Os sindicatos, à semelhança de outras organizações devem renovar as suas direcções
Se um jornalista vier ter comigo num dia de greve e perguntar o motivo pelo qual a ela aderi, dir-lhe-ei que há duas fortes razões para isso: defesa do Serviço Nacional de Saúde e reivindicação por melhores condições de trabalho para os enfermeiros. A situação de crise em que vivemos há alguns anos, tem mostrado o quão é importante um Serviço de Saúde baseado em princípios como a solidariedade e o respeito pela dignidade humana. Quanto ao modo como os enfermeiros são tratados, basta lembrar alguns exemplos que ilustram o desgoverno da actual equipa do Ministério da Saúde: faltam materiais e manutenção de equipamentos nas instituições de saúde; há milhares de colegas a trabalhar 40 horas pelo valor das 35; há condicionamentos diversos no acesso aos cuidados de saúde; há serviços em que existem CIT com valor base de 1165€, 1220€ e 1340€, sendo que os primeiros exercem há mais tempo que os demais; há escalas que saem de base com mais de 40 horas por trabalhador; estão congeladas as progressões nas carreiras; falta diálogo entre as profissões e dentro de cada uma delas; foram feitos cortes muito significativos nos suplementos pelo trabalho em horário nocturno e de fim de semana… Como é bom de ver, os elogios que todos os dias vemos na comunicação social ao Dr. Paulo Macedo só podem vir de pessoas “simpáticas” ou então de pessoas distraídas da realidade que se vive nos hospitais, centros de saúde e outras unidades de saúde.
Quando se ventilou a possibilidade de os enfermeiros passarem a trabalhar 40 horas semanais em vez das 35, alguns colegas diziam que até nem se importavam, desde que o ordenado fosse coincidente. Não perceberam que isso deixaria tudo na mesma! A intenção do Governo era simples (e era outra): ter o mesmo número de trabalhadores (pagando igual salário) mas aumentar o número de horas de trabalho. Como já deu para ver, tal situação gerou um descontentamento enorme entre os trabalhadores (diminuindo-se o seu rendimento/produtividade), fenómeno ainda agravado pelo facto de haver outros profissionais que não estão sujeitos a iguais medidas de austeridade. Porque será?!
Há uma frase chavão muito utilizada entre nós, que diz que “os sindicatos defendem os enfermeiros e a Ordem defende o utente”. Creio que só alguém distraído pode acreditar numa coisa destas. Ambas as entidades (cada uma à sua maneira) devem zelar pelo respeito para com trabalhador-enfermeiro e para com o utente.
Sou sindicalizado e, naturalmente, não concordo com todas as decisões que são tomadas nesse âmbito. Ainda assim, não me custa elogiar o empenho de todos os colegas que se dedicam à causa sindical: abdicam de tempo das suas vidas (pessoal e profissional) em nome da Enfermagem. Não me custa a crer, que alguns até tenham de suportar algumas despesas decorrentes da sua actividade sindical.
Quando me dizem que a culpa do estado actual da profissão é do sindicato, dá-me vontade de rir. Como já disse, há aspectos da “luta” que carecem de reformulação. Mas isso não nos deve desviar o olhar dos principais responsáveis pelo estado em que nos encontramos. Olhemos para os 3 últimos ministros da saúde: Correia de Campos disse publicamente que não aprova a ideia do MDP (ou algo do género) para os enfermeiros; Ana Jorge disse que os enfermeiros não têm um trabalho tão individualizado como os professores; Paulo Macedo acha normal que na ARS-LVT o valor hora a pagar a um enfermeiro seja 3,96€ em Lisboa e 3,1€ em Abrantes…
Depois, há também aquela frase de ataque ao sindicato X: “estão dominados pelo partido comunista”… Se admitirmos que isso é verdade, temos de nos interrogar quem foram os partidos que nos governaram nas últimas décadas, e tentar perceber porque nos trataram tão bem; Se admitirmos que isso é verdade, temos de criar uma onda de libertação nas autarquias governadas por este partido; Se admitirmos que isso é verdade, temos de nos interrogar como foi possível a coligação “vodka laranja” em Loures (Cunhal e Sá Carneiro devem estar com as mãos na cabeça).
Para que conste, eu vivo numa freguesia governada pela CDU, num conselho governado pelo PS, num país governado pelo PSD/CDS e tenho reparado que um dos vídeos mais partilhados pelos enfermeiros é do elogio do Miguel Portas (BE) à nossa profissão. E sabem que mais? Estou vivo!
Há que relativizar a ideologia, sem claro, ignorar que o ultra-liberarismo está a dar cabo da Europa (Junker-Multinacionais-Luxemburgo).
