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Eutanásia: uma armadilha dupla

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Para os católicos, a Páscoa representa a passagem da morte para a vida. Mesmo para os não crentes, a Páscoa anuncia o fim do Inverno e a chegada da Primavera. A Páscoa sempre representou a passagem de um tempo de trevas para outro de luzes, isto muito antes de ser considerada uma das principais festas da cristandade.

Há algumas semanas, foi divulgado um manifesto a favor da eutanásia em que se defende o direito a morrer com dignidade. Como é bom de ver, o cidadão menos esclarecido pode ficar baralhado: será essa a única via para se ter uma morte digna?

Cedo se multiplicaram vozes de apoio ao movimento, e o mesmo aconteceu por parte dos seus oponentes. Ficou célebre a participação da Bastonária da Ordem dos Enfermeiros num debate na Rádio Renascença. Por muito respeitável que seja a opinião de cada um, à luz da lei portuguesa, a eutanásia é crime, sendo que o Código Deontológico dos Enfermeiros diz que a vida humana deve ser protegida e defendida em todas as circunstâncias.

Uma das armadilhas dos nossos dias, é a facilidade com que os meios de comunicação social (incluindo as redes sociais) propagam um determinado acontecimento. Há muitos casos em que o representante máximo de uma profissão (seja ela qual for) não é a melhor escolha para participar num debate sobre um assunto tão concreto.

A Ordem dos Médicos não perdeu tempo, e numa “entrada a pés juntos”, remeteu o caso para o Ministério Público, Inspecção Geral das Actividades em Saúde e Ordem dos Enfermeiros. Só que, entretanto, vieram a público alguns testemunhos de médicos, onde se corroboraram as palavras da Enf.ª Ana Rita Cavaco. Não obstante, a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros veio desdizer aquilo que todos ouviram…

José Manuel Silva, no seu estilo inconfundível, teve uma reacção (muito) mais discreta face aos casos de eutanásia alegadamente praticados pelos seus pares. Igualmente estranha foi a reacção da APCP, seja porque emitiu um comunicado dirigido apenas à Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, seja porque quem assina o texto é um grupo de enfermeiros… Onde estão os outros profissionais de saúde que integram a APCP?

É estranho que o país pare por causa de algumas declarações proferidas na imprensa, rádio ou televisão, ao mesmo tempo que se sabe que em Portugal não faltam casos de distanásia. Não faz muito sentido que mais de 7000 pessoas tenham assinado o manifesto a favor da eutanásia, ao mesmo tempo que apenas 2000 tenham um testamento vital. Como se obtém o consentimento informado, esclarecido e livre?

É possível que a eutanásia seja bem vista/vinda por muitos cidadãos, uma vez que os serviços (e os profissionais) de saúde nem sempre garantem o mínimo sofrimento possível à pessoa. Os cuidados paliativos nem sempre resolvem tudo, e nem sempre chegam a todos. Alguns dos mais ilustres adversários do movimento pela eutanásia tiveram, recentemente, responsabilidades governativas no país, e conhecem uma realidade de atendimento ao cidadão que não espelha aquilo que se passa no SNS, nem tão pouco no sector privado.

Simona, uma mulher belga de 85 anos, decidiu acabar com a sua vida após a morte de uma das suas filhas (Van Hoey deu-lhe a beber uma poção parecida com sumo de laranja). Aqui temos um caso muito claro, que nos ajuda a perceber o grande dilema que esta discussão encerra: a decisão individual versus o posicionamento da sociedade face a uma vontade pessoal que inevitavelmente tem repercussões nos seus familiares e amigos, mas também no modelo civilizacional em que estamos inseridos.

No fundo, estamos perante uma tentativa de transformar o suicídio numa técnica (de morte) executada por profissionais de saúde, com o beneplácito da sociedade.

Que mundo queremos construir?

N.B.: para uma melhor análise deste tema vale a pena ter presente os dados relativos à taxa de suicídio em Portugal (9 a 10 por cada 100 mil habitantes) bem como a facilidade com que no mercado negro se podem encontrar fármacos para antecipar a morte (Revista Visão de 25-2-2016; Nembutal).

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