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Enfermagem: Contextos e Percepções

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Revista Nursing

Enfermagem: reflectir o passado, compreender o presete e projectar o futuro

Autores

Célia Maria Gonçalves de Sousa

Enfermeira Generalista

Hospital de Santarém, S.A. – Serviço de Urgência;

Fernando Miguel Nogueira Santos

Enfermeiro Generalista

Hospital Egas Moniz, S.A. – Bloco Operatório Central

Márcia Sofia Patrício Costa

Enfermeira Generalista

Hospital de Santarém S.A. – Serviço de Cardiologia

Marco Alexandre Oliveira Rodrigues

Enfermeiro GeneralistaCentro Hospitalar do Médio Tejo, SA – Hospital de Tomar – Unidade de Cuidados Pós-Cirúrgicos

RESUMO

As imagens e percepções que a sociedade possui, relativamente à enfermagem têm sofrido alterações ao longo dos tempos, sendo proporcional às constantes exigências sociais e a evolução do próprio papel da mulher na sociedade.

Actualmente ainda se verifica, neste grupo profissional uma indefinição do seu papel específico, o que contribui para uma imagem nem sempre clara. Por vezes, são os próprios enfermeiros que não valorizam determinadas actividades autónomas, sendo aquelas que gozam de menor prestígio social delegadas a grupos que lhes estão subordinados.

De modo a dar resolução a tais questões é necessário que os enfermeiros dêem mais visibilidade aos raciocínios analítico-interpretativos inerentes ao processo de cuidados presentes em cada situação específica.

Se assim o fizerem estaremos a contribuir para a melhoria da percepção da imagem/estatuto da enfermagem.

De modo a compreender a diversidade de imagens com que a profissão se depara no presente há que pensar o passado com a finalidade de o compreender e projectar coerentemente o futuro, pois a forma como a enfermagem se continua a desenvolver face aos desafios contemporâneos depende, não só da forma como se compreende as tradições do passado mas, em grande parte, do comportamento dos enfermeiros de hoje e de amanha, ou seja, depende de todos nós.

Enfermagem: reflectir o passado, compreender o presente e projectar o futuro.

Desta forma, e nesta reflexão, a linha de pensamento adoptada, irá rodar em torno de três eixos que são considerados fundamentais: a identidade, a autonomia e o processo de formação.

Assim, no que se refere à identidade profissional, a enfermagem depara-se com uma indefinição do seu papel específico, contribuindo para a construção de uma imagem nem sempre clara, em que ainda não se encontrou um campo de acção específico, o que leva a constantes incertezas, tanto para os próprios enfermeiros como para os outros profissionais de saúde e até para a sociedade, com quem interagimos.

Desta forma, para uma efectiva percepção desta problemática, as identidades, que caracterizaram a profissão de enfermagem no passado, devem ser tidas em conta, para compreender o processo de construção identitária do presente e reflectirmos sobre quais as identidades que se querem e se pretendem construir no futuro.

Assim, se pensarmos um pouco no passado da enfermagem, veremos que a identidade e consequentemente a imagem da disciplina e da profissão foi crescendo em torno do papel das mulheres que desenvolviam o “cuidar como acto de amor” e que não era sujeito a remuneração, estando esta imagem sujeita as oscilações sociais do estatuto feminino (Amendoeira, 1999).

De que forma é que a disciplina de enfermagem evoluiu?Os conhecimentos eram adquiridos e edificados pela mulher de uma forma autodidacta, ou seja, através da experiência que cada mulher vivia em si mesma, saberes estes que estavam inerentes ao senso comum, e que posteriormente eram transmitidos de mulher para mulher.

Contudo, é através da aproximação à medicina, que a enfermagem conquista o reconhecimento jurídico do exercício, a introdução de carreiras profissionais e a formação de diversos órgãos representativos.

Com os avanços da medicina, nesta época, as actividades dos enfermeiros passam a ser substancialmente de carácter técnico, sendo desenvolvidas tarefas delegadas pelo médico. Desta forma, surge uma enfermagem, onde imperava a necessidade da aprendizagem de técnicas específicas ligadas ao avanço tecnológico, ficando a intervenção de enfermagem extremamente próxima do campo da medicina, denotando-se assim, nesta época, a imagem de enfermeira auxiliar do médico (Amendoeira, 1999).

Já na época contemporânea, a imagem da enfermagem continua a depender da forma como é visto o estatuto da mulher, pois esta não é considerada pela restante sociedade, nomeadamente pelos homens, como sendo o motor do desenvolvimento de uma disciplina, pois na maior parte das culturas, o papel das mulheres é conotado como subalterno, papel este que foi muitas vezes reforçado no ensino e na prática dos cuidados de enfermagem (Hesbeen, 1997).

