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Laurinda Pinto: “a elecrocardiografia é vista como uma área complexa e de difícil compreensão?”

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A electrocardiografia é uma área de suma importância para a prática de Enfermagem, atendendo à quantidade de doentes que requerem monitorização electrocardiográfica, independentemente do serviço ou área em que estes recebem cuidados de Saúde.

Por outro lado, a realização e consequente interpretação primária do ECG em muitos contextos é responsabilidade do Enfermeiro, o que coloca perante este a necessidade de dominar os vários aspectos da electrocardiografia desde a sua realização até à interpretação.

No entanto a elecrocardiografia é vista como uma área complexa e de difícil compreensão por um grande número de profissionais, opinião construída em parte devido a técnicas pedagogias erradas e pouco sistematizadas usadas na formação básica ou complementar destes profissionais nesta área.

Assim, a aquisição de competências alargadas no âmbito da electrocardiografia é um desafio aliciante tanto para os profissionais que as procuram como para o formador que facilita a sua aquisição.

É neste contexto que fazemos uma breve entrevista à Enfermeira Laurinda Pinto, responsável pelo curso de electrocardiografia e monitorização cardíaca da Foramplus, uma das pioneiras do ensino sistematizado da electrocardiografia em Enfermagem e uma perita reconhecida na área da electrocardiografia e respectivo ensino:

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1. A electrocardiografia é entendida por um grande número de Enfermeiros como uma área complexa e de difícil aprendizagem. Concorda com este ponto de vista?

Eu formadora de ECG há mais de 10 anos, tenho obviamente uma opinião diferente, mas se essa pergunta me tivesse sido colocada há 20 anos atrás, sim sem dúvida responderia que não era uma área de fácil aprendizagem.

Desde há muito e pelo gosto que tenho pela temática não posso concordar, mas se voltar atrás à enfermeira do passado, nos primeiros anos de profissão e de contato com doente critico monitorizado, só posso concordar, era tão difícil para mim como para a maioria dos meus colegas. Atualmente já existem algumas mudanças no ensino pré-graduado, mas durante muitos anos monitorização e eletrocardiografia não faziam parte dos conteúdos programáticos dos cursos de Enfermagem.

E nos estágios finais do curso, em Serviços de Urgência e Cuidados Intensivos é que as verdadeiras dificuldades chegavam. Recordo algumas expressões que nós os “enfermeiros quase finalistas” usávamos frequentemente; ” B a olhar para palácios” e “aqueles monitores dão-me um nó nos neurónios”.

Os enfermeiros que trabalhavam nos locais de estagio com doentes monitorizados continuamente, tinham saberes na área, não nego, reconheciam com facilidade as alterações que constituíam risco acrescido para os doentes, o problema era a dificuldade em encontrar como eles diziam “as palavras certas para poderem explicar”…Sim, também para mim foi difícil a aprendizagem e também considerei uma área complexa.

E neste exercício de voltar atrás, relembro em 1988, as primeiras explicações dos colegas enfermeiros mais antigos do Serviço de Reanimação Respiratória do então Hospital Geral de Santo António, (que nó… e não conseguiram desata-lo), sim porque eu era mesmo insistente e queria compreender.

Relembro o primeiro livro que comprei; “ECG- Fácil do John R. Hampton” penso que a primeira edição em português do brasil, já o emprestei e perdi rasto, mas fez me entender alguns conceitos básicos sem ter que decorar, lembro me quando em 1990 iniciei funções na UCIP do CHVNG, quem aparentemente dominava a temática me tentava explicar e no fim tínhamos sempre mais duvidas do que antes de eu ter colocado a questão… Não foi fácil o processo, reconheço.

Mas este percurso só foi difícil porque sempre me recusei a apenas decorar conceitos e foi a busca pela compreensão que me fortaleceu; assumi um compromisso publico que um dia iria saber explicar com palavras simples, com uma metodologia acessível que seria compreensível e fácil para a maioria das pessoas.

Este compromisso, implicou o estudo de diferentes teóricos, muitos livros de ECG , a mesma eletrocardiografia mas linguagens diferentes que precisavam ser compreendidas.

Sempre gostei de aprender e partilhar, decorridos 10 anos de cuidados intensivos, fazia formação sobre outras áreas do doente critico e era reconhecida como tal, mas a eletrocardiografia foi mesmo a ultima área na qual me senti verdadeiramente capaz de formar outros; não me poderiam faltar as palavras certas, simples, desconstrutoras e edificadoras do saber.

