Nesta edição especial entrevistamos alguém que já se constitui um exemplo do opinion-maker não institucionalizado, suportado no anonimato. Falamos do autor do blog doutorenfermeiro, em entrevista exclusiva ao Forumenfermagem.
Qual a razão porque criou o seu blog? | ||
É uma questão de evolução natural. Penso que os Enfermeiros devem sempre recorrer às melhores estratégias para a difusão de informação e partilha de experiências. A internet é, sem dúvida, um óptimo canal. Fundamentalmente, foi a vontade de unir a classe e dirigir a sua atenção para tudo o que a rodeia (problemas, notícias, interesses, projectos, questões formativas, etc…), fomentou a necessidade em desenvolver um blog. O que há algum tempo atrás, demorava semanas a ser espargido por toda a classe, hoje pode ser conseguido em tempo real, com as respectivas vantagens que daí advêm. Hoje existem muitos blogs (é congratulante!), o que traduz a adaptação da classe às novas estratégias/dimensões tecnológicas. |
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O que exige manter este blog actualizado e moderado diariamente? Que desafios encontra no dia-a-dia desta gestão? | ||
Exige um grande esforço pessoal. Apesar de parecer um “projecto” pequeno e banal, faz-me despender muito do pouco tempo que disponho. Por vezes, sacrifico outros aspectos da minha vida para o efeito. A necessidade em escrever posts com informações correctas (o que pressupõe pesquisas) torna a escrita de alguns artigos morosa. Outros – baseados na imprensa – são mais fáceis de conceber pois, diariamente, percorro vários jornais e revistas. Outros ainda, são fruto do desenvolvimento de algumas dicas que certos colegas me enviam por e-mail. O acesso a determinadas informações segue, muitas vezes, o mesmo processo (dicas identificadas ou anónimas). Alguns posts, por absurdo que pareça, consomem vários dias na sua concepção, porque as informações em causa, mesmo que informalmente, são difíceis de obter (como por ex., o conteúdo de reuniões institucionais) ou porque a informação é excessiva e necessita de ser filtrada. |
O que destaca mais no seu blog? Possui outros espaços cibernéticos que deseja partilhar? | ||
Nada em particular, é um espaço que vale, modestamente, pelo seu todo. A tentativa em actualizá-lo diariamente é o que, talvez, mais destaque. |
O que nos pode dizer quanto a estatísticas do site? | ||
Não é algo que me preocupe em especial, embora seja gratificante constatar que o espaço é partilhado com cada vez mais Enfermeiros e outros leitores. Neste momento as visitas rondam as 145 mil, com uma média diária de 600-800 visitas. Em momentos de maior polémica, esta média poderá ser alvo de um incremento (certos artigos tiveram mais de 200 comentários!) e atingir mil visitas/dia. Tem um total de mais de 500 posts, muitos milhares de comentários e e-mails. O aumento de visitas denota que a informação se dissemina cada vez mais, o que me deixa naturalmente satisfeito do ponto de vista pessoal e profissional. |
No seu entender, que perspectivas positivas/negativas podemos ter face à resolução da nossa carreira? | ||
Gostava de traçar uma perspectiva optimista, mas tendo em conta a actual conjuntura sócio-política e profissional, penso que poderemos encontrar algumas barreiras às nossas pretensões. Existe várias indefinições a esse nível, mas espero que haja sensibilidade por parte da tutela para pôr cobro às injustiças de que os Enfermeiros padecem. Julgo que a classe se deve unir em torno deste objectivo. Por outro lado o excedente de profissionais de Enfermagem (e que daqui a alguns anos ainda será um problema maior), a desvalorização e banalização do nosso trabalho dificulta a negociação da mesma, especialmente no sector privado. É imperativo que a par de uma nova carreira profissional, se imponha uma reestruturação de competências profissionais. O modo mais sensato de dinamização do sistema de saúde, implica a descentralização das competências médicas e redistribuí-las por outros profissionais. A elevada dependência em algumas vertentes, é um entrave ao desenvolvimento da nossa autonomia. Neste momento corremos o risco de ver a nossa profissão massacrada por intromissões de outros profissionais na nossa esfera profissional. Ao contrário de outras classes, a Enfermagem está a encontrar dificuldades na sua adaptação ao séc. XXI. Temos de encarar a suposta nova carreira como um agregado de pressupostos que dependem de si mutuamente. Vejamos: o reconhecimento social adequado está intimamente relacionado com o incremento de responsabilidade e exigência profissional, que por seu lado implica uma formação mais rigorosa, que por sua vez é inerente a um salário compatível com a respectiva função, etc… Ou seja, para que a progressão seja sustentada terá que ser impulsionada nos vários níveis e dimensões profissionais. A progressão suportada apenas por um factor, não é seguramente a melhor solução. Um exemplo prático: como podem os Enfermeiros encetar uma luta contra a dor, quando nem um simples Paracetamol (que é de venda livre (MNSRM)!), legalmente, é possível administrar sem prescrição médica? Conscientemente sabemos que as terapêuticas não farmacológicas têm uma eficácia e interesse relativo, daí que era natural a possibilidade de prescrever de certos fármacos. Não é uma questão de tomar o lugar do médico. É uma questão de aplicar as terapêuticas farmacológicas aos diagnósticos de Enfermagem. E neste exemplo concreto, se os Enfermeiros pretendem, realmente, investir nesta área, não é possível fazê-lo dependendo da vontade médica. E este exemplo é generalizável para todo o espectro de exercício dos Enfermeiros. A convenção de que só os médicos podem e devem prescrever tem de acabar em Portugal, tal como já acabou em muitos países. |
