Algo de novo parece estar a emergir da crise que a Enfermagem atravessa. As instituições estão sob a pressão constante de um crescente número de profissionais esclarecidos por um maior acesso a fontes alternativas de informação. Qual o nosso desafio?
A democracia fundada no credo do pluralismo de ideias e pensamento é um desafio constante, a atual crise teve uma base cultural e politica antes mesmo de ser económica. E a nossa profissão não parece ser diferente, as antigas grandes narrativas da profissão perderam força no choque com o vigente regime de verdade: a austeridade.
Os últimos anos respondem a este padrão: a profissão deveria estar altamente “responsiva” às ameaças e oportunidades que surgem na sociedade e nomeadamente no sistema de saúde sob ameaça, mas em vez disso, deparamo-nos com organizações onde reinam hegemonias mais ou menos fechadas, regimes em que o poder não é disputado e a participação política é limitada. A consequência foi, parece-me, a dificuldade em mobilizar os enfermeiros e o anémico avanço (e até recuo) na última década em áreas-chave para o papel que a Enfermagem reivindica:
- Disciplina: alicerçar a autonomia profissional no conhecimento cientifico sólido delimitado disciplinarmente para ser capaz de dialogar sem complexos com as outras ciências.
- Especialização: maior diferenciação profissional no sentido das necessidades percebidas na sociedade
- Carreira: elevação do reconhecimento social dos profissionais através de uma carreira digna
O triângulo disciplina-especialização-carreira (D-E-C) foi percebido até finais da década de 1990 como se fossem 3 frentes de ataque dos enfermeiros e sobretudo dos líderes dessa altura. No entanto, os ataques que a profissão sofreu desde aí, fez desmoronar as expectativas e do ataque passamos à defesa, e ultimamente à contenção de danos naquilo que foi ganho ao longo de décadas.
Isto ocorre ao mesmo tempo que temos a geração melhor preparada de sempre cultural e intelectualmente, mas perdida no meio da crise dos mercados ou do Mercado (ideologia). Os discursos de fundo sobre o triângulo D-E-C padecem hoje de desarticulação, tal como padecem de desarticulação as instituições que correspondentemente têm como foco de atuação/intervenção cada lado do triângulo: Escolas-Ordem-Sindicatos. O pacto informal da década de 1990 é agora uma passagem saudosa da história da nossa profissão.
E é neste cenário que algo de novo pode estar a surgir. A ampliação da participação política de uma nova geração de enfermeiros cada vez menos tolerantes com a passividade e o politicamente correto, a Geração da Enfermagem das Redes Sociais, da Precariedade e da Diáspora, que através das suas redes informais fazem circular informações e opiniões que facilmente podem ser confrontadas criticamente e por isso alvo de melhor reflexão. Estas redes pela sua natureza circunstancial pouco estruturada são ao mesmo tempo uma possibilidade à novidade. Os enfermeiros portugueses por força da Diáspora, têm hoje acesso a realidades diversas da portuguesa e necessariamente isso deverá confrontar novas visões para a Enfermagem Portuguesa, que diga-se de passagem foi precoce/vanguardista na Europa.
Esta Geração já não acredita em lemas fáceis nem “salvadores da pátria” e, por isso, tem o potencial de repensar o papel da nossa profissão numa sociedade e sistema de saúde ameaçados. Esta Geração pela especificidade dos seus problemas (um deles a empregabilidade) tem o desafio de influenciar os regimes de poder vigentes. Já ninguém tem paciência guerras entre as velhas capelas da profissão. Entretanto cá fora uma profissão outrora promissora, agora definha.
Mais liberdade, mais reflexão estruturada e mais pluralidade (reconhecimento e respeito pela diversidade) são os ingredientes para renascimento da Enfermagem, em novos e velhos espaços, novos e velhos fóruns da profissão. E um dia destes voltaremos a falar da forma como é pertinente uma nova harmonia (pacto) entre as três frentes D-E-C. Assim seja. Esse é um bom desafio!