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Intolerância à lactose e alguns diagnósticos diferenciais

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Revista Nursing

A intolerância à lactose (IL) é uma situação razoavelmente frequente na população portuguesa, apesar de sub-diagnosticada

Título

Intolerância à lactose e alguns diagnósticos diferenciais

Lactose intolerance and some differential diagnoses

Nursing nº271

AUTORES

M. Santos

– Licenciada em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar (Universidade do Porto)

– Especialista em Medicina Geral e Familiar (com formação disponibilizada pela ARS Norte)

– Mestre em Ciências do Desporto (área de Actividade Física e Saúde) pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

– Pós-graduanda em Medicina do Trabalho pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

Presentemente a exercer na Associação da Liga Mutualista do Porto, Cliwork, CSW, Medictime, Control Safe e Atlanticare.

C. Gomes

– Licenciada em Enfermagem pela Escola Superior de Enfermagem Santa Maria

– Pós-graduada em Emergência e Catástrofe pela Escola Superior de Enfermagem Santa Maria

Presentemente a exercer no I.P.O. (Porto), serviço de Cuidados Paliativos.

RESUMO

Introdução

Apesar de a maioria dos casos não ser detentora de gravidade, trata-se de uma patologia que diminui a qualidade de vida e facilmente não é diagnosticada/orientada.

Objectivo

Fornecer aos profissionais de saúde os dados mais relevantes/actuais sobre a temática.

Metodologia

Foi realizada uma pesquisa utilizando as palavras/expressões-chave “lactose intolerance”, “cow’s milk allergy” e “malabsorption”, nas bases de dados “The Cochrane Library”, “Science Direct”, “Uptodate”, “Bandolier”, “Academic Search Premier”, “Tripdatabase”, “Center for evidence based Medicine” e “National Guideline Clearinghouse”; tendo como critérios de selecção a pertinência, metodologia e data mais recente (sempre igual ou posterior ao ano 2000).

Resultados

Na idade adulta a lactase está frequentemente diminuída.

A semiologia da intolerância à lactose relaciona-se com a distensão ou dor/desconforto abdominais, flatulência e/ou dejecções aquosas, uma a várias horas após a ingestão de lactose.

Como principais exames auxiliares de diagnóstico consideram-se o pH fecal, prova de restrição alimentar, teste da tolerância à lactose, teste respiratório do hidrogénio, biopsia intestinal e o teste genético.

Conclusões

Os Médicos/Enfermeiros Assistentes estão em posição privilegiada para diagnosticar, tratar, promover o auto-cuidado e reavaliar situações relacionadas com a intolerância à lactose.

Palavras-chave: Intolerância à lactose; Alergia às proteínas do leite de vaca; Má-absorção.

ABSTRACT

Introduction

Although the majority of cases do not hold gravity, it is a condition that decreases quality of life and is not easily diagnosed / oriented.

Objective

Providing health care to the most relevant information about the topic.

Methodology

Research was carried out using the word/key expressions “lactose intolerance”, “cow’s milk allergy” and “malabsorption,” in databases: “The Cochrane Library”, “Science Direct”, “Uptodate”, “Bandolier”, “Academic Search Premier”, “Tripdatabase”, “Center for Evidence-Based Medicine” and the “National Guideline Clearinghouse”; selection criteria were relevance, methodology and most recent date (always on or after the year 2000).

Results

In adult lactase is often diminished.

The semiology of lactose intolerance is related to distension or pain/discomfort, bloating and/or watery stools, one to several hours after ingestion of lactose.

The main diagnostic tests are fecal pH, evidence of food restriction, lactose tolerance test, hydrogen breath test, intestinal biopsy and genetic testing.

Conclusions

Doctor/Nurse Assistants are well placed to diagnose, treat, promote self-care and re-evaluate situations related to lactose intolerance.

Keywords: Lactose intolerance; Allergy to proteins in cow’s milk; Malabsorption.

INTRODUÇÃO

A intolerância à lactose (IL) é uma situação razoavelmente frequente na população portuguesa, apesar de sub-diagnosticada. Define-se como sendo a condição em que, por deficiência (qualitativa e/ou quantitativa) da enzima lactase surge, em alguns indivíduos, semiologia típica após a ingestão de lactose. A qualidade de vida destes pacientes pode ficar gravemente diminuída.

