. Pode já dizer-nos como correram os primeiros encontros?

Acho que foram positivos. Não houve acordo a cem por cento em todas as matérias, mas foram encontradas algumas plataformas de encontro.

Quais considera serem as áreas mais críticas de discussão?

São os temas relacionados com a carreira de enfermagem. Uma das questões proposta pelos sindicatos foi que houvesse um grau de carreira que permitisse que todos os profissionais pudessem chegar ao topo.

Outro processo relevante é o exercício de um tempo tutelado na enfermagem após o término do curso. Este é um assunto complexo, que precisa de muito aprofundamento e discussão, na qual que a Ordem tem um papel fundamental. Trata-se de uma questão de pré-carreira, ou grau zero, mas essa é uma área que precisa de uma grande reflexão, mais o que uma discussão. Igualmente pertinente é a questão das 40 horas.

É exactamente essa questão das 40 horas que mais desagrada aos enfermeiros. Ela vai ser repensada por parte do Ministério?

Tem que ser analisada. Durante muito tempo os sindicatos reivindicaram o horário de 35 horas, na defesa de que a enfermagem é um trabalho muito desgastante, uma vez que é um trabalho por turnos, o que passados alguns anos se torna desgastante. A forma de pagamento de horas extra é outra das discussões propostas. Este é um processo que não está consensualizado, que está em cima da mesa e que tem que ser reflectido por ambas as partes.

Depois deste primeiro encontro achei que há boas possibilidades de encaminhamento. Se calhar não vamos estar todos de acordo, mas penso que é possível sair com uma plataforma de entendimento.

O desemprego na enfermagem atinge hoje milhares de enfermeiros, apesar disso ouvimos recentemente num jornal que o próprio ministério teria contabilizado carência de enfermeiros nos serviços do SNS. Como justifica esta questão?

Naturalmente haverá aqui fórmulas e contabilidades que poderão não estar com rácios e realidades actualizados, no fundo são pressupostos. Penso que esta situação merece um estudo mais aprofundado por parte do Ministério, porque no fundo os rácios de enfermagem são feitos por graus de dependência dos doentes. Esses são feitos por serviço e por número de camas do serviço. Ora, o número de camas é muito variável e hoje não pode ser o único valor a ser considerado, até porque cada vez mais fazemos processos de hospital de dia ou áreas de ambulatório. Portanto tudo isto tem que ser repensado e formulado de outro modo.

Há serviços que poderão ter um número de enfermeiros inferior ao que poderia ser aconselhável, mas há muitos serviços que ultrapassam os rácios aconselháveis.

São os enfermeiros directores que estão nos conselhos de administração, quem deve definir o número de enfermeiros precisos para os seus serviços e não o contrário.

A reforma dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) já foi apelidada “a mais importante reforma social da actualidade em Portugal”. No entanto, denota-se algum atraso, já que os Agrupamentos de Centros de Saúde (Aces) deveriam estar no terreno até ao final do Verão. Já iniciaram os convites para os lugares de direcção?

(risos) Ainda não foram formalizados convites. É evidente que há todo um processo de identificação de profissionais que possam assumir esses lugares, por terem dado provas das suas competências e isso tem vindo a ser feito.

Os Aces, do ponto de vista geográfico, já estão definidos. Há apenas pequenos acertos na zona Centro.

Os Aces não terão autonomia financeira. Esse aspecto foi retirado do diploma…

Foi, permanece na administração regional de saúde (ARS). Mas os Aces têm funções delegadas. Por exemplo, o processo de contratualização com os centros de saúde e com as USF, a partir do momento em que o plano está aprovado, faz parte do Orçamento da ARS e tem de ser assumido como tal. Esta é a grande diferença. As unidades passam a ter um contrato-programa efectivo, uma carteira de serviços para cumprir, para o qual existe financiamento, enquanto antes era um pouco pedagógico. A equipa será responsabilizada pelo seu cumprimento e poderá ser penalizada, nomeadamente no vencimento.

Em relação às USF, o número de candidaturas ultrapassou as 180 e estão já 141 em funcionamento, muito perto da meta assumida pela tutela até ao final do ano. Fica-se, no entanto, com a ideia que os que eram favoráveis à transição já o fizeram e os restantes (a grande maioria, mais de 3.500 clínicos) estão reticentes em relação à mudança…

Muitos profissionais dos centros de saúde já trabalhavam nos moldes das USF, mas não são formalmente USF porque se encontram no interior, em zonas menos populosas e não dispõem de um número suficiente de profissionais para se candidatar. Para os centros de saúde tradicionais, tem de haver um modelo diferente que possa reconhecer o trabalho que têm vindo a fazer.

Está a dizer que é preciso converter os centros de saúde tradicionais num modelo idêntico ao das USF?

Exacto. Após termos conseguido mais de 150 USF é altura de dedicar tempo aos centros de saúde tradicionais. Vamos chamá-los e ver como podem ser integrados na reforma, mantendo a sua própria identidade.

A sustentabilidade do SNS é um problema a curto prazo. É sabido que entrará em ruptura por falta de verba dentro de alguns anos…

O problema do SNS não é dinheiro, é organização e boa gestão. Temos de ter capacidade de gerir bem e tratar os doentes com aquilo de que necessitam.

É preciso que existam orientações clínicas, que se prescreva apenas o que é necessário e não ir atrás da última moda nem do que “nos vendem” como o melhor. É preciso que haja um combate muito rigoroso ao desperdício e quem anda nos serviços sabe que ele existe. É preciso apagar a luz do serviço quando ela não é necessária, e isso não é feito.

