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Medição de Feridas: Porque é Importante Medir? 

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Grupo Associativo de Investigação em Feridas

A avaliação de feridas é de uma importância extraordinária para os profissionais de saúde, porque permite não só avaliar o estado inicial da ferida que irá iniciar tratamento, como também o sucesso ou insucesso do mesmo.

João Carlos F. Gouveia (C. S. Pampilhosa da Serra)

RESUMO

A avaliação de feridas é de uma importância extraordinária para os profissionais de saúde, porque permite não só avaliar o estado inicial da ferida que irá iniciar tratamento, como também o sucesso ou insucesso do mesmo. Assim, é necessária a escolha de um método fiável, seguro e de continuidade, universal para a equipa de cuidados, que permita uma verdadeira continuidade de cuidados baseada em dados fidedignos. Este artigo aborda os métodos mais utilizados nos serviços de saúde e avalia um método ainda recente, mas totalmente inovador na avaliação de feridas.

ABSTRACT

The wound assessment is of invaluable relevance for the healthcare professionals, because it allows not only he initial status of the wound that will initiate treatment, but also is success or failure. Thus, it’s necessary the choice of a reliable method, safe and that able continuity, universal to all healthcare members, that allows a real continuity of care, based in reliable data’s. This article focus on the most used methods in the healthcare services and evaluates a method yet recent, but totally innovator in wound measurement.

INTRODUÇÃO

Os resultados de qualquer intervenção são avaliados por uma unidade de medida pré-determinada, e que preferencialmente, deverá ser unanimemente aceite como tal. No tratamento de feridas, infelizmente, ainda não temos uma forma de medir os resultados dos tratamentos instituídos, muito devido à “falta de métodos objectivos de medição que possam ser aplicados de forma segura e ética ao ser humano” (Ahroni e col., 1992, citado por Vowden, 1996).De facto,“a falta da aceitação de um método de medição das dimensões de feridas, preciso e objectivo, é o maior obstáculo para a avaliação de regimes de tratamento efectivos” (Plassmann, Melhuish e Harding, 1994, p.50), daí que muitas vezes se assistam a resultados evolutivos da cicatrização de feridas dúbios, com oscilações enormes nos parâmetros métricos avaliados, sendo que “a avaliação reprodutível da cicatrização de feridas tem provado ser um desafio formidável”, como defende Dyson e colegas (2003, p. 116).

Esta situação de avaliar resultados na área do tratamento de feridas coloca nos profissionais o ónus de enviezarem, ou não, os resultados dos seus próprios esforços, pois “a avaliação e documentação precisas da cicatrização de feridas são essenciais, se os profissionais querem efectivamente avaliar os benefícios das várias abordagens de tratamentos” (Flanagan, 1997, p. 6). Mais ainda, “a avaliação da ferida antes e durante o tratamento pode ajudar a manter um tratamento padrão óptimo, enquanto mantém o paciente informado do seu prognóstico inicial e progressos posteriores em direcção à cicatrização” (Moore, 2005). Assim sendo, os registos de evolução, assentes num ou mais instrumentos, aceites como tal pela equipa de saúde ou Instituição, revelam-se de valor incalculável. De outra forma, tentar avaliar a evolução de uma ferida apenas assentes em suposições, seria um exercício votado ao insucesso e vários passos atrás na cientificidade do tratamento de feridas.

De acordo com Flanagan (1997), existem princípios importantes que devem ser tidos em conta, quando utilizando qualquer instrumento de classificação. Assim:

  • Todos os membros devem utilizar o mesmo sistema;

  • Toda a gente deve entender exactamente como utilizá-lo;

  • A classificação de feridas é documentada de forma precisa;

  • O progresso da cicatrização de feridas é reavaliado de forma apropriada; se avaliado muito frequentemente, as diferenças no tamanho da ferida serão difíceis de monitorizar.

A avaliação de feridas tem de passar pela avaliação de vários critérios, nos quais podemos verificar que as medidas da ferida são um dos parâmetros mais visíveis, e aparentemente mais fáceis de realizar. Segundo Ayello (2005), são 11 as dimensões a caracterizar quando se avalia uma ferida, sendo estas:

  • localização anatómica da ferida

  • tamanho, forma, estádio

  • sinus tracto, tunelização, loca

  • exsudado

  • sépsis

  • pele circundante

  • maceração

  • bordos, epitelização

  • tecido necrótico

  • tecido do leito da ferida

  • estado.

Todavia, as medição da ferida ocupa grande parte dos registos de enfermagem, sendo que os métodos mais utilizados são o comprimentos X largura, fotografia e o acetato (Dealey, 1991; Vowden, 1996; Flanagan, 1997; Charles, 1999; Thawer e colegas, 2002; Ayello, 2005). No entanto, todas estas avaliações apresentam vantagens e desvantagens que se podem revelar importantes na hora de comparar resultados, quer entre elas, quer entre métodos que entretanto foram surgindo e que se revelam mais fiáveis na precisão da medição das áreas e resultados obtidos.

MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DE FERIDAS

No que respeita ao método do comprimento X largura, este é o mais fácil de realizar e, provavelmente, o mais popular entre os profissionais de saúde (Vowden, 1996). Tem por base a medição do maior comprimento da ferida com a maior largura, em pontos perpendiculares entre si. No entanto, estas avaliações são muitas vezes subjectivas (Charles, 1999; Flanagan, 2003), se a ferida é irregular (como o são a maioria das feridas crónicas) pode ser difícil decidir quais as reais dimensões da ferida (onde terminam os bordos da ferida) e a fiabilidade desta técnica diminuem à medida que o tamanho da ferida aumenta (van Riswijk e Polansky, 1994, citado por Thawer e colegas, 2002). Assim sendo, embora seja um método de, aparente fácil aplicação, as desvantagens associadas são enormes.

Quanto ao método da fotografia, hoje em dia mais a fotografia digital, este é um método que apenas (?) necessita de uma máquina digital de qualidade média, oferece um meio mais directo de obtenção de imagens de feridas analisáveis informaticamente (Charles, 1999) (por exemplo, através do programa Mouseyes), mas que tem de estar associado a outras técnicas de medição, a menos que estejamos a falar da estereofogrametria. Assim, este método é um método em que é necessário obedecer a alguns procedimentos, como sejam, fotografar preferencialmente a ferida contra um funda negro para absorver a luminosidade do flash, assim como em situações de úlceras de perna, pode ser necessário tirar mais do que uma fotografia para se ter uma visão de toda a área afectada. È útil para se avaliar o tipo de tecido presente na ferida (se este for a forma de avaliação escolhida pela equipa). Como desvantagens, verificamos que é um método que pode consumir elevado tempo (podem ser necessárias várias fotos da mesma ferida até se obter o resultado pretendido), subjectivo (Dyson e colegas, 2003), numa perna temos a situação da distorção pela curvatura do membro e a dificuldade em ter o membro sempre na mesma posição original para se avaliar correctamente a evolução cicatricial (Plassman, Melhuish e Harding, 1994; Moore, 2005), pois qualquer variação no ângulo da câmara pode reduzir a área avaliada em 10% (Flanagan, 2003), para além de, tal como o comprimento X largura, não avaliar a profundidade. Finalmente, mas não menos importante, deve ser obtido o consentimento escrito do paciente para a realização deste procedimento (Flanagan, 1997).

Quanto ao método do acetato, este é um método que, no contexto actual dos cuidados de saúde, é utilizado em virtude de existirem materiais de penso que trazem este material acoplado, e apresenta como vantagem principal poder ficar no processo como documento legal. Como desvantagens, é um método subjectivo, em que é necessária uma elevada qualificação para delimitar os bordos da ferida, especialmente em feridas pequenas, nos membros inferiores ou feridas perto de pregas cutâneas (Flanagan, 2003). Também o facto de não avaliar o tipo de tecido presente na ferida não está a favor deste método, assim como o facto de também não avaliar a profundidade. Mais ainda, “a contabilização de quadrados numa folha de papel é subjectiva, especialmente quando acrescentando quadrados incompletos” (Flanagan, 1997, p. 9), o que torna este método difícil de aceitar, num serviço de saúde, como forma de avaliação da cicatrização de feridas.

Assim, na Tabela 1, podemos avaliar as vantagens e desvantagens de cada um destes métodos, que se resumem a medições em dois planos, assim como um método inovador, a planimetria digital portátil (Foto nº 1 e 2), que consegue conjugar as vantagens de todos estes métodos, eliminando muitas das suas desvantagens e revelando-se extremamente útil como instrumento de avaliação.

Assim, a planimetria digital portátil é um método ainda relativamente recente, que engloba um aparelho digital com superfície plana, um estilete esterilizado e duas camadas de folha de acetato. As folhas de acetato são colocadas sobre a ferida e esta é decalcada para as mesmas. A folha que esteve em contacto com a ferida é eliminada e a folha onde foi realizado o decalque é colocada sobre o aparelho onde é novamente repetido o tracejado obtido originalmente. Através deste método, é possível obter, independentemente da forma geométrica da ferida, o maior comprimento, a maior largura, a área total da ferida, a alteração percentual da área da ferida a partir de avaliações anteriores e a percentagem de tecido não viável ou tecido viável, se estas foram também decalcadas (Moore, 2005). De facto, este método é bastante fácil de realizar e em estudos comparativos com outros métodos como sejam o comprimento X largura e o acetato, apresentou melhores taxas de fiabilidade inter-observador (Flanagan, 2003; Gethin, 2006).

     TABELA 1 – VANTAGENS E DESVANTAGENS DOS VÁRIOS MÉTODOS DE MEDIÇÃO DE FERIDAS

MÉTODO

VANTAGENS

DESVANTAGENS

Comprimento X largura

  • Fácil de realizar

  • Barato

  • Reprodutível

  • Prático

  • Baixa fiabilidade, que diminui ao longo do progresso positivo da ferida.

  • Os pontos de avaliação podem não ser os mesmos entre observadores.