METODOLOGIA

Foi realizada uma pesquisa utilizando as palavras/expressões-chave “lactose intolerence”, “cow’s milk allergy”e “malabsorption”, nas bases de dados “The Cochrane Library”, “Science Direct”, “Uptodate” , “Bandolier”, “Academic Search Premier”, “Tripdatabase”, “Center for evidence based Medicine” e “National Guideline Clearinghouse”; tendo como critérios de selecção a pertinência, metodologia e data mais recente (sempre igual ou posterior ao ano 2000). Não foram encontrados artigos com referência directa a níveis de evidência e/ou forças de recomendação.

Revisão

PATOFISIOLOGIA

Há  quem questione a designação de IL uma vez que, na idade adulta, é  razoavelmente frequente que a actividade da lactase esteja diminuída; aliás, esse decréscimo inicia-se aos dois anos, contudo, a semiologia típica de tal condição raramente surge antes dos seis anos (1) (2) (3) .

A intolerância num bebé de termo raramente se relacionará  com deficiência primária da lactase – é mais usual existir uma alergia à proteína do leite. Note-se, no entanto, que após uma gastroenterite (ou qualquer outro processo infeccioso/inflamatório/alérgico) poderá surgir IL, cuja semiologia facilmente reverte com a respectiva restrição dietética (1). Alguns prematuros têm deficiência parcial da lactase devido à imaturidade intestinal; no entanto, a ingestão de lactose induzirá uma maior produção desta enzima (além da adaptação da flora) (1). Note-se que no feto a actividade da lactase aumenta à medida que a gestação evolui; consequentemente, maior prematuridade (sobretudo abaixo das 32 semanas de gestação) implica maior risco de IL (4). A deficiência congénita da lactase é muito rara e, neste caso, é total. A deficiência que surge na idade adulta é autossómica recessiva e muito comum. A nível farmacológico, por exemplo, a tiroxina diminui a actividade da lactase, enquanto que a hidrocortisona faz o oposto (1).

A lactose é hidrolizada pela lactase em glucose e galactose; a absorção destas relaciona-se com um transportador dependente de sódio. Nos que têm deficiência de lactase, cerca de 75% da lactose passa no cólon, não absorvida; aqui é convertida a hidrogénio, através da flora bacteriana (4).

ETIOLOGIA

A etiologia poderá, segundo alguns autores, ser dividida em má-absorção étnica e deficiências da lactase adquirida ou congénita (4).

Existem algumas raças/etnias que, logo a partir da infância, apresentam níveis mais baixos de lactase; esta característica é muito prevalente nas populações asiáticas e africanas; por sua vez, alguns causasianos (sobretudo escandinavos), através de um mecanismo autossómico dominante, mantêm altos níveis desta enzima, mesmo na fase adulta. No geral, a existência de semiologia compatível com IL antes dos cinco anos deverá levantar a suspeita de lesão na mucosa ou proliferação bacteriana excessiva (4).

A deficiência congénita da lactase é transmitida num padrão autossómico recessivo; geralmente o bebé apresenta diarreia desde o nascimento; são também frequentes a hipercalcemia e a nefrocalcinose. Antes de existirem fórmulas sem lactose, esta condição era geralmente fatal (4).

Por sua vez, a má-absorção secundária da lactose pode surgir quando há estase (e, consequentemente, potenciação do crescimento bacteriano), lesão na mucosa gastrointestinal (GI); bem como doença de Crohn e colite ulcerosa (4).

Das dissacaridases, a lactase é frequentemente a primeira a ser atingida (4).

GENÉTICA

O gene que codifica a lactase situa-se no cromossoma 2. (1).

INCIDÊNCIA/PREVALÊNCIA

Nos EUA, cerca de 22% dos caucasianos adultos apresentavam deficiência de lactase e acredita-se que outras populações norte-americanas apresentem prevalências parecidas; quanto às crianças, não existem estudos rigorosos. Contudo, dos indivíduos com deficiência de lactase, só cerca de 50% se supõe serem sintomáticos (1).

As populações da Europa do norte têm as menores prevalências (cerca de 5%), as da Europa Central 30% e 70% na Europa do Sul; os Judeus também apresentam cerca de 70%; os Asiáticos e os Africanos são afectados em 90% (1) (2) (4) (7) (8). Os ameríndios têm IL em cerca de 80 a 95% (4).

A deficiência adquirida da lactase, secundária a lesão na mucosa, poderá surgir em qualquer idade; antes dos dois anos até há uma maior susceptibilidade a agentes infecciosos, além de que a dieta é muito rica em lactose (1). Outros estudos, por sua vez, afirmam que a prevalência desta condição não difere significativamente entre diversos grupos etários (9).

MORBILIDADE

Geralmente, na maioria dos casos, a morbilidade da IL não detém gravidade (1) (10).

ANAMNESE/SEMIOLOGIA

Na anamnese deveremos recolher informação relativa a semiologia GI (distensão abdominal, dor/desconforto abdominais, borborigmo e/ou flatulência), uma a várias horas após a ingestão da lactose. Contudo, a alergia às proteínas do leite e/ou a outros componentes da dieta, bem como a doença do intestino irritável (DII), poderão cursar com semiologia semelhante (1) (2) (4) (10).

A velocidade do esvaziamento gástrico determina a semiologia (ou seja, a apresentação clínica é tanto mais frequente quanto maior for essa velocidade). As gorduras diminuem esse ritmo, enquanto que os carbohidratos fazem o oposto (e estes são, geralmente, mais frequentes na dieta) (1) (4). Além disso, refeições com osmolalidade elevada atrasam o esvaziamento. A sensibilidade para a distensão abdominal varia muito entre pacientes (4).

As dejecções são geralmente aquosas e acompanhadas por flatulência e urgência, algumas horas após a ingestão. Nos adolescentes pode ainda ocorrer o vómito (1) (2) (4).

A dor abdominal localiza-se mais frequentemente na área periumbilical e quadrantes inferiores (4).

EXAME FÍSICO

No exame físico deveremos estar atentos à má evolução estato-ponderal (apesar de rara). Além  disso, a dor/desconforto abdominais poderão aumentar com a palpação (1).

EXAMES AUXILIARES DE DIAGNÓSTICO

Poder-se-á  pedir análise fecal, no sentido de verificar se existe um pH menor que 5,5 (o que é indicação provável de má-absorção de carbohidratos) (1) (10). Contudo esse teste só é válido se tiver ocorrido ingestão de lactose, se o trânsito intestinal for rápido e se a amostra fecal for analisada pouco tempo após a colheita (4).

Também se poderá considerar fazer uma prova de restrição alimentar, ou seja, averiguar se a semiologia desaparece com a eliminação/redução de lactose da dieta e, em caso afirmativo, reintroduzir posteriormente para avaliar o ressurgimento da apresentação clínica (10). Contudo, a permanência de sintomas após a restrição não implica que não exista IL e vice-versa (1).

O teste de tolerância à lactose consiste em administrar 2 gr/kg (até um máximo de 50 gr/dose), em jejum. Se surgirem sintomas e se a glicose sérica for menor que 20 mg/dl, será provável a IL (1) (4); doseia-se a glicose nos tempos 0,60 e 120 minutos. A sensibilidade do teste é de 75 e a especificidade é de 96%; contudo, o teste é moroso e pouco prático nas crianças – daí se preferir o teste seguinte (4).

O teste respiratório do hidrogénio baseia-se no facto de que os carbohidratos não absorvidos são alvo de fermentação bacteriana, resultando na produção deste gás, que será posteriormente excretado pelos pulmões (1). Ou seja, trata-se de um teste que medirá a não-absorção da lactose. É simples e não invasivo; a sensibilidade e especificidade são superiores ao teste anterior. A dose é de 2gr/kg também, mas o máximo é 25 gr/dose; o doseamento é feito nos tempos 0 e de 30 em 30 minutos, até três horas. Considera-se que até 10 ppm (partes por milhão) é normal; de 10 a 20 o resultado será dúbio e superior a 20 será diagnóstico. Poderão surgir falsos positivos com jejum incompleto e tabaco recente; os falsos negativos relacionam-se geralmente com o uso recente de antibióticos, doenças pulmonares e no 1% de indivíduos que não produzem hidrogénio. Um teste de hidrogénio normal não descarta a realização da biopsia (4) (que poderá ser obtida através da endoscopia e permitirá destrinçar alguns diagnósticos diferenciais) (1).