Houve um estudo de sustentabilidade feito pela equipa anterior que apontou que mesmo os serviços melhor geridos ainda tinham condições para melhorar o desperdício.

O rigor nas contas da Saúde, a mudança da gestão dos hospitais para EPE tem vindo a melhorar a eficiência do SNS, o que permitiu que não tenhamos tido nos últimos anos orçamentos rectificativos, que era uma prática de sempre.

Dê-nos alguns exemplos de ineficiência nos serviços…

A prescrição de alguns medicamentos, nomeadamente antibióticos, tem de ser muito rigorosa. Não só porque se trata de medicamentos caros, mas porque se corre o risco de criar resistências aos antibióticos. O uso de alguns antibióticos de última geração, quando existem fármacos mais simples e baratos, é gravíssimo para o SNS.

A prescrição de determinadas substâncias de marca muito dispendiosas, quando existe genérico, é outro exemplo.

O financiamento do SNS deverá manter-se exclusivamente por via dos impostos?

Qual é a outra hipótese? Seguros de saúde? Quem quer ter um seguro de saúde é livre de o fazer, mas a população em geral deste país não tem capacidade para pagar um seguro de saúde que lhe permita ter serviços de saúde quando precisa.

Se se descapitalizar o SNS, corre-se o risco de ter um serviço nacional dos pobres e, portanto, não ter capacidade de desenvolvimento para tratar esses mesmos pobres, e os ricos que têm situações graves que não são tratadas pelos seguros.

O mapa das Urgências já está completamente operacional?

O mapa das urgências tem vindo a ser paulatinamente afinado e implementado o que faltava.

Temos vindo a abrir urgências básicas, à medida que se vão organizando. A mais recente abertura foi em Monção. Nesse local, as obras vão durar cerca de um ano e como vão levar tempo montaram-se contentores para a urgência. São contentores excelentes com ar condicionado. A urgência do Hospital de S. João, no Porto, tem vivido com contentores, funciona muito bem, de tal maneira que é muito melhor estar no contentor do que na urgência velha, quer para os profissionais e para os utentes que tinham uma boa sala de espera, boas condições de isolamento e privacidade.

Algumas urgências básicas de que falei estão a abrir em hospitais de nível 1, outras em centros de saúde, mas a prestação de cuidados é idêntica.

E nas urgências médico-cirúrgicas…

Nessas unidades que funcionam habitualmente em hospitais distritais, a Triagem de Manchester, por exemplo, que pode ser uma grande melhoria no atendimento dos doentes. Isso é feito também nas urgências básicas, de modo a que o doente espere de acordo com a sua gravidade, ou não espere e entre imediatamente. Temos feito formação dos profissionais em triagem e obras em inúmeros serviços de urgência para que as condições de atendimento dos utentes sejam melhores.

A reestruturação das urgências está, então, a avançar, ainda que a comunicação social fale pouco dela…

Exacto. Temos vindo a reforçar a ligação com os bombeiros e o INEM em determinados locais, de modo a melhorar o socorro às pessoas.

Há acordos estabelecidos em dois ou três locais, em zonas do interior, em que está a funcionar muito bem. As ambulâncias têm melhorado muito a capacidade de socorro às pessoas.

É isso que tem feito com que não se tenha visto contestação popular, apesar da reestruturação estar em marcha…

Provavelmente.

Os encerramentos que estavam previstos não deixaram nem deixarão, então, de ser feitos…

Têm vindo a ser feitos, lentamente e discutindo com as pessoas. Nunca nenhum encerramento tem sido feito sem sentar todas as pessoas à volta da mesa e dizer já está cá isto, está a funcionar. O que se tem criado é aquilo que é preciso para o local.

Os encerramentos que houve foram encerramentos nocturnos que não eram necessários do ponto de vista prático e teórico, mas em que a população tinha a sensação de que lhes era importante e isso percebe-se. Tenho que garantir que se ela precisar de atendimento tem quem o faça.

A senhora ministra foi a primeira governante da Saúde dos últimos tempos a assumir que existe falta de médicos em Portugal e, sobretudo, que é preciso encontrar formas de fixar os médicos no SNS… Em termos concretos, como pretende fazê-lo?

Talvez no todo nacional, o rácio de médicos face à nossa população poderíamos dizer eventualmente que teríamos um rácio suficiente. Há é uma grande assimetria na distribuição geográfica dos médicos e uma grande carência em algumas especialidades, como a Medicina Geral de Familiar e algumas especialidades generalistas.

Outro problema é que os cuidados de saúde em Portugal estão muito centralizados na pessoa do médico, na necessidade do recurso ao médico e à consulta médica. Temos de ter equipas de saúde multidisciplinares, com médicos e outros profissionais, para que possa haver uma prestação de cuidados integrada, em que o papel do médico é central mas em que muitos cuidados podem ser feitos por outros elementos desta equipa alargada. Obviamente não estamos a falar de diagnóstico e de prescrição terapêutica, mas em cuidados de saúde.

Está disponível para continuar à frente da Pasta da Saúde após das eleições legislativas do próximo ano?

Sei lá (risos)! Falta um ano, não sei o que me vai acontecer este ano.

Que compromissos/bandeiras gostaria que o PS assumisse para estas eleições, no que diz respeito à Saúde?

Toda a gente que me conhece sabe que sou uma defensora acérrima do serviço público. Sou médica e sempre trabalhei no SNS em dedicação exclusiva. Tive uma experiência no privado, de dois a três anos no máximo. E trabalho exclusivamente no SNS por opção porque acredito que o serviço público tem que ter profissionais dedicados que permitam garantir cuidados de saúde à população, como determina a Constituição Portuguesa.

Entrevista em parceria com revista especializada SEMANA MÉDICA