O nosso país está muito longe da média estimada pela OMS do número de camas por cada 1000 habitantes, o que causa uma enorme perturbação, tendo em atenção que os hospitais de agudos não estão preparados para este tipo de doentes.
Teresa Pais |
Pelo 2º ano consecutivo, decorreu nos dias 27 e 28 de Novembro de 2008 o “II Congresso Reabilitar para a Vida”, integrado no 2º Curso de Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Reabilitação da Escola Superior de Saúde de Viseu. A organização do congresso propôs-se promover a partilha de conhecimentos/experiências e a reflexão sobre o contributo dos enfermeiros de reabilitação no processo de cuidar e na construção de uma sociedade mais inclusiva.
Com as alterações socio-demográficas e de saúde, observadas na sociedade actual, verifica-se uma maior incidência e prevalência de doenças crónicas e o aumento de acidentes de viação e de trabalho. O que se reflecte no aumento do número de pessoas com deficiências, incapacidades e desvantagens, que leva a elevados custos individuais, familiares, profissionais, sociais e económicos.
Neste contexto, na primeira mesa, foi debatido o tema “acessibilidades: dificuldades e responsabilidades”, que teve início com a prelecção do Dr. Telmo Antunes, representante da Associação Nacional de Municípios. Aos municípios é imputada uma responsabilidade política (pelo combate as barreiras arquitectónicas e promoção das acessibilidades e inserção social, na aquisição de equipamentos adaptativos) e jurídica (desde a publicação da Lei n.º 67/2007, que aprova oregime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, a responsabilidade por culpa presumida do Estado e demais entidades públicas só pode ser afastada se for provado que não teve culpa). No entanto, fica uma questão, para a qual não se obteve resposta: onde começa e acaba a responsabilidade das autarquias?
Por isso, para além das autarquias, todos os indivíduos da nossa sociedade devem estar envolvidos na responsabilidade social e garantir o pleno exercício dos direitos essenciais, das pessoas portadoras de deficiência. A Dra. Nídia Menezes (docente do curso de Serviço Social – ESTG Lamego) veio reforçar, então, a importância do exercício cidadania e de transformar os indivíduos da nossa sociedade em cidadãos informados, cientes dos seus direitos e deveres. Há muitos documentos jurídicos que consagram esses direitos e deveres, no entanto, em termos práticos, nem sempre eles são aplicados e muitas indivíduos desconhecem ou não têm acesso a essa informação. Garantir o pleno exercício dos direitos essenciais das pessoas portadoras de deficiência é responsabilidade de todos nós, no entanto, deparamo-nos com muitas limitações, não as do indivíduo portador de deficiência, mas da sociedade.
Enf.º Belmiro Rocha (presidente da Associação Portuguesa dos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação) veio reforçar a importância da Enfermagem de Reabilitação na sociedade actual, com o aumento da esperança de vida da população e com os avanços na área da saúde, quer em termos tecnológicos, quer em recursos humanos. Nesta realidade, há um aumento do número de pessoas portadoras de deficiência e a Enfermagem de Reabilitação terá que afirmar a sua presença na realidade portuguesa dos cuidados de saúde diferenciados.
Paulo Figueiredo, um utente portador de alterações da mobilidade, falou da sua experiência, das dificuldades que enfrentou, tanto a nível das barreiras físicas e legislativas, como a nível financeiro.
Costuma dizer-se, que se pode aferir a humanidade de uma sociedade pelo modo como esta trata os seus deficientes.
Em Portugal e desde o regime anterior ao 25 de Abril, tem havido uma preocupação com o respeito à pessoa portadora de deficiência, acompanhado a abertura e a democratização da sociedade portuguesa. No entanto, a situação está ainda muito longe de ser exemplar, podendo-se considerar que ainda estamos muito longe dos nossos parceiros europeus. Do ponto de vista do ambulatório existe uma relativamente boa cobertura nacional, quer de serviços hospitalares de Medicina Física e Reabilitação, quer de clínicas convencionadas, que se encontram relativamente apetrechados, humana e tecnicamente (com legislação muito rigorosa a este respeito). Qualquer doente pode tratar-se nestes serviços ou clínicas a troco de taxas moderadoras acessíveis (os reformados e os portadores de doenças crónicas estão isentos) e nos casos onde se justifique, pelo grau da deficiência, é assegurado o transporte. Os serviços de Medicina Física e Reabilitação têm ainda ao seu dispor verbas para atribuição de ajudas técnicas que são necessárias à integração dos deficientes.