À medida que os conhecimentos científicos se começaram a desenvolver e a enfermagem começou a controlar a sua própria formação, que serve de referência à prática profissional, iniciou-se o processo de edificação da sua autonomia.

Actualmente “os enfermeiros reivindicam mais autonomia e o direito de não se responsabilizarem por actividades por vezes periféricas, recusadas pelos médicos” (Abreu, 2001, p.103). Mas então quando é que a profissão é reconhecida como autónoma?

A enfermagem será então reconhecida como profissão autónoma, com a sua própria base conceptual, quando indicar quais os fenómenos que lhe dizem respeito e quais os problemas de saúde que a enfermagem deve valorizar. Deste modo, os enfermeiros irão sentir-se plenos membros da equipa multidisciplinar e sentir-se satisfeitos pela interdependência, que é relevante para os beneficiários dos cuidados de saúde (Catarino et al, 1993), No entanto, há a referir o facto de que os outros profissionais tendem a não valorizar as funções autónomas dos enfermeiros. Não lhes reconhecem essa autonomia (Amendoeira, 1998).  E não o reconhecem porquê? Será, sinonimo de que as imagens e/ou opiniões, que tem acompanhado a enfermagem ao longo dos tempos, se tem mantido?

Ou o que as pessoas vêm e pensam é de facto o que realmente transmitimos?

O não reconhecimento da autonomia assenta principalmente em três pontos: Primeiro denota-se muitas vezes uma dificuldade em implementar, nos contextos de trabalho, os referidos conhecimentos adquiridos durante o processo de formação. Nesta perspectiva percepciona-se uma dialéctica entre a teoria transmitida e a realidade de cada situação prática. Segundo, devido à enfermagem entrar em zonas de incertezas, nomeadamente da esfera interdependente, o que leva há existência de uma visão confusa por parte dos utentes/família, não atribuindo assim o devido valor ao trabalho desenvolvido pelos enfermeiros.

E, em terceiro, porque os próprios enfermeiros também não valorizam algumas actividades autónomas, identificando-se com as actividades mais visíveis para a sociedade e que se encontram no domínio do saber-fazer, chegando mesmo a delegar actividades de menor prestígio para grupos profissionais que lhes estão subordinados.

Assim, é permitido à enfermagem uma maior especialização do seu campo de exercício e uma maior visibilidade social dos seus saberes especializados, como também lhes permite gerar grupos subordinados, sobre os quais exercem autoridade técnica e social (Lopes, 2001).

Mas então como poderemos dar visibilidade ao campo autónomo da enfermagem? Pensamos que se tornará visível através da incorporação das práticas, metodologias e saberes específicos da disciplina de enfermagem, no processo de cuidados que desenvolvemos, para que estas sejam visíveis e valorizadas pelos beneficiários dos cuidados.

Deste modo, é imperativo que se desenvolva uma atitude que permita o crescimento de uma disciplina que caminhe para a autonomia, ou seja, que domine um corpo de conhecimentos próprios e específicos, que permita uma prática reflectida em que o utente/família sejam o principal centro dos cuidados de enfermagem e que se adquiram e continuem a construir cada vez mais os conhecimentos científicos necessários a uma prática reflectida e suportada pelos mesmos.

Neste sentido é relevante que os enfermeiros atribuam cada vez mais visibilidade aos raciocínios analíticos e interpretativos que fazem em cada situação específica e que estão inerentes ao processo de cuidados, transmitindo assim o corpo de conhecimentos científicos que suportam a prática da disciplina de enfermagem.

É também necessário implementar, de forma mais veemente, os conhecimentos que os enfermeiros possuem, em prol do utente/família e da própria auto-valorização dos cuidados de enfermagem; ou seja, é necessário que sejam os próprios profissionais a valorizar o conteúdo profissional específico da disciplina de enfermagem, bem como o processo de construção do mesmo.

Deste modo é imperativo que estes profissionais desenvolvam uma atitude que permita o crescimento de uma disciplina que caminhe para a autonomia, ou seja, que domine um corpo de conhecimentos próprios e específicos, que permita uma prática reflectida em que o utente/família sejam o principal centro dos cuidados de enfermagem.

Pois se nada se muda, então não vamos esperar que o estatuto e a imagem mudem e melhorem porque, se não formos nós próprios a contribuir decisivamente e activamente para a mudança e para a melhoria da imagem, não são com certeza nem os outros profissionais nem os próprios utentes.

Nota: Texto adaptado da comunicação oral realizada no dia 18/10/03 nas Jornadas Nacionais da Urgência/ Emergência.

Bibliografia

ABREU, Wilson (2001) – Identidade formação e trabalho – das culturas locais às estratégias identitárias dos enfermeiros. Coimbