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Florence Nightingale versus Popota

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Florence Nightingale versus Popota

Com o aproximar do final de 2013, foram surgindo nos meios de comunicação social, notícias que davam conta de alterações profundas em matéria de gestão de recursos humanos na Linha de Saúde 24. Essas alterações estariam relacionadas com a atribuição da exploração deste meio de assistência à população, a um consórcio formado pela Telperformance e Optimus.

Como todos sabemos, a Optimus integra o universo Sonae, um dos grupos económicos mais pujantes de Portugal, liderado actualmente pelo filho do carismático Eng. Belmiro de Azevedo (ver declarações recentes sobre salários baixos). A Sonae tem tido um importante contributo em determinadas acções de solidariedade no nosso país: Missão Sorriso e recolhas para o Banco Alimentar contra a Fome (através dos Hipermercados Continente) e Código DáVinte (através das Lojas Worten). Acredito que milhares de enfermeiros tenham colaborado nestas campanhas, e até haverá alguns (muitos) que se tenham envolvido mais acerrimamente nelas (ver centenas de projectos candidatos à Missão Sorriso).

À parte de tudo isto, há ainda os milhares de enfermeiros que são clientes deste grupo económico, seja através das suas centenas de lojas (nas mais variadas áreas), seja através da operadora de telecomunicações. Ainda recentemente, vejam a ironia, a OE anunciava uma parceria com a Optimus a propósito de uns tablets a baixo preço… Já lá vai o tempo em que o segredo era a alma do negócio. Sobre a Sonae não há muitos segredos. O modelo de negócio assenta em lançar as garras sobre determinado negócio (e isso consegue-se por via do chamado músculo financeiro) e esmagar ao máximo as margens de cada um dos intervenientes no processo, capitalizando para si a maior fatia da operação. É simples!

É isto que tem permitido que milhões de portugueses (entre os quais, milhares de enfermeiros) tenham beneficiado de campanhas do tipo “desconto em cartão”. Porém, é este tipo de práticas “eucalípticas” que destroem tudo à sua volta… “Se tivermos de morrer, morremos hoje. Não vamos estar a sobreviver aos soluços” foi assim que reagiu Berta Castilho (Lacticínos das Marinhas) ao fim das relações com o outro gigante da distribuição (dono da Bierdronka e Ara). Percebemos, então, que o livro “Leopoldina e os Mini Chefs”, tal como outras iniciativas idênticas, afinal, não são genuinamente solidárias. Pelo contrário, são poderosíssimos instrumentos de marketing, que ainda por cima, escondem uma boa parte (e muito dolorosa) da realidade.

Talvez tenhamos que direcionar os nossos hábitos de consumo, pelo menos em parte, para o comércio tradicional. Pelo menos, sabemos que a maioria desses estabelecimentos pagam impostos em Portugal e não na Holanda. E também sabemos que dessa forma, não estaremos a alimentar redes de exploração de mão-de-obra barata, quiçá infantil, em países asiáticos (lembram-se do que aconteceu nas fábricas de têxteis em Daca? Talvez não… A Inditex agradece…).

Parece-me óbvio, que o Estado, enquanto regulador, deve garantir o mínimo aceitável a cada uma das partes envolvidas na cadeia de negócio. O Sr. Director Geral da Saúde teve a distinta lata, num debate promovido na TVI 24 de dizer que não houve cortes no Ministério da Saúde (em relação à Saúde 24). “O que houve foi um concurso, e uma das empresas apresentou um valor mais baixo”. Ou seja, para Francisco George, se um dia, alguma empresa for ao Bangladesh recrutar enfermeiros a troco de pão e água, não há problema nenhum, pois é a Economia a funcionar… (http://www.tvi24.iol.pt/programa/4322/459) Diz também, que por cada chamada telefónica, o Estado pagava 16,6€. Agora, vai passar a pagar 7,7€ (ver minuto 60:30).

Eu até nem sou fanático pelo empreendedorismo, mas a Ordem dos Enfermeiros, podia fazer um pequeno investimento numa central telefónica e, se em cada hora, cada enfermeiro atender 4 chamadas, em poucos anos irá recuperar o capital investido, ao mesmo tempo que consegue atribuir uma remuneração justa ao trabalhador.

Há muito que defendo que a classe deve repensar uma redução drástica do duplo emprego. Este episódio, infelizmente, vem dar-me razão. Os recibos verdes tornam-nos presas (demasiado) fáceis. Por outro lado, penso que seria uma mais-valia para os utentes e para a profissão, se houvesse um mecanismo que permitisse que um enfermeiro trabalhasse, por exemplo, 32 horas por semana no serviço de urgência obstétrica (ou numa enfermaria de pediatria, ou num centro de saúde, ou num BO) e 8 horas na Saúde 24.

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