O teste genético para detectar a má-absorção da lactose tem sensibilidade e especificidade de 93 e 100%, respectivamente; contudo, é dispendioso (4). Ainda assim, alguns artigos consideram que este exame poderia substituir os testes da tolerância à lactose e do hidrogénio. É recomendado sobretudo para populações europeias; noutras origens étnicas a interpretação deverá ser mais cuidadosa (2).

TRATAMENTO

Alguns estudos consideram que a ingestão de uma fórmula causará maior intolerância quanto maior for o seu conteúdo em lactose, sobretudo em prematuros. Se a dieta conter quantidades suaves e progressivamente crescentes de lactose, há estímulo para a proliferação de lactobacilos no intestino grosso (o que permitirá maior absorção dos açucares, ficando menor quantidade para fermentar) (1) (4) (8).

Os alimentos com maior concentração de lactose são o leite e os gelados; o queijo, por exemplo, já tem menor quantidade. Contudo, o gelado, dado o seu alto teor em gordura, é uma boa hipótese para a introdução da lactose (4).

Por vezes, também se tenta administrar a enzima via gotas ou cápsulas; o resultado é muito variável (1) (4) (10).

Acredita-se que a lactose participa na absorção de vários minerais (cálcio, magnésio, zinco), daí que, por vezes, seja necessário dar suplementos, mais frequentemente de cálcio (4) (8) (10). A forma mais económica é o carbonato de cálcio; nas crianças pequenas pode-se usar o gluconato de cálcio (líquido); a dose deverá ser cerca de 500 mg/dia. Também se deverá avaliar a vitamina D (1). O iogurte, dado ser bem tolerado geralmente, poderá também ser uma boa fonte. Há uma certa correlação entre densidade óssea em adulto e IL (4) (8).

A simeticone poderá diminuir a flatulência(1).

RELAÇÃO SEMIOLOGIA/QUANTIDADE DE LACTASE

Alguns artigos referem que o grau de degradação da lactose não difere muito entre os assumidos como tolerantes e intolerantes; aliás, a composição da flora intestinal também não apresenta grandes diferenças; contudo, uma vez hidrolisada a lactose, quanto maior e mais rápida for a produção de produtos intermediários, mais intensa será a semiologia (11). Note-se, no entanto, que a correlação entre semiologia e níveis de lactase/ lactose não é de forma alguma perfeita (2).

OUTRAS INTOLERÂNCIAS ALIMENTARES

A intolerância à soja é a segunda mais frequente; em muitos casos a criança passou a consumir leite de soja após se manifestar intolerante ao de vaca.

A partir da idade escolar, a intolerância às proteínas do ovo torna-se a mais prevalente.

A semiologia é em 50 a 80% dos casos GI, 20 a 40% dermatológica e 4 a 25% respiratória. A má evolução estato-ponderal é muito rara. As manifestações GIs são as mais comuns (diarreia, vómito) e, geralmente, não há envolvimento de outros sistemas. Poderão surgir desidratação e perda de peso. A semiologia dermatológica consiste em urticária, angioedema, rash e/ou eczema atópico. A semiologia respiratória é compatível com quadros de rinite e/ou asma.

Existe polisensibilização a várias proteínas em 75% dos casos. Todas as proteínas do leite podem actuar como alérgenos, mesmo as que existem em quantidades vestigiais. Note-se que um bebé em amamentação exclusiva pode ter acesso às proteínas do leite de vaca através da ingestão materna.