Há 12 anos comecei a fazer formação profissional de Eletrocardiografia, primeiro como áreas modulares de outros cursos e há aproximadamente 7 anos como curso independente.

E pelo feedback dos formandos, acredito (sinto) que cumpri a promessa.

O eletrocardiograma é um exame largamente realizado mas é simplesmente um registo gráfico. Engloba muitas informações importantes sobre o “estado de saúde elétrico do miocárdio” e tem como principal indicação o estudo e identificação de arritmias cardíacas e sim é fácil compreender, só é preciso encontrar o método certo.

2. Uma grande parte das competências que os Enfermeiros adquirem, fazem-no em contexto de exercício profissional. Relativamente à electrocardiografia, de que forma é que um curso formal sobre este tema pode facilitar a aquisição de competências em contexto profissional?

O exercício profissional é o local de aprendizagem por excelência, é no exercício diário que se sentem as reais necessidades e o caminho que traçamos para encontrar respostas que fundamentem a prática dos cuidados.

No entanto ao longo dos meus “mais de 25 anos” sempre a trabalhar com doente critico, monitorizado continuamente, poucos foram os colegas com capacidade para desconstruir electrocardiografia e a explicar de forma simples, compreensível para quem tem poucas bases na área.

Este curso e a forma como está organizado, cria certezas desde o segundo dia de formação, (o primeiro dia só cria duvidas reconheço) e este é mesmo o objectivo principal.

Quem faz este curso adquire competências tais que lhe permitem com rapidez identificar traçados que constituem perigo para os utentes, conseguem ter uma visão clara da normalidade, da anormalidade com risco e sem risco. Seja num doente critico monitorizado continuamente, seja num utente saudável.

Muitos dos formandos destes últimos cursos que fiz, estão ligados à medicina no trabalho e realizam a “trabalhadores aparentemente saudáveis” ECGs e é aqui no”mundo dos saudáveis”em que o profissional está sem retaguarda que saber mais nesta área ajuda, e tenho casos relatados em que efetivamente fez a diferença.

3. Atendendo à sua vasta experiência no ensino da electrocardiografia, que atributos tem de possuir um curso nesta área em termos pedagógicos, para que a apreensão dos conhecimentos e competências se processo de uma forma eficaz?

Este processo formativo é um processo dinâmico, cada curso tem um conteúdo programático a cumprir, mas a abordagem nunca é igual, os formandos, a sua autonomia, os seus próprios objetivos também determinam a metodologia, o meu papel no processo é essencialmente de facilitadora e assumidamente motivadora para a temática.

Pessoalmente gosto mesmo de uma metodologia activa, em 24 horas de curso, há um recurso continuo a casos, exercícios, bancas praticas muitas vezes determinadas pelos próprios formandos, sem perder o norte que será cumprir o conteúdo definido.

Estabeleço com os formandos, um jogo contínuo com base na neuroeducação, na certeza que só se aprende o que efetivamente se procura e se gosta e ensinar a gostar de eletrocardiografia é o objetivo subliminar. Demonstrar que os saberes na área trazem algo de novo e permitem novas formas de agir profissional com base no “novo” saber é mesmo gratificante.

O cérebro humano gosta do novo, do diferente, de tudo o que chama a atenção e gera excitação, então todos os minutos do curso têm obrigatoriamente que se destacar da monotonia, o quemodifica claramente a relação formando-formador.

Ciente de que há muitas formas de se partilhar informação e fazer formação; a base desta diferença metodológica reconheço é linguagem usada, o numero de cursos realizados, o exercício profissional sempre com doentes monitorizados continuamente, permite um constructo que tem por base uma linguagem simples, concisa e objetivos acessíveis.

4. Ao longo dos vários anos como formadora, que feedback lhe têm transmitido os formandos relativamente ao curso

A alegria que originalmente significava aprender; era realmente memorizar, neste curso, a alegria é mesmo compreender, então no final da formação, como formadora tenho é um orgulho gigante por me ter sido dada a oportunidade de ver o grau de empenho e responsabilidade dos formandos durante o curso e a autonomia final de cada um na área, o papel que desempenharam nesse processo as aptidões/competências que adquiriram e ai não há quem escape à alegria, terminar um curso é quase sempre uma festa, sem exagero.

A avaliação do curso pelos formandos é sempre muito satisfatória e é essa avaliação que me faz continuar.