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Gravidez na Adolescência – Intervenção e Prevenção

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Gravidez na Adolescência – Intervenção e Prevenção

Fica nitidamente sozinha na rua, abandonada pelo companheiro e expulsa de casa dos pais. É uma situação muito frequente em S. Miguel

“GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA É MOTIVO DE ORGULHO…”

 

Mário Santos

Enfermeiro / Jornalista

O número de grávidas adolescentes nos Açores é preocupante, tanto mais que a Região apresenta o índice mais elevado a nível nacional. A média de idades destas meninas mães ronda os 15 anos. E se para umas é algo de inesperado, para a maioria é motivo de orgulho. Esta situação é motivada pelo enraizamento profundo de uma cultura que teima em perdurar nos Açores e, nomeadamente em S. Miguel, onde só no ano passado registaram oficialmente 187 casos, com os Concelhos de Ponta Delgada e Ribeira Grande a encabeçarem a lista. Leonor Vasconcelos, vice-presidente do Centro de Bem Estar Social do Livramento referiu que “em Rabo de Peixe, é mesmo motivo de orgulho ser-se mãe muito jovem. É uma cultura muito difícil de mudar…”

Decorreu no Anfiteatro B, da Universidade dos Açores, um seminário intitulado “Gravidez na Adolescência – Intervenção e Prevenção”, organizado por duas alunas finalistas da Licenciatura do curso de Serviço Social da UAc, em parceria com o Centro de Bem Estar Social do Livramento – Centro de Atendimento Familiar e Aconselhamento Parental, (CBESL) onde as citadas finalistas terminaram o seu estágio final de curso.

O tema escolhido para este seminário teve por base as dificuldades que as mesmas encontraram no seu trabalho diário com os vários utentes que se deslocam ao Centro. Igualmente o aumento de grávidas adolescentes na Ilha, onde cada vez mais, ser mãe com idades compreendidas entre os 12 e os 15 anos, é preocupante.

O Seminário que contou com palestrantes que trabalham na temática abordada há vários anos, abriu os trabalhos com Leonor Vasconcelos a traçar um quadro da actividade do Centro, onde desempenha a função de vice-presidente de direcção. Começou por fazer uma resenha do que é o CBESL e a sua principal função – manter abertos os dois ATL e uma creche, para albergar as crianças do Livramento, em horário laboral e, simultaneamente, manter em funcionamento a valência de aconselhamento parental, que iniciou-se como um projecto em 2002, com um período de vigência de três anos, denominado “Despertar para a Mudança”, tutelado pelo Instituto de Acção Social, e financiado pelo programa de “Luta contra a Pobreza”. Findo este prazo, e visto que a problemática da gravidez aumenta a olhos vistos, a direcção do CBESL, decidiu continuar com o trabalho que tinha iniciado.

O CBESL conta com a colaboração de uma assistente social, uma médica e uma enfermeira especialista nesta área, em regime de voluntariado. Para além disto, funcionam em rede com outros técnicos tutelados pelo Instituto de Acção Social, para dar uma maior cobertura às situações que surgem no Centro, como o caso de dificuldades económicas, necessidade de alojamento, porque de repente a adolescente vê-se confrontada com a situação de abandono. “Fica nitidamente sozinha na rua, abandonada pelo companheiro e expulsa de casa dos pais. É uma situação muito frequente em S. Miguel”- referiu Leonor Vasconcelos. Por via dessas situações, o CBESL faz de imediato a ponte para o acolhimento destes casos.

Esta instituição, em funcionamento há seis anos, já recebeu 121 adolescentes grávidas, dos 12 aos 18 anos, onde a maior incidência de casos apresentam os 15 anos. Um número que corresponde à área geográfica onde esta instituição esta inserida (Livramento), e que é uma amostra da realidade açoriana.

Leonor Vasconcelos durante a sua alocução referiu a dificuldade que é intervir e prevenir em alguns meios da Ilha de s. Miguel, onde ser mãe em idade muito jovem é um motivo de orgulho. “Atente-se ao caso de Rabo de Peixe, onde as jovens adolescentes têm gosto e vaidade em cedo terem filhos, porque é para elas um caso cultural. Afirmam que as suas mães também tiveram filhos muito novas, como tal a tradição é para continuar. É muito difícil contrariar esta cultura…”.

Por seu turno, a psicóloga Ana Filipa Duarte apresentou no seu painel as “Crenças e efeitos psicológicos da Gravidez na Adolescência”. Referiu que o desconhecimento e as ideias erradas incutidas em ambiente escolar, por colegas em tempo de recreio e noutros locais, levam as adolescentes a pensar que depois de terem relações sexuais, se beberem algo gelado, se tomarem banho de seguida com água fria, ou outro tipo de comportamentos pouco adequados, não engravidam. “Isto também acontece e depois leva a situações de desespero e de medo. Por outro lado, muitas jovens sabem bem o que fazem, e nem querem usar qualquer tipo de prevenção. É sexo apenas por se ter e depois se engravidarem, faz-se um aborto. São estas as ideias transmitidas nas consultas. Esta situação é muito preocupante, logo dever-se-ia apostar mais nesta área, apesar de muito já se fazer, mas ainda há um longo percurso a percorrer para sairmos da lista negra de Portugal em termos de grávidas adolescentes”.

Segundo esta psicóloga, “existe depois outra vertente que é o abandono para umas de uma vida de menina, para um caminho de incerteza, porque as raparigas, geralmente são as mais afectadas nestes casos. Para outras, ser mãe muito jovens acaba por ser o inicio da preparação de uma vida economicamente estável, pois tantas vezes são as próprias a dizerem que têm de ter filhos para poder ter uma boa vida. É que os subsídios que o Governo Regional atribui dá para viver sem se trabalhar….”. Uma situação já pensada, e que vai em confronto com aquilo que todos deveríamos pensar, que era numa sociedade onde o trabalho ajuda a enriquecer os Açores.

A parte da tarde, foi dedicada mais à vertente médica e teve como orador o médico André Sampaio, obstetra do H.D.E.S. Este especialista apresentou um estudo realizado no Hospital Divino Espírito Santo, sobre a prevenção da gravidez na adolescência.

Durante a apresentação deste painel, André Sampaio fez um resumo dos cuidados pré-natais que as adolescentes grávidas deveriam ter.” Em Portugal, as grávidas adolescentes apresentam características particulares que permitirão atitudes preventivas especificamente dirigidas a elas. No entanto, e ao contrário do descrito para outras populações com enquadramentos sociológicos distintos, as mães adolescentes e os seus recém-nascidos não apresentaram consequências biológicas imediatas diferentes das observadas nas adultas excepto para o parto pré-termo.”.

Seguidamente, apresentou um estudo elaborado em parceria com a psicóloga Elisabete Cordeiro, no serviço de Consulta Alto Risco Obstétrico (CARO) do HDES-EPE, onde foram colhidos inquéritos junto de 200 grávidas no período compreendido de Janeiro e Maio de 2008, sendo que 67, apresentavam idades entre os 14 e 18 anos e 133 com idades entre os 19 e 45 anos. Destas, 6% das jovens tinham 14 anos e 12% com os 15 anos.

No que diz respeito ao método contraceptivo, 55% não usou qualquer prevenção, ao passo que 20% utilizou o preservativo. Ainda a reter deste estudo, foi o facto de 70% das adolescentes terem confessado que não foi uma gravidez desejada, ao passo que 30% afirmaram estar conscientes do acto e das suas consequências.