A nível internacional considera-se que cerca de 0,3-8% dos indivíduos possam apresentar intolerâncias alimentares; valores esses que diminuem com a idade. Não se encontra predilecção geral por raça/etnia ou sexo, globalmente. A maioria resolve-se com medidas dietéticas. Muito esporadicamente poderão surgir casos de anafilaxia; aqui o paciente demonstra-se pálido e diaforético, com urticária ou angioedema, podendo atingir o choque. Anafilaxia consequente à soja é ainda mais rara.

A nível de diagnósticos diferenciais para a generalidade das intolerâncias alimentares há que considerar a doença de Crohn, colite ulcerosa, gastroenterite, refluxo gastro-esofágico, doença celíaca, enteropatia auto-imune, divertículo de Meckel, hemangioma intestinal e DII.

Poderá  ter interesse realizar o RAST (radioallergosorbent test), no sentido de se identificarem IgEs específicas a determinados antígenos.

A existência de leucócitos (sobretudo eosinófilos) fecais é indicação do diagnóstico de colite alérgica. Também se poderá quantificar o pH. Geralmente não é necessário realizar biopsias esofágica, gástrica ou intestinal. Em alguns casos, poder-se-ão realizar endoscopias (alta e/ou baixa).

Mães em amamentação, se necessário, deverão eliminar o leite de vaca das suas dietas, bem como ovos e/ou outros alimentos suspeitos.

Uma vez que 50% das crianças intolerantes ao leite da vaca também o são ao de soja, este não é uma boa opção.

Podem ser usados corticóides PO, tópicos ou intranasais para tratar a semiologia dermatológica e/ou respiratória.

A introdução mais tardia dos alimentos sólidos pode prevenir/atrasar as intolerâncias alimentares.

O prognóstico geralmente é bom; a intolerância costuma ser temporária; a maioria dos pacientes consegue reintroduzir os alimentos após um a quatro anos de restrição (12) (13).

No quadro I podem ser encontradas algumas patologias e respectivas semiologias, dentro do contexto do diagnóstico diferencial.

Quadro I: Patologia e semiologia GI

Semiologia

Patologia

– distensão abdominal, diarreia aquosa e dor abdominal– má absorção dos carbohidratos
– náusea, distensão abdominal, dor e diarreia– infecção por Giardia
– vómito, dor abdominal, fezes com sangue– sensibilidade proteica, DII
– dor abdominal recorrente– ansiedade, alterações comportamentais
– anorexia– sensibilidade proteica
– aumento do apetite– fibrose quística
– diarreia aquosa frequente– intolerância aos carbohidratos
– fezes gordurosas e com odor muito intenso– infecção por Giardia; deficiência da enterocinase; disfunção hepática e/ou pancreática; sensibilidade proteica
– astenia e má  evolução estato- ponderal– deficiência de folato, vitamina B12
– retinite pigmentosa a ataxia– deficiências das vitaminas A e E
– rash– sensibilidade proteica

SÍNDROMAS DE MÁ-ABSORÇÃO

A má-absorção pode ser consequente a danos produzidos na mucosa através de processos infeccioso/inflamatório/alérgico e/ou auto-imune; bem como por crescimento bacteriano excessivo. Às vezes, apenas uma alimentação desadequada (por exemplo, crianças que bebem muito sumo de fruta) pode justificar a diarreia. Em alguns casos também se relaciona com a deficiência qualitativa e/ou quantitativa das enzimas digestivas (congénita ou secundária).

A absorção normal é constituída pela fase luminal, pela absorção intestinal em si, pelo processamento no enterócito e transporte até  à circulação.

A má absorção pode ser global ou parcial. A primeira resulta de patologias que condicionam atingimento difuso da mucosa e/ou redução da superfície de absorção – por exemplo, a doença celíaca. A segunda relaciona-se com situações em que há alteração na absorção de nutrientes específicos. Nos EUA, a causa congénita de pan-má-absorção mais frequente em Pediatria é a Fibrose Quística. Má absorção relacionada com insuficiências hepática, pancreática e intestinal é rara. Dentro das deficiências congénitas das enzimas digestivas, a mais comum é a da sucrase-isomaltase (mais frequente nos esquimós canadianos).

Quanto à idade, no caso de deficiências congénitas, a semiologia surge pouco depois do nascimento; as restantes situações geralmente aparecem entre os três e os oito meses.