Mas, no que diz respeito ao internamento em reabilitação, a situação é diferente. O nosso país está muito longe da média estimada pela OMS do número de camas por cada 1000 habitantes, o que causa uma enorme perturbação, tendo em atenção que os hospitais de agudos não estão preparados para este tipo de doentes. Se pensarmos no facto de o nosso país ser o campeão da sinistralidade rodoviária e laboral, esta realidade é particularmente grave.
Para além disso, o sucesso de um processo de reabilitação está dependente do tempo dispendido na reabilitação e do rácio enfermeiro/utente existente nos Centros de Reabilitação. Um dos exemplos de sucesso frequentemente apresentado é a medicina cubana. O segredo parece estar no tempo dispendido com cada paciente e no trabalho intensivo desenvolvido por ele, em que o utente tem o acompanhamento permanente de um enfermeiro. Assim se conseguem grandes progressos a nível da deficiência motora.
Na segunda mesa do congresso (Centros de Reabilitação: mitos e realidades) foi debatida realidade existente em Portugal, com o contributo da Dra. Margarida (Centro de Medicina Física e Reabilitação do Sul), da Enf.ª Helena Alves (Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão) e ainda com os testemunhos de Nuno Rei e Paulo Figueiredo, ambos utentes reabilitados num Centro de Reabilitação em Cuba.
Um contributo, também, fundamental foi o da Dra. Isabel Catarina (Psicóloga do Núcleo Regional de Viseu da Associação Português de Paralisia Cerebral), demonstrando a importância do acompanhamento psicológico durante a reabilitação. A reabilitação é um processo lento e demoroso e os resultados não se alcançam logo nas primeiras sessões, o que desencoraja o utente a continuar a colaborar. A reabilitação psicológica é um complemento importante à recuperação física, garantindo a manutenção de um bem-estar psicológico.
O processo de reabilitação é complexo e demorado, exigindo muita dedicação e trabalhos, tanto por parte do utente como da equipa multidisciplinar (médicos, enfermeiros, dietistas, psicólogos, fisioterapeutas…). Algumas das determinantes do processo de reabilitação foram abordas no congresso.
A dor (aguda ou crónica), abordada pela Dra. Maria José Festa (Fisiatra do HSJ Porto), é a principal queixa apresentada pelo utente no processo de reabilitação e que pode levar a alterações do padrão sensitivo e motor (disfunção). O controlo da dor é essencial, pois, assim o utente irá adoptar estratégias para se defender da dor, como seja, a inactividade, o que prejudicará o processo de reabilitação. Quando isto acontece, a pessoa irá ficar desmotivada, já que não verifica qualquer evolução na sua situação e toda a sua vida afectiva e social (ex: desemprego) ficam afectadas. Há, assim, um ciclo de perpetuação, em que a dor não controlada afecta a reabilitação e a falta de resultados desmotiva o utente para colaborar na sua recuperação. É essencial que se faça um exame completo do utente, para estabelecer as estratégias farmacológicas e não farmacológicas adequadas ao utente, adequadas a cada utente (tratamento compreensivo).
Na reabilitação, o aspecto nutricional é, também, muito importante, já que os gastos energéticos vão diferindo ao logo do tempo de recuperação, ou seja, o metabolismo basal vai-se adaptando às necessidades do utente. Como referiu a Dra. Isabel Marques (Dietista HST Viseu) é necessário um acompanhamento periódico do utente, desde a fase aguda, identificando a necessidade de serem introduzidos suplementos alimentares (ex: proteínas, calorias…), para uma reabilitação eficaz. Em casos mais graves, em que no período inicial o utente não ingere qualquer alimento (como no estudo de caso apresentado pela Dra. Isabel), deve-se introduzir a nutrição entérica logo que possível e haver uma transição progressiva para a alimentação oral.
A terapia pelo ozono, apesar de ser usada há décadas, tem encontrado algum cepticismo por parte da comunidade médica, justificado pela falta de uma base racional ou de meios de controlo adequados. Ao contrário do que acontece no tracto respiratório, quando o sangue humano está exposto a concentrações adequadas de ozono, as suas propriedades oxidantes são aproveitadas e não se verificam efeitos tóxicos de forma aguda ou crónica. O seu modo de acção, como referiu o Dr. Sérgio Figini (Clínica FisioMiguelArez – Portimão), passa pelo seu efeito germicida e imuno-modelador, pela estimulação do metabolismo do oxigénio, pelo poder de cicatrização e pelo seu papel na circulação (regulador metabólico, vasodilatador), entre outros. As suas indicações terapêuticas são variadas, desde a traumatologia, oncologia, pneumologia, etc.
