O Forumenfermagem como prometido, cumpriu. Tudo iríamos fazer para tentar esclarecer muitas dúvidas dos enfermeiros, e para isso era nosso objectivo no primeiro aniversário, tal proeza. Mas devido aos muitos assuntos que ocupam a nossa Bastonária, ofereceu-nos da mesma a “prenda” passados dois meses do aniversário ao apresentar uma cortesia e uma simpatia inqualificável para com a nossa reportagem.
Balanço, novidades e necessidades de algumas alterações, Licenciatura pode passar para 5 anos…
Segue-se a entrevista de forma simples, e de forma directa para melhor compreensão.
FE – Que balanço faz deste de ano e meio à frente da Ordem dos Enfermeiros ?
MAS – A análise é positiva, embora não tenha haver exclusivamente com este mandato, mas sim com todo um percurso que tem sido feito, de forma persistente. Abrimos canais de intervenção diferentes daqueles em que tradicionalmente intervínhamos. Ou seja com um trabalho de base passámos a ser chamados para interferir em opiniões e seminários do Infarmed, como por exemplo sobre a política do medicamento onde os enfermeiros não eram chamados. Também e onde a posição dos enfermeiros se fincou foi essencialmente à segurança do medicamento.
Uma outra vertente tem haver com os cuidados de proximidade. Fizemos a entrega junto do Ministério de um documento sobre os cuidados de proximidade que permitirá balizar as discussões onde os enfermeiros pela natureza dos cuidados que prestam levantam questões que mais ninguém pode levantar. Estes são exemplos de actividades que nem sempre são visíveis.
No que diz respeito ao que é mais visível temos tentado levar a informação aos nossos membros de uma forma mais atempada, através da edição da Revista da Ordem agora com um design mais atractivo.
FE – Um dos aspectos recorrentes nas discussões do Forumenfermagem é a carreira de Enfermagem. O decreto-lei 437/91 que a rege já tem 14 anos, entretanto a formação inicial de enfermeiros passou a ser uma licenciatura de raiz, Existem cada vez há mais enfermeiros a concluir Mestrados e Doutoramentos pelo que se torna evidente que a carreira deveria ser reestruturada. Que aspectos gostaria de ver contemplados na discussão dos enfermeiros acerca da sua carreira?
MAS – Como deve calcular essa é uma área que não compete à OE. Mas não me importo de dizer qual a leitura que temos sobre essa matéria. A formação é um dos grandes debates que os enfermeiros vão ter que fazer O que é que queremos para o futuro?,. Temos que contextualizar estas questões, na Enfermagem. Dois pilares suportaram o seu desenvolvimento e o seu estádio, eles são a formação e a carreira.
A carreira foi fortemente condicionada pelo desenvolvimento de cada enfermeiro individualmente pela posse ou não posse de uma formação formal, parece que não tínhamos mais nada. Não podemos continuar a determinar que a evolução da prática profissional e do seu regulamento como profissão seja este. Esta é uma questão central que vamos ter que discutir.
Isto não significa que não seja importante haver Mestrados e Doutoramentos. É fundamental que haja aprofundamento da disciplina, sob o ponto de vista científico.
O facto de hoje a Enfermagem ter o reconhecimento da Academia, é muito importante. Este é um ganho da década de 90. Este facto será sempre para se desenvolver e não para recuar, porque já ninguém contesta isso. Mas o modelo que hoje temos é determinado pela aquisição ou não aquisição de uma formação estruturada e escolar. Não podemos é continuar a olhar para o futuro da mesma maneira. É disso que se trata, da definição de outros percursos formativos que não tenham que ser os percursos formativos escolarizados.
CURSO DE BASE COM 5 ANOS,
PARA GANHAR-SE MATURIDADE…
FE – Defende a criação de um quinto ano na Licenciatura, mas em que moldes?
MAS – Esta questão do quinto ano tem haver com outra vertente. É sabido que se diz que quando um jovem acaba a sua licenciatura não está preparado para aquilo que é a exigência actual do exercício profissional, e que se relaciona com o exercício autónomo da profissão. Não nos esqueçamos que não recuámos no tempo, mas sim avançamos a toda a velocidade. Isto não tem a ver apenas com uma questão de duração dos cursos. É mais do que isso. O que está em causa é a capacidade de poder garantir que um jovem quando termina o seu curso de formação inicial, está em condições de poder exercer autonomamente e na plenitude a profissão com todas as consequências que dai advêm. O jovem pode ter as ferramentas que lhe permitam conceber os cuidados, mas ainda não tem a maturidade suficiente para poder assumir na plenitude daquilo que são as consequências do exercício profissional, é fácil ver o que acontece. Provavelmente estes jovens passam apenas a executar exclusivamente. Não podemos continuar a ter enfermeiros licenciados com todas as ferramentas para conceber, que eventualmente pensem que a sua função é exclusivamente executar.
