Dias antes das eleições legislativas, a comunicação social anunciou que o Governo fizera uma actualização salarial a cerca de 11 mil enfermeiros que exercem funções no Serviço Nacional de Saúde. Não há dúvida que nos últimos quatro anos a Enfermagem foi uma das profissões mais afectada pela “crise”. Olhemos apenas para dois exemplos que têm a ver com este recente acordo entre Sindicatos e Governo: há milhares de enfermeiros que trabalham 40 horas por semana mas com um ordenado de 35; e há milhares de enfermeiros em Contrato Individual de Trabalho (CIT) cujo vencimento não obedece a uma regra coerente em todo o território nacional (só para se ter uma ideia, há hospitais em que num só serviço, há 3 ordenados diferentes para CIT´s, havendo até, casos em que uns colegas fazem 40 horas por semana, e outros fazem 35…).
A minha interpretação desta situação não pode ser outra: quem nos governa não está muito interessado em olhar para os problemas dos enfermeiros, tentando arrumar a casa, mesmo que, e eu sei perfeitamente que o país não tem os cofres cheios, não houvesse um “brutal” aumento salarial. Aliás, eu penso até que estas são estratégias de quem está interessado, simplesmente, em gerar alguma divisão entre pares, para dessa forma distrair as atenções dos verdadeiros problemas e dos seus principais responsáveis.
Numa sondagem levada a cabo pelo Fórum Enfermagem, em período pré-eleitoral (http://forumenfermagem.org/comunicacao/reportagens/em-analise/item/8671-sondagem-legislativas-2015#.VjNS9LfhDIU), a maioria dos inquiridos disse que ia votar PSD/CDS (28,7%). O PS colheu 27,1% das preferências, havendo um número significativo de indecisos (8,5%). Este estudo foi feito com base num inquérito online, pelo que poderá não corresponder com exactidão à opinião da maioria dos enfermeiros. Ainda assim, dá-nos um sinal claro de uma tendência, que de resto, está em linha com as sondagens pré-eleitorais, e com os próprios resultados do dia 4 de Outubro. Não é crime algum que os enfermeiros tivessem votado maioritariamente na PàF nas últimas legislativas. Não podem é, depois, queixarem-se de que a profissão não tem a atenção que merece. Nisso, a coligação que nos governou foi muito clara: tem um determinado modelo de desenvolvimento para o país, tem uma determinada visão sobre a prestação de cuidados de saúde à população e tem uma determinada visão sobre a relação entre as diversas profissões da saúde. Eu, não concordo com nenhuma das três opções estratégicas e por isso, não faço parte dos 28,7%. Isto não significa que eu tenha uma crença cega que os outros partidos nos vão dar o paraíso.
As negociações entre Sindicatos e Ministério da Saúde não são fáceis e há determinados detalhes que nos escapam. Alguns colegas defendem que este acordo entre as partes permitiu ao Governo limpar a imagem perante a opinião pública (e perante os próprios enfermeiros), capitalizando votos no dia das eleições. Defendem, por isso, que deveria haver mais firmeza por parte dos Sindicatos, mantendo as greves agendadas. Seria uma decisão controversa e implicaria uma dinâmica dentro da profissão que duvido estarmos preparados para implementar, neste momento (as cedências e intransigências à mesa negocial serão tanto mais consentâneas com o interesse dos enfermeiros, quanto mais estreita for a comunicação com os seus Sindicatos). Eu explico melhor: numa negociação deste tipo temos a visão do Governo e as reivindicações laborais; em tempos difíceis como aquele que vivemos, há fronteiras difíceis de ultrapassar, e das duas uma, ou se adopta uma postura de tudo ou nada (e aí o risco de descontentamento dos enfermeiros para com os Sindicatos pode aumentar), ou então, aproveitamos as cedências que vão sendo feitas por quem tem a faca e o queijo na mão (e nesse caso, a possibilidade de descontentamento entre enfermeiros também existe, na medida em que algumas injustiças persistem…).
A melhor forma de contrariar esta armadilha é darmos força aos nossos Sindicatos. Goste-se ou não, são eles que nos defendem e são eles que conseguiram o que temos hoje. Quem não gosta da estratégia do Sindicato A, pode mudar para o Sindicato B ou C. E naturalmente, dentro do Sindicato A, B ou C, nem todas as decisões serão consensuais. No limite, crie-se um novo Sindicato! Custa-me ver determinado tipo de ataques aos Sindicatos, por vezes infundados, e por vezes, vindos de quem pouco ou nada contribuí para a defesa dos interesses da profissão. Participemos activamente na construção/transformação dos Sindicatos que queremos para a Enfermagem. Vem isto a propósito do fenómeno “free rider”. Não sei se algum dia haverá uma obrigatoriedade em que todo o trabalhador se sindicalize. Aquilo que sei, é que haverá trabalhadores que à boleia de uma postura do tipo “os sindicatos não prestam e não fazem nada” (ou simplesmente devido a um certo aburguesamento) não contribuem para uma causa que é de todos, mas beneficiam dos ganhos (por vezes pequenos) que entretanto se consigam. Houve quem lhe chamasse oportunismo (e outras coisas acabadas em “ismo”) e logo choveram milhares de críticas… Eu vou ser mais moderado: é um dever ético de cada um contribuir para a defesa da sua profissão. Beneficiar apenas os associados do Sindicato que negociou este ou aquele dossier, tal como acontecera na TAP há cerca de um ano, é não só algo polémico, como, de acordo com determinadas interpretações, inconstitucional.
Alguns colegas têm levado a cabo acções judiciais para defesa dos seus direitos. Não sendo jurista, há detalhes que não domino, e portanto não sei se este é o melhor caminho a seguir. Dizem-me que o enquadramento das reivindicações, pelo menos nalguns casos, não estará a ser feito da forma devida. Aguardemos por novos desenvolvimentos. Até lá, há uma coisa que é certa: o termo de comparação com que são feitas essas reclamações de equidade, são as conquistas alcançadas pela via sindical.