  • Subjectivo

  • Sobrevaloriza o tamanho real da ferida (não tem em conta a forma da ferida).

Fotografia digital

  • Imagem disponível imediatamente.

  • Permite avaliar tipos de tecidos presentes na ferida.

  • Elevado consumo de tempo.

  • A fotografia necessita de qualidade elevada.

  • Difícil realização

  • Subjectiva

  • Não avalia a profundidade

Acetato

  • Barato

  • Fácil de realizar

  • Pode funcionar como folha de continuidade de cuidados.

  • Disponível juntamente com muitos pensos actualmente disponíveis.

  • Subjectivo

  • Pode trazer problemas de contaminação cruzada.

  • Elevado consumo de tempo.

  • Não avalia a profundidade.

Planimetria digital

  • Fácil de realizar

  • Elevada precisão em relação à área da ferida.

  • A folha pode servir como folha de registo para continuidade de cuidados.

  • Software informático que acompanha o aparelho é uma ferramenta preciosa.

  • Pode apresentar problemas de custo-benefício aos profissionais pouco despertos para a importância da medição da ferida.

  • Método ainda pouco disseminado.

Todas estas questões assumem uma importância elevada, em virtude de poderem influenciar, positiva ou negativamente, a escolha da forma de tratamento a implementar, e as avaliações subsequentes da decisão dos profissionais de saúde. Quando perante feridas que assumam formas geométricas diferentes do quadrado, rectângulo ou círculo, as diferenças entre os métodos são demasiado notórias, com uma sobrevalorização da área. Por exemplo, quando usando o método de comprimento X largura (Foto nº 3), perante uma forma em L, verificou-se uma área real de 226,3 cm2, ao passo que o método de comprimento X largura apresenta uma área 220% superior ao real.

Também em úlceras de pressão com formato aproximado da forma elíptica (Foto nº 4), no nosso serviço, verificaram-se diferenças entre 7 a 3 cm2, em desfavor para com o método do comprimento X largura. Quanto à fotografia digital (Foto nº 5) e o método de acetato, não fizemos qualquer comparação com a planimetria digital, o primeiro porque entendemos não existirem padrões comparativos entre os métodos, a menos que fossem associados outros métodos de avaliação com a fotografia digital, e o segundo não é prática corrente no serviço.

Assim sendo, constatamos que o método da planimetria digital portátil era fiável, de fácil realização, facultando uma óptima base de dados informática para acompanhamento da evolução do tratamento instituído.

CONCLUSÃO

Numa época em que cada vez mais se avaliam resultados para medir atitudes e intervenções, torna-se fundamental e imprescindível a utilização de uma ferramenta fiável, precisa e prática. Sabendo-se que, como refere Flanagan (2003), a literatura indica que a percentagem de redução da área da ferida é um indicador importante para diferenciar entre feridas a cicatrizar e a não cicatrizar nas primeiras semanas de tratamento, e sabendo-se que uma redução da percentagem de área inferior a 20-40% nas primeiras duas a três semanas são um indicador fiável de que a ferida não está a responder bem ao tratamento (Kantor e Margolis, 2000; Flanagan, 2003; Moore, 2005).

Enquanto se espera que a utilização maciça de escalas de avaliação de feridas (PUSH-versão portuguesa e PSST – versão portuguesa) (Ferreira, Gouveia, Furtado, Miguéns, 2007), já validadas para Portugal, mas ainda pouco disseminadas, venha a representar uma mais valia na avaliação do sucesso ou insucesso dos tratamentos instituídos, estas provavelmente não conseguirão substituir, para já, outros métodos métricos, cujos valores também são referência para algumas dimensões destas escalas. Ou seja, irá existir sempre a necessidade de complementação de métodos de avaliação.

Assim, é de esperar que a escolha do método de avaliação de feridas seja visto como um passo em frente na precisão das avaliações realizadas pelos profissionais, permitindo uma avaliação mais acertada dos materiais utilizados, uma escolha mais acertada dos materiais a utilizar e uma melhor previsão dos resultados a esperar obter, com melhoria da satisfação dos profissionais e da qualidade de vida do paciente.

BIBLIOGRAFIA

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Baranosky S, Ayello E. (2005) O essencial sobre o tratamento de feridas – Princípios práticos. Lusodidacta, Loures.

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Dealey, C. (1991) Medição de uma ferida, Nursing, (47) 38

Ferreira, P., Gouveia, J., Furtado, K., Miguéns, C., (2007) Risco de Desenvolvimento de Úlceras de Pressão – Implementação Nacional da Escala de Braden, Lusodidacta, Loures.

Flanagan, M. (1997) A practical framework for wound assessment 2: methods, British Journal of Nursing, 6 (1) 6-11.

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Thawer, H. A. e colegas (2002) A comparison of computer-assisted and manual wound size measurement, Ostomy and Wound Management, 48 (10) 46-53.

Vowden, K. (1996) Medição de Feridas, Nursing, (98) 31-34

Foto nº 1

Foto nº 2

Foto nº 3

Foto nº 4

Foto nº 5