Estamos a falar de uma passagem, tanto teórica como prática, sob o juízo na prática profissional. Não é apenas uma integração. Pretende-se que o jovem que chega ao exercício da prática profissional saiba que há outro enfermeiro que é responsável com ele por aquilo que ele faz.
Não estou a dizer que os jovens que terminam a licenciatura não estão bem preparados. Isto não tem a ver com preparação, tem a ver com níveis de maturidade. Hoje um jovem de 20 ou 21 anos não tem as mesmas condições que nós tínhamos há anos atrás, tem uma maturidade inferior, tem a ver com o que é ser enfermeiro hoje em dia, com as transformações que a sociedade sofreu.
FE – Não terá a ver também com a possibilidade de a formação inicial se ter transformado num percurso demasiado teórico?
MAS – A complexidade e a autonomia profissional implica poder dizer “eu não faço” e apontar os argumentos que estão na base dessa decisão. A necessidade de segurança para poder fazer “isto” hoje é maior do que antes, em que esta questão era mais linear em relação à execução. Hoje o exercício da autonomia exige um nível e uma capacidade de decisão superior.
A profissão deve estar estruturada por etapas de assunção de responsabilidades, que não é uma questão funcional, acerca das funções do enfermeiro graduado ou do enfermeiro especialista mas sim da assunção das competências na globalidade. As competências do enfermeiro na sua globalidade quando inter cruzadas são complexas.
As questões da formação ser incompleta é igual em todas as gerações, todos nós dissemos isso quando chegamos à prática, mas não é isso que está em causa. Hoje o jovem que sai da sua licenciatura corre de 3 em 3 meses de instituição em instituição. Ele faz uma vinculação a que? Só que esta não é uma questão da regulação da profissão, é uma questão da regulação global da sociedade onde a tendência é para a desregulação.
FE – Para quando se prevê está alteração, uma vez que se sabe que existe uma força em sentido contrário inerente à estruturação em graus que o Processo de Bolonha prevê?
MAS – A questão que se coloca aqui é a seguinte, esta área da formação propriamente dita cabe ao Ministro da tutela, mas a profissão cabe-nos a nós (OE) tutelar. Para não haver dúvidas, o exercício profissional cabe-nos a nós. Por isso, estamos a trabalhar no sentido de que haja um período de tempo de aprendizagem em que estamos dependentes naquilo que não podemos decidir.
Admitindo que pelas razões relativas ao processo de Bolonha ou politicamente a decisão não seja por essa via, a OE tem a obrigação de criar as condições para aquilo que é correcto. Para quando é que isto é? Não lhe posso dizer porque alguns destes pontos ainda vão ser discutidos no próximo Congresso em Maio. Mas é ponto a assente para nós Conselho Directivo que este vai ser o caminho.
FE – Não se corre o risco de criar vários níveis de enfermeiros, uns com formação de 3 anos, outros com formação de 3+1 ou 4 de raiz, e ainda outro com formação de 5 anos?
MAS – Não podemos ir por ai, pela via exclusivamente da formação académica. Não podemos condicionar o exercício profissional. Temos que discutir como enfermeiros que somos são o exercício profissional.
Na discussão da carreira o reconhecimento actual da licenciatura também determina questões como o enquadramento salarial, mas não pode determinar o exercício profissional. Temos que separar o que é a discussão da carreira, ou seja, as regras da relação laboral daquilo que é o exercício profissional.
FE – Muitos dos enfermeiros especialistas estão hoje em dia ocupados em funções administrativas, inclusive esperava-se que tivesse havido uma reestruturação dos CESEs, que não aconteceu, desiludindo muita gente. Será de esperar alguma modificação neste cenário?
MAS – Voltamos para a questão central, que é a necessidade de alterar os percursos, e temos que pensar se este tem que passar por ir fazer um curso e após isto mudar o contexto independentemente deste não ter nada haver com a minha prática profissional, ou se temos que ter outros percursos, que permitam a ligação à nossa própria actividade profissional.