Deve ser pedida a descrição da dieta habitual e da que foi realizada por, pelo menos, uma semana; devem também ser incluídos detalhes relacionados com a ingestão hídrica (100ml/kg/dia para bebés pequenos; valores superiores podem levar à má-absorção e diarreia).

Deve ser dada particular atenção aos sinais de desnutrição (diminuição da massa muscular e da gordura), língua atrófica e/ou hepatoesplenomegalia); bem como desidratação (letargia, nível de consciência, afundamento da fontanela anterior, mucosas secas e/ou olhos encovados).

Quanto a exames auxiliares de diagnóstico, a nível das fezes, poderemos investigar a existência de substâncias redutoras e/ou pH menor que 5,5 (indicadores de má-absorção de carbohidratos); existência de ácidos biliares conjugados/não conjugados, gordura (a absorção deve ser superior a 95%; entre 40 a 60 significa má-absorção moderada e menos que 40 é grave); proteínas de grandes dimensões (por exemplo, a alfa 1-antitripsina, que indica alteração na permeabilidade intestinal); ovos e/ou parasitas (por exemplo, giardia), bem como pesquisa de Clostridium difficile e Crysptosporidium.

A urina poderá revelar uma determinada substância que não  é bem absorvida e/ou foi ingerida/produzida em quantidades excessivas.

Em alguns casos também será útil pedir hemograma (anemia megaloblástica, neutropenia) e/ou LDH (absorção de ácidos biliares); VHS (doença de Crohn); função hepática; anticorpos antigliadina e antiendomísio IgG e IgA, bem como anticorpos transglutaminase (intolerância ao glúten).

O teste da má-absorção da vitamina B12 consiste em administrar a cobalamina com e sem alimentos, com e sem factor intrínseco, com e sem prova antibiótica, por exemplo.

Uma vez que o intestino se regenera lentamente, a diarreia pode demorar algum tempo a responder ao tratamento.

A colestiramina (enzima sequestradora de ácidos biliares) poderá ser dada na posologia de 2 a 4 gr/dia PO a dividir por três a quatro doses, por oito a dez dias.

Poderá  ser pertinente adicionar suplementos vitamínicos e minerais (por exemplo, vitamina D, ferro e ácido fólico – sobretudo na doença celíaca), bem como cálcio e magnésio (principalmente nos com síndroma do intestino curto).

A administração das enzimas pancreáticas pode ser realizada através de microcápsulas resistentes ao pH ácido do estômago, de modo a libertarem o seu conteúdo só no intestino delgado, recomendam-se cerca de 30.000 U de lipase pancreática a cada refeição para diminuir a esteatorreia e o emagrecimento; ou então a dose suficiente para controlar a gordura nas fezes – a dose máxima são 250 U/kg/dose. Por vezes é necessário adicionar inibidores da bomba de protões. Em pacientes com acloridria e/ou alterações no esvaziamento gástrico, poderá ser mais adequado o uso de uma forma não capsulada.

Com o síndroma do intestino curto poderá ser necessária a nutrição parentérica (14) (15).

Dever-se-á  consultar o quadro II para observar as principais características de alguns tipos de má-absorção.

Quadro II: Tipos de Má Absorção

Tipos de má-aborçãoEtiologias específicas
– carbohidratos– insuficiência pancreática

– deficiência congénita da lactase

– diminuição/ ausência da sucrase-isomaltase

– diminuição das dissacaridases

– super-crescimento bacteriano; aumento da osmolalidade, diarreia, fermentação, diminuição do pH; acidose sistémica; alterações na conversão dos ácidos biliares

– lípidos– diminuição da lipase (gástrica e/ou pancreática)

– insuficiência pancreática, pancreatite, neoplasia pancreática, ressecção pancreática, fibrose quística

– alteração na produção dos ácidos biliares

– proteínas– insuficiência pancreática exócrina

– fibrose quística

– deficiência congénita da enterocinase

– enteropatia perdedora de proteínas

– vitaminas– sprue tropical (vitamina B12 e folato)

– ressecção gástrica (vitamina B12)

DOENÇA DO INTESTINO IRRITÁVEL (DII)

Alguns autores consideram que a semiologia de intolerância à lactose se pode confundir/justificar parte da apresentação clínica da DII.