Concordo que os sindicatos, à semelhança de outras organizações devem renovar as suas direcções. Talvez se dê muito ênfase às bandeiras e palavras de ordem. Podíamos explorar mais as vigílias ou protestos de silêncio (ou guarda chuvas coloridos como em Hong Kong; ou uma avioneta com uma tarja como aconteceu nas praias do Algarve; ou um camião com um enorme outdoor, em frente ao hospital X ou Y; ou uns gigantones do Paulo Macedo e do Camilo Lourenço; ou umas arruadas com os Zés Pereiras…). Não sei se uma greve de zêlo seria eficaz. Gostaria de ver os sindicatos a ter um papel mais incisivo para com as Direcções de Enfermagem (embora perceba que isso possa fragilizar a profissão). Admito que o número de greves deva ser diminuído, não só para tentar uma maior adesão dos colegas, mas também para tentar não gelar/crispar a nossa relação com a opinião pública. Concordo com as greves à Quarta Feira em vez de à Sexta. Sinto que nem sempre se valoriza a produtividade e eficiência (na vida não há só direitos; os profissionais de saúde não podem preocupar-se com a produtividade apenas no sector privado)…
Mas tudo isto são questões que os enfermeiros devem debater nas assembleias dos seus sindicatos. Ficar em casa não é solução. Como não é solução não ser sindicalizado, até porque, como é sabido, o valor pago em cotas é deduzido no IRS…
O que são serviços mínimos? “São todos os cuidados de Enfermagem necessários para que não se coloque em risco a vida do utente”. Como é bom de ver, esta é uma definição algo dúbia (se um doente tem uma neoplasia do intestino e a sua cirurgia foi adiada um dia ou uma semana por causa de uma greve, isso pode ter impacto na evolução da doença). Os sindicatos dizem que não podem ser eles a clarificar o que são serviços mínimos (eu acho que podiam dar umas dicas). E os enfermeiros, em cada serviço, também não têm sido capazes de o fazer, o que revela que não somos capazes de gerar, entre portas, uma cumplicidade de equipa que garanta um protesto eficaz por melhores condições de trabalho sem penalizar (a vida) do doente. A problemática dos serviços mínimos remete-nos para a importância de líderes fortes (por exemplo, qual o papel do enfermeiro chefe num dia de greve?) e de estratégias de benchmarking entre várias instituições de saúde (nacionais e não só).
A ideia de uma paralização geral (com os enfermeiros concentrados à porta das instituições) de norte a sul do país parece-me muito difícil de alcançar, mas seria seguramente uma prova de coragem de todos nós. Dirigir uma greve a um determinado sector (por exemplo, bloco operatório), e em que os enfermeiros de outros serviços “custeassem” as penalizações salariais dos envolvidos, parece-me igualmente difícil de por em prática. Bem sei que não é fácil dar a cara nas actuais greves (há colegas que até usam óculos escuros). No dia 23 de Julho passado, numa acção de protesto em frente ao Hospital onde trabalho, do meu serviço estava eu e outra colega. Onde andam os outros? Parece existir, para alguns colegas, uma certa tendência aristocrata que os impede de integrar uma manifestação. Há colegas que exercem em Lisboa e nunca participaram numa manifestação junto ao Ministério da Saúde. Outros há, que se levantam às 6 da manhã e percorrem centenas de quilómetros (em autocarro) para o fazer.
O facto de sermos a classe profissional mais numerosa do sector da saúde, podia dar-nos força para reivindicar os nossos direitos, mas ao mesmo tempo, é uma das razões pelas quais nos encontramos neste estado. Façamos uma conta (muito) por alto: no país há cerca de 60 mil enfermeiros; consideremos que 40 mil exercem no sector público; se imaginarmos que estes 40 mil estão uniformemente distribuídos em escalões etários (20 aos 30 anos; 30 aos 40 anos; 40 aos 50 anos; 50 aos 60 anos), e que a cada escalão corresponde um salário médio (1300€; 1400€; 1500€; 1600€), temos uma despesa anual em salários de enfermeiros na ordem dos 800 milhões de euros. Qualquer mexida no salário dos enfermeiros representa uma “pipa de massa”. Só um governante verdadeiramente determinado em apostar no nosso valor, seria capaz de fazer diferente dos seus antecessores.
Olhando para o cenário actual, considero que a exclusividade é uma batalha perdida. Aliás, com os elevados índices de desemprego e emigração (e mais uma vez, não podemos ignorar o facto de haver um desajuste entre oferta formativa e capacidade de absorção no mercado de trabalho), duvido que algum governante ceda a essa. Aliás, há contratos de muitos de nós que já prevêem que o trabalhador peça autorização (ou pelo menos comunique) à sua instituição se está ou não a acumular funções noutro local.
Há quem considere que descontar 1% do vencimento para o sindicato é uma fortuna. Não sei qual é o orçamento anual do meu sindicato. Suponhamos que são 250 mil euros anuais. Se todos os enfermeiros fossem sindicalizados, o valor de cota anual seria de 4,2€ (até dava vontade de estar sindicalizado no SEP, SIPE e SE, em simultâneo… não sei se a lei permite tal coisa). Claro que, havendo vários sindicatos (e eu concordo com isso, pois estamos a falar de estratégias diferentes de reivindicação; o que não significa que não deva existir respeito mútuo e margem para entendimentos), o valor de cota acaba por ficar inflacionado. É importante, também, não esquecer que vai haver sempre alguém que, embora sem mexer uma palha, tire partido da luta levado a cabo por outros. Pelo menos, tem sido assim ao longo dos anos.
Nota: o episódio do despacho ministerial a propósito do surto da Legionella e da greve dos enfermeiros vem demonstrar que os problemas que enfrentamos são (muito mais) de causa política do que de natureza sindical.