“ESPECIALIDADES NUNCA ESTIVERAM SUSPENSAS…”
As especialidades nunca estiveram suspensas, tiveram um período em que não puderam abrir devido a uma portaria foi publicada. No momento em que saiu o diploma que criava as licenciaturas, alterou-se o quadro que existia anteriormente. Qualquer instituição de Ensino Superior pode abrir os cursos mesmo sem autorização superior, o que acontece é que estes cursos têm directamente haver com a atribuição do título de especialista, não foi uma situação normal.
FE – Em alguns países, a especialização do enfermeiro tem muito haver com a necessidade do próprio hospital, fazendo propostas ao profissional para se formar. Mas a partir da estrutura hospitalar, claro que poderá haver parcerias com instituições de ensino, para certificar a própria formação. Mas é muito em contexto de trabalho, vê neste modelo uma vantagem?
MAS – Vejo uma vantagem, no sentido do desafio que atrás coloquei, encontrarmos um modelo para que este seja o foco da alteração, e essa alteração tem que ligar fortemente os percursos formativos à própria actividade profissional, abrir caminhos e esses são os da profissão de garantirmos que estes não são dominados pelo hospital mas sim, determinado por aquilo que é a nossa responsabilidade perante os doentes.
FE – Esteve presente no Congresso do ICN em Taipei, e com certeza teve oportunidade de contactar com diferentes realidade da Enfermagem no mundo. Se tivéssemos que seguir um modelo de assistência e cuidados de saúde que país gostaria de ter como exemplo?
MAS – Nenhum (risos)
FE – E dos Estados Unidos?
MAS – Esta questão dos modelos e do próprio contexto do desenvolvimento da Enfermagem em cada país, remete para os diferentes tipos de desenvolvimento de sociedade…por exemplo o modelo dos Estados Unidos é um modelo que promove uma Enfermagem evidentemente dependente da tecnologia e por isso tecnicista e menos em valores que eu considero fundamentais.
FE – Vê com bons olhos esse desenvolvimento?
MAS – Uma coisa é o modelo de serviços de saúde que deve garantir dentro da sociedade que vivemos que não seja ele próprio um modelo de exclusão. O modelo que existe nos Estados Unidos exclui milhares de Americanos, o que faz com que eu como cidadã e enfermeira não possa estar de acordo. É uma sociedade onde o papel da Enfermagem está fortemente ligado aos aspectos da técnica.
FE – Estamos a caminhar para um modelo onde o Estado regride na sua participação na assistência de saúde, acha que os enfermeiros devem defender o SNS como uma peça fundamental para a saúde da população?
MAS – Os enfermeiros como profissionais vão sempre dizer que qualquer que seja a organização assistencial, esta não pode excluir nenhum cidadão. A questão de quem paga ou quem não paga.
Como profissionais de saúde temos responsabilidades nessa matéria. Se as organizações caminharem no sentido de outras formas de organizar cuidados, nomeadamente mais próximos, eles hão-de sair mais baratos ao sistema no seu global e ao cidadão.
Hoje em dia, objectivamente há desperdícios como o facto de se fazerem os mais diversos exames em triplicado. Tudo isto são custos. A sustentabilidade do sistema tem que ser de forma diferente, não pode assentar nesse modelo.
Cada cidadão pode ter seguros de saúde, mas o sistema global de saúde não pode assentar o seu financiamento exclusivamente nos seguros de saúde, como acontece nos Estados Unidos, quem não tem seguro fica excluído.
Por outro lado, na Bélgica onde vivi, o sistema de segurança é diferente do nosso, que se baseia num mecanismo mutualista, não há nenhum cidadão belga que não esteja obrigatoriamente inscrito na mutualidade, e permite aceder à segurança social, à pensão na velhice, aos cuidados de saúde. Não nos esqueçamos que é um sistema privado.
FE – Há escassos dias ficou legislado o congelamento da progressão na carreira até final de 2006. Além disso o aumento da idade de aposentação para 65 anos também é uma outra medida que tem causado uma ampla união dos profissionais no sentido contestar essa medida. Que comentário estas situações lhe merecem?
MAS – Está não é apenas uma questão dos enfermeiros mas de todos os funcionários públicos. Por outro lado, devemos distinguir a questão do congelamento da progressão na carreira do aumento da idade de aposentação, porque são questões diferentes.
A questão da carreira, além do congelamento, este período de tempo prevê a reestruturação das carreiras dentro da função pública, que neste momento seguem uma arquitectura semelhante entre elas. Estamos a falar exclusivamente de salário, não estamos a falar de mais nada.
A aposentação é uma outra coisa totalmente diferente.
FE – A ultima greve convocada pelos Sindicatos teve uma adesão de mais de 85%, e vimos o Ministro da Saúde afirmar a dizer que não mudava nem uma virgula…
MAS – A nossa história diz-nos uma coisa, temos força para conseguir ganhar, e ter força para conseguir ganhar não quer dizer ganhar de imediato, nem que a greve tivesse sido de 100%, só se consegue ganhar com perseverança. Uma greve destas é importante para saber as forças com que se contam quando se partir para a negociação, pois esta é uma questão politica.
Na questão da aposentação devem-se esgrimir os argumentos da razão pela qual é reconhecido ao exercício uma majoração para a reforma em tempo. Este é um ganho de 1991. Estou convicta que o Ministro vai pensar duas vezes, pois outras formas têm que ser encontradas, mas existem fundamentos para continuar a dizer que o risco profissional dos enfermeiros não pode ser compensado de outra forma que não seja esta.
Imaginemos que se chega à conclusão de que se compensa o risco profissional por atribuição de um subsídio, com que argumentos ficaríamos para dizer que um enfermeiro se deve aposentar aos 58 anos?
DESGASTE FÍSICO NÃO SE RESOLVE COM SUBSÍDIOS…
FE – Acha que os Sindicatos aceitariam a proposta de substituir a majoração de anos de reforma por um subsidio de riscos?
MAS – Os argumentos têm sido sempre relativos ao assegurar qualidade de cuidados, que o enfermeiro esteja em condições de os prestar, e não me passa pela cabeça que os argumentos não sejam estes. Por isso nunca deveríamos ir por ai, porque o subsídio de risco é uma forma de camuflar a justiça de salário que devíamos ter relativamente ao trabalho que fazemos. É uma forma de compensar uma coisa que não se resolve com dinheiro. O desgaste físico não se resolve com dinheiro. O desgaste físico pode ser atenuado mas nunca eliminado, só deixando de prestar cuidados, mas não podemos deixar de prestar cuidados só porque há risco. Mas quando se chega aos 50 anos deveria ser dada a possibilidade de deixar de fazer determinadas actividades.
FE – Uma das opções que o ministro sugeriu para viabilizar o aumento de idade de reforma, seria retirar os funcionários, neste caso os enfermeiros para funções mais sedentárias, como de trabalho administrativo. Acha isto possível? Colocar os enfermeiros a partir de uma certa idade a pedir stocks?
MAS – Os enfermeiros não existem para pedir stocks, estaríamos a inverter as coisas. Os enfermeiros existem para prestar cuidados de enfermagem e ponto final. Para pedir stocks não precisamos de ter licenciados em Enfermagem, não podemos deixar inverter isto.
A idade de aposentação é hoje em dia um aspecto específico à nossa profissão, os enfermeiros não se podem calar.
FE – Conhece com certeza os cursos de Técnicos Superiores de Higiene e Segurança no Trabalho. Muitos enfermeiros concluíram está pós-graduação, e trabalham nesta área. Porque é que a OE não reconhece o título de Enfermeiro no Trabalho? Tanto mais, que é obrigatório os hospitais terem estes profissionais nos hospitais…
MAS – Isto tem a ver com aquilo que disse anteriormente, acerca de encontrar novos percursos formativos, e a reestruturação das especialidades. Isto irá reflectir-se nestas questões.
Tem a ver com alterações estatutárias a introduzir, com o reconhecimento de competências para não ficarmos agarrados à formação formal. Nós não temos neste momento estatutariamente quadro legal para a atribuição desse título: Enfermeiro do Trabalho.
FE – Está é uma área que poderia ser da responsabilidade de enfermeiros, mas neste momento para exercer nesta área, os enfermeiros têm que deixar de ser enfermeiros para serem Técnicos Superiores de Higiene e Segurança no Trabalho…
MAS – Não é apenas esta área, são muitas outras ás áreas que a OE vai ter que abordar. Eu preferia não estar a especificar áreas porque esse é um trabalho que compete ao Conselho de Enfermagem.