Como interpreta a actual desunião que se sente na nossa classe? Que soluções? | ||
Diria antes uma desorientação. No entanto, efectivamente, na nossa classe a unanimidade não é frequente. Mesmo quando se trata de assuntos aparentemente com pouca margem de discordância, existem sempre opiniões contestatárias. Se eu lhe disse que existem Enfermeiros que afiançam que os nossos salários já são demasiadamente elevados, ficaria admirado. Mas existem. E pensamos nós que este era um tema que primava pela consonância! Felizmente, neste caso concreto, as opiniões divergentes são raras. Correntemente, a classe de Enfermagem está a ser assolada por uma multiplicidade de problemas que a constringem. Como estas “dificuldades” têm uma etiologia multifactorial, emergem opiniões distintas que tentam aclarar e resolver as diversas contrariedades. Para juntar a isto, existe também a heterogeneidade da classe (como por exemplo a nível formativo, profissional e concepcional), o que leva os colegas a perspectivarem a realidade de formas diferentes. Consequentemente, as soluções propostas também são diferentes. A solução mais coerente é objectivar as concepções inerentes à profissão. Um exemplo prático: para mim parece lógico que os Enfermeiros possam realizar, legalmente, suturas simples. Para si pode não ser assim tão lógico. Agora diga-me, se nem no problema estamos de acordo, como podemos estar em relação à solução? Se calhar até devíamos começar a falar em “acto de Enfermagem”. O “REPE” foi um avanço extraordinário, mas assenta numa matriz que começa a não dar resposta às necessidades. |
Qual a sua opinião sobre o Modelo de Desenvolvimento Profissional (MDP)? | ||
Julgo que se revelará um bom instrumento para o desenvolvimento profissional se forem resolvidos alguns problemas que o ameaçam. Desde logo, parece-me conveniente que as vagas de um presumível futuro internato de Enfermagem, sejam compatíveis com as vagas que o ensino superior reserva para o curso de Enfermagem. E se um dos objectivos do MDP é refrear o fluxo formativo de Enfermeiros através da limitação de vagas de acesso ao internato, a curto prazo constataríamos que esta solução seria outro problema. O que fazer aos milhares de licenciados em Enfermagem que não teriam lugar no respectivo? À semelhança da formação médica, o internato não deveria deixar profissionais de “fora”. Ao invés, as vagas devem ser limitadas (e muito!) ao nível do acesso ao curso de Enfermagem, o que pressupõe a necessária negociação com a tutela. Há quem arrisque números e afirme que o internato deveria suportar apenas cerca de 1000-1500 vagas por ano (se quisermos ter uma formação com elevados padrões de qualidade e rigor). Eu ia mais longe: julgo que esse número deveria ser coincidente com o número de vagas do ensino superior para a área de Enfermagem. Isto para deixarmos de brincar aos “cursinhos” de Enfermagem! Deixo apenas uma nota final relacionada com um receio que me preocupa: espero que o MDP não se torne numa fonte de rendimentos baseados nos emolumentos inerentes às certificações e reconhecimentos formativos! |
A Ordem dos Enfermeiros (OE) comemora os seus 10 anos. Que balanço faz? | ||
Apesar do que frequentemente escrevo no blog, sou plenamente a favor das Ordens Profissionais. São uma mais-valia na regulação profissional. No entanto, a nossa “actual” Ordem pouco ou nada tem feito por essa regulação. Temos experimentado tudo: desde do desemprego (apesar desta ser uma atribuição da tutela, nos últimos anos não temos constatado qualquer tipo de medida para contestar e reverter este processo por parte da OE) traduzido por uma má regulação da oferta académica, às discrepâncias das exigências formativas, aos “campos de estágio” sem critérios pedagógicos, à usurpação de funções por parte de outras classes profissionais, à incapacidade de uniformizar planos de estudos e fazer cumprir posições públicas. Por outro lado, temos uma Ordem que se resguarda em demasia de certos temas. Sabemos que certas questões, nomeadamente as relacionadas com o âmbito laboral, são do foro sindical, não fazendo parte das suas atribuições. No entanto, com frequência, a OE radicaliza esta questão, demarcando-se a todo o custo de certos assuntos que envolvem os sindicatos. Existem Ordens que acompanham os respectivos sindicatos na defesa da profissão ou mesmo na negociação de carreiras, embora seja compreensível que ambos intervenham dentro das suas competências. A maior parte dos problemas são multi-dimensionais, e existe “espaço” para todos intervirem. |
Quais as suas expectativas relativas ao futuro da profissão? | ||
Se seguirmos o actual “trilho”, poucas. Necessitamos de nos modernizar, de desenvolver instrumentos de intervenção profissional que permitam expandir a nossa autonomia. Urge melhorar a nossa formação, ajustando-a às necessidades. É imperativo reajustarmos a nossa esfera de competências. Hoje em dia, ainda somos ridiculamente dependentes nas mais variadas vertentes de actuação, tendo em conta o nosso nível formativo. É uma questão evolutiva. Pode aplicar aqui a Teoria de Darwin. (Olhe um exemplo: o pré-hospitalar. Em Portugal, a emergência pré-hospitalar está demasiado centrada nos médicos. Os Enfermeiros, que muitas vezes nesta área, dão formação teórica e prática aos clínicos, no terreno estão paradoxalmente limitados! Se os Enfermeiros sabem, formam e têm o Know-How necessário, porque é que não podem aplicar, legalmente e de forma independente, a sua experiência?) Por outro lado, o desemprego fragiliza muito a classe. E para que as expectativas de futuro sejam boas, temos de resolver a “mãe de todos os males”. Depois temos aquela velha máxima: unidos, e sendo a maior classe profissional do sector da saúde, os Enfermeiros têm todas as possibilidades de fazer reconhecer o seu mérito. |