As alterações ocorridas na sociedade, como o aumento da esperança de vida da população, a mudança do perfil das famílias em cujo seio eram apoiados os mais velhos, entre outras, criaram problemas acrescidos nas respostas que tradicionalmente têm sido oferecidas (hospitais, centros de saúde e lares) e levantam desafios relativos à necessidade de mudança no modelo dos cuidados prestados aos cidadãos. Para dar resposta a esta nova realidade, nasce a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados que se articula com a área hospitalar, os Cuidados de Saúde Primários, o sector Social e com os doentes, indivíduos e famílias, no sentido de encontrar respostas conjuntas, personalizadas, em continuidade e complementaridade.
A mesa dos cuidados continuados – um novo olhar, foi introduzida pelo Dr. Carlos Ordens (Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados), que abordou todo o funcionamento, organização e objectivos da RNCCI, como uma resposta que promove a continuidade de cuidados de forma integrada a pessoas em situação de dependência e com perda de autonomia. A RNCCI constitui um novo modelo organizacional criado pelos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social e da Saúde e é formada por um conjunto de instituições públicas e privadas, que prestam cuidados continuados de saúde e de apoio social. O modelo adoptado propõe-se integral e integrado, multidisciplinar, inserido na comunidade, equitativo e sustentável, com rentabilização dos recursos e cumpridor dos princípios da qualidade. No entanto, a resposta dada pela RNCCI é, ainda, insuficiente e não é possível dar resposta a todas as situações.
O Enf.º Arménio Cruz (Professor da ESS Coimbra), na sequência da anterior prelecção, abordou as competências que deve ter a RNCCI, para que os ganhos em saúde se obtenham: organização, prestação de cuidados diferenciados, conhecimento científico e investigação, liderança e formação/ensino.
Com entrada do utente para a RNCCI, o principal objectivo é, se exequível, a reabilitação da capacidade funcional, para que o regresso a casa seja possível. Por isso, a primeira passo é realizar uma avaliação completa da pessoa dependente: capacidade funcional, risco de queda, risco de úlcera de pressão, estado cognitivo e dificuldades dos prestadores de cuidados informais. Depois de feita a avaliação, é essencial estabelecer estratégias e um plano de trabalho, em que deverá estar envolvida uma equipa multidisciplinar. Pode dizer-se que, a RNCCI constituiu uma oportunidade/desafio para o Enfermeiro de Reabilitação.
A nível dos Cuidados de Saúde Primários, o Enfermeiro de Reabilitação começa a fazer notar a sua importância, no entanto, ainda há muito caminho para percorrer. A Enf.ª Clara Lopes (Centro de Saúde Norton de Matos – Coimbra) veio transmitir a sua experiência como enfermeira especialista em Enfermagem de Reabilitação nos Cuidados de Saúde Primários, com a implementação de projectos como: Anos de Vida com Qualidade (actividade física no idoso para um envelhecimento activo e saudável), Unidade de Reabilitação em Medicina Familiar (com Enfermeiro Especialista e Fisiatra). Para além destes projectos, este Centro de Saúde dispõe de uma Unidade de Apoio Integrado e de Apoio Domiciliário Integrado.
A Enf.ª Clara Estanislau (HAJC – Cantanhede), também partilhou a sua experiência enquanto enfermeira especialista em Enfermagem de Reabilitação numa Unidade de Convalescença, onde a sua intervenção passa por, em conjunto com uma equipa multidisciplinar, elaborar estratégias e planos adequados a cada utente, que promovam a reabilitação e a independência dos utentes.
A prática de desportiva acarreta, muitas vezes, lesões intrínsecas às exigências do gesto técnico dominante e às características do desporto. As incapacidades resultantes comportam elevados gastos, comprometendo diversos tipos de desempenho e assumindo-se cada vez mais como um problema de saúde pública. Prevenir a lesão é essencial, adoptando comportamentos e atitudes adequadas a cada desporto. Reabilitar é o segundo passo, quando não se consegue evitar a lesão. A reabilitação da patologia traumática do osso e da articulação começa pela obtenção de informação para caracterizar o tipo de lesão e, seguidamente, irá estabelecer-se uma abordagem diagnóstica e um programa terapêutico, com o auxílio de critérios de evidência e adequação.
A lesão mais comum no meio desportivo é a que envolve a articulação tíbio-társica. Por isso, é essencial um conhecimento aprofundado da anatomo-fisiologia e dos movimentos desta articulação, tendo sido esta a temática abordada pelo Dr. Pedro Figueiredo (Fisiatra HUC) na sua prelecção.
Seguidamente, o Dr. João Branco (Fisiatra HUC), introduziu a entorse da articulação tíbio-társica (tornozelo), a mais frequente de todas as entorses, e surge quando um ou mais ligamentos na parte externa sofre distensão ou ruptura. Se não for tratada convenientemente, poderá resultar em incapacidades permanentes para o atleta. A entorse pode ocorrer por inversão (a mais comum), eversão ou por lesão da sindesmose e pode ser classificada em grau I, II ou III, dependendo de quantos ligamentos estão lesionados.
A prevenção destas lesões passa pela adopção de algumas medidas fundamentais, nomeadamente no desporto de competição, as quais foram abordadas pelo Enf.º António Fonseca (Especialista em Enfermagem de Reabilitação da Selecção Nacional de Futsal) na sua prelecção, e passam pela:
- Utilização de calçado adaptado ao atleta, à modalidade e ao tipo de solo, sendo uma regra fundamental, não estrear um calçado numa competição, terá de haver uma adaptação prévia;
- Utilização de ortoteses, ligaduras funcionais preventivas;
- Evitar o ataque ao solo numa atitude viciosa;
- Podologia;
- Exame podoscópico;
- Electro podografia dinâmica.
Para além disto, passa pela adopção de programas específicos para cada modalidade, de acordo com a biomecânica de cada gesto desportivo.
Quando a lesão já está instalada, inicia-se a reabilitação que passa pela adopção de esquemas terapêuticos adequados a cada fase da lesão. Assim, na fase aguda, há três objectivos essenciais: proteger a integridade articular, controlar a resposta inflamatória e controlar a dor, edema e espasmos. Passando a uma fase sub-aguda o objectivo principal é facilitar e estimular a regeneração tecidular. Numa fase posterior (crónica) vai-se iniciar uma progressão funcional das actividades em cadeia cinética fechada. Finalmente, começam-se um esquema de exercícios, para preparar o atleta para o reinício da actividade física.
As lesões mal curadas têm, muitas vezes, consequências irreversíveis. Como referiu o Enf.º André Pires (Especialista em Enfermagem de Reabilitação da Selecção Nacional de Hóquei em Patins), é importante uma boa regeneração, com um tempo de recuperação e tratamento adequado ao tipo de lesão, extensão, gravidade e localização da lesão e ao modelo de tratamento adoptado (conservador, cirúrgico e outros métodos). Mas acima de tudo, é importante que, inicialmente, se faça um diagnóstico correcto, de modo a estabelecer um correcto plano de reabilitação. Um bom plano de reabilitação, que seja cumprido em todas as suas etapas, é o primeiro passo para o tratamento completo da lesão e para evitar recidivas da lesão, no entanto, outras estratégias preventivas deverão ser adoptadas, para que tal não aconteça.
Os enfermeiros de reabilitação devem empenhar-se num desenvolvimento global, apostando num maior e variado número de conhecimentos, capacidades e competências científicas, técnicas, relacionais e culturais, relacionados com as práticas de cuidados de saúde. Devem estar integrados em equipas multidisciplinares, oferecendo um conjunto contínuo de cuidados segundo uma abordagem holística, passando pelas necessidades de auto-cuidado, independência funcional, auto-estima e bem-estar.
Paralelamente ao congresso decorreram workshops, que tiveram grande adesão: massagem terapêutica desportiva, resultados da acupuntura na reabilitação, cinesiterapia respiratória e quiropatia.
CONSULTAR:
- Associação Portuguesa dos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação
- O mundo de figas – Paulo Figueiredo
- Terapia pelo Ozono
- Rede Nacional dos Cuidados Continuados Integrados (RNCCI)
- Lesões desportivas
- Instituto Nacional para a Reabilitação
BIBLIOGRAFIA:
MONTEIRO, Eva; MOUTINHO, Carlos – Aplicações do ozono. Publicado a 25 de Dezembro de 2005 [consultado a 7 de Dezembro de 2008]. Disponível em <URL: http://www.ff.up.pt/toxicologia/monografias/ano0506/ozono/utiliz.htm>
UEMS – White book on physical and rehabilitation medicine in europe. Publicado a Setembro de 2006 [consultado a 7 de Dezembro de 2008]. Disponível em <URL: http://www.leeds.ac.uk/medicine/rehabmed/PDF%20papers/White%20book.pdf>