Alguns estudos afirmam que a prevalência da IL é superior nos indivíduos com DII (controverso). Acredita-se que a má absorção da lactose desencadeará condições para o surgimento de um menor limiar para detecção das sensações abdominais.

A restrição dietética de lactose deve ser reservada para os que são verdadeiramente intolerantes. Nas situações de má-absorção, geralmente são toleradas quantidades pequenas (4) (15) (16).

DOENÇA CELÍACA

A semiologia da intolerância ao glutén, nos adultos, caracteriza-se por emagrecimento, diarreia, astenia e anemia; nas crianças encontram-se má evolução estato-ponderal, vómito, ascite e também diarreia. Os principais marcadores serológicos são os anticorpos anti-endomísico e antigliadina (16). Alguns autores consideram que esta se pode manifestar inicialmente com IL, daí recomendarem o seu despiste. Aqui a mucosa do intestino delgado fica alterada quando na dieta existe glúten (o que é muito prevalente no ocidente). Os pacientes devem então evitar comer trigo, centeio e cevada; por sua vez, poderão consumir mais facilmente molho de soja, arroz e batatas.

Alguns indivíduos com semiologia moderada optam por uma dieta com pouco glúten, aliás, alguns casos são diagnosticados por doseamento dos anticorpos em indivíduos assintomáticos. O benefício de uma restrição completa não é consensual (além do que isso aumentará o risco de obstipação). A maioria (70%) refere melhoras após duas semanas de restrição, ou seja, muito antes das alterações histológicas reverterem.

Quando o paciente não responde à restrição, poderá isso significar que se mantém a ingestão de alimentos que ele julga não conterem glúten. Poderá também se tratar de doença celíaca refractária, jejunite ulcerativa, linfoma intestinal, esteatorreia secundária a insuficiência pancreática, IL, disfunção do esfíncter anal (causando incontinência fecal) ou DII. Além disso, a velocidade de resposta à dieta sem glúten varia.

Poderão existir deficiências nutricionais, nomeadamente ferro, ácido fólico, vitamina D e, às vezes, B12 (16) (17). Acredita-se que estes pacientes poderão ter maior probabilidade de desenvolver patologia oncológica GI, bem como doenças auto-imunes (por exemplo, tiroidite de Hashimoto, doença de Graves) (17). Osteopenia e, menos frequentemente, osteoporose são problemas a avaliar neste contexto (16) (17); parte da perda óssea relaciona-se com o hipertiroidismo associado à deficiência de vitamina D; a situação melhora com a restrição do glúten. Poderão surgir dores ósseas, fracturas e/ou deformidades nos casos mais graves, mas a maioria é assintomática ou apenas apresenta hipocalcemia e aumento da fosfatase alcalina. Recomenda-se avaliação anual por densitometria óssea (17).

A necessidade de repetir a biopsia passados seis a nove meses é  controversa. Ainda assim, muitos concordam em reintroduzir o glúten e avaliar a ressurgimento da semiologia (pelo menos, 10 gr/dia, ou seja, o equivalente a cerca de quatro fatias de pão). Os que voltarem a referir o mesmo quadro poderão ser novamente biopsados. A diminuição dos anticorpos endomisiais também poderá ser considerada neste contexto (17).

A doença celíaca refractária pode ser fatal; a causa ainda é  desconhecida, mas geralmente existem outras intolerâncias associadas. Alguns pacientes respondem aos corticóides, mas nem todos. Poder-se-á iniciar com hidrocortisona, 100 mg EV, 6/6h; se houver tolerância oral, 40 a 60mg de prednisolona/dia; uma vez controlada a semiologia a dose deverá ser reduzida gradualmente. Fármacos imunosupressores, como a azatrioprina e a 6- mercaptopurina podem ajudar no uso de menor dose de corticosteróides (17).

CONCLUSÕES

Os Médicos/Enfermeiros Assistentes estão em posição privilegiada para diagnosticar, tratar, promover o auto-cuidado e reavaliar situações relacionadas com a intolerância à lactose.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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