Regra geral, o vocábulo “conflito” é associado a sensações de desprazer, angústia, invasão de privacidade ou até mesmo violência.
Sinais Vitais nº 66
Carla Terceiro; Elisabete Pereira; Gil Vicente; João Teixeira; Lurdes Vieira; Pedro Cardoso; Sónia Ribeiro.
Alunos do 2º Curso de Complemento de Formação em Enfermagem da Escola Superior de Enfermagem de S. João
Palavras-chave: conflito; natureza do conflito; factores subjacentes; incubação; consciencialização; disputa; eclosão
Regra geral, o vocábulo “conflito” é associado a sensações de desprazer, angústia, invasão de privacidade ou até mesmo violência. Na nossa opinião, algumas dessas conotações poderão ser algo excessivas e despropositadas. Contudo, uma análise detalhada das variáveis da situação conflitual poderão contribuir para desmistificar e valorizar esta componente “inata” das relações interpessoais. Antes de mais, convém averiguar a natureza da situação, isto é, o contexto e factores causais, bem como outros factores subjacentes que, apesar de implícitos, podem muitas vezes ser desvalorizados na gestão de conflitos. A rápida identificação da fase de evolução é, na nossa perspectiva, de vital importância para a tomada de decisão relativamente à gestão destas situações.
Análise da situação conflitual
Em qualquer situação de conflito existem três variáveis a considerar: natureza do conflito; factores subjacentes; estágio de evolução.
Natureza do conflito
Esta variável refere-se à sistematização do conflito de acordo com a sua natureza. Assim, este pode surgir devido à diferente interpretação de factores comuns por cada uma das partes envolvidas.
Outras razões que podem estar na base de um conflito são a existência de um desacordo em relação às causas que originam um determinado fenómeno, desacordo relativamente aos objectivos delineados ou estratégias definidas para os concretizar, ou ainda confronto de valores, isto é, desacordo relativamente aquilo que é considerado errado ou correcto.
Factores subjacentes
Existem factores subjacentes à situação de conflito que são preponderantes no desencadeamento do mesmo e que passamos a analisar.
Informação: uma das causas de uma disputa pode ser a informação. Se duas ou mais partes não possuem a mesma informação sobre determinado acontecimento, é natural que tenham visões diferentes sobre esse mesmo acontecimento.
Percepção: diz respeito à forma como se interpretam os fenómenos circundantes. Uma vez que a percepção é função quer da personalidade quer da motivação, é natural que duas pessoas tenham percepções distintas sobre o mesmo fenómeno.
Estatuto: o estatuto ou papel que um indivíduo assume dentro de um grupo pode forçar outros a assumir posições que de outra forma não o fariam.
Personalidade: seguramente todos conhecemos indivíduos que em qualquer circunstância estão plenamente convictos da sua posição e são relativamente inflexíveis nas suas decisões ou atitudes. Estas características aliadas a uma certa agressividade podem gerar situações de descontrolo no domínio dos conflitos. Todas as situações conflituais que tenham subjacente este tipo de personalidade tornam-se extremamente difíceis de gerir, em especial quando essa personalidade é de estatuto superior.
Evolução da situação conflitual
Numa situação de conflito existe um ou vários acontecimentos que colidem com a esfera individual de alguém. Conforme a gravidade e a frequência dessa intercepção, assim o conflito tem um período de latência maior ou menor.
Por período de latência entende-se aquela fase em que a situação é considerada causadora de alguma alteração por parte dos intervenientes, ou por um deles, não havendo no entanto de parte a parte comportamentos que detonem declaradamente a tensão existente. É a fase em que a actividade hostil se vai consolidando, sem que, contudo, nenhuma das partes assuma o conflito.
Como surge e evolui o conflito entre duas partes? Tudo começa quando alguma das partes se sente atingida na sua esfera individual. É uma fase de tomada de consciência da situação que causa incómodo (fase de incubação).
Essa ameaça pode estar relacionada com bens materiais, valores, crenças ou atitudes, ou ainda com a vivência quotidiana. Esta última situação origina os designados conflitos de personalidade.
Posteriormente à fase de incubação, as partes, ou uma delas, plenamente convictas da validade dos seus argumentos, anunciam-no declaradamente. É a formalização da discordância (fase de consciencialização).
Um dos problemas que pode agravar todo o processo e dificultar a resolução da situação é a ignorância por uma das partes relativamente ao facto de a outra se sentir invadida na sua esfera individual. Isto pode acontecer quando esta segunda fase não se concretiza, ou quando uma das partes se sente inibida por algum motivo ou simplesmente é assertiva.
Caso se verifique a segunda fase, a terceira será a discussão, normalmente de forma agressiva, das razões que estão na base do conflito (fase de disputa).
Esta fase é crucial para a resolução ou agravamento da situação. Conforme a competência das partes em termos de relacionamento interpessoal ou sua necessidade de poder, facilmente se converte o conflito em problema.
Por último, a derradeira e mais destrutiva fase de evolução de um conflito (fase de eclosão).
As posições radicalizam-se, as percepções distorcidas, e existe habitualmente um deslocamento do objectivo do conflito.
A situação passa a ser encarada como uma “guerra aberta” onde vale tudo menos perder. Nesta fase os pontos de interesse passam a ser:
- Aquilo em que sentimos que o adversário é menos capaz;
- Aquilo que propicie mais glória no caso de “vitória”;
- Aquilo que causará maior dano ao adversário;
- Aquilo que fere mais os seus valores.
Por vezes poderá não se atravessar todas estas fases numa situação conflitual. Em algumas situações não se processa a informação entre as partes sobre o facto de existir um desequilíbrio nas relações. Quando tal se verifica, não existe confronto de argumentos e passa-se directamente da incubação para a eclosão. É aconselhável evitar a passagem a esta fase, uma vez que pode ser intensamente destrutiva, além de ser aquela em que se consomem mais recursos, recursos estes que só dificilmente serão recuperados posteriormente.
Tal como a maioria dos processos relativos à natureza humana, os conflitos são processos cíclicos. A sua resolução satisfatória depende em grande medida das capacidades cognitivas dos seus intervenientes, no sentido de apreciar racionalmente todas as variáveis no seu contexto, por forma a respeitar e preservar os direitos e liberdades de todos os implicados.
Na nossa perspectiva, no quotidiano profissional dos enfermeiros, deve ser reforçada a cultura da assertividade, cabendo essa responsabilidade a cada um de nós, e com relevante enfoque para os enfermeiros-chefe e outros gestores, no sentido de valorizar e integrar essa componente no processo de avaliação de desempenho e introdução de reforços positivos nas situações adequadas.
Pensamos que através da consciencialização das etapas e variáveis envolvidas, se torna mais clara e objectiva a orientação de esforços no sentido da valorização dos conflitos, isto é, aproveitar a divergência no sentido da inovação, criatividade e benefício comum. Acreditamos que, na arte de enfermagem, e considerando o foco da prática a gestão de interacções entre a pessoa e o meio em que se contextualiza, as capacidades de gestão de conflitos por parte dos seus profissionais são um catalisador indiscutível da qualidade e personalização do cuidado.
Referências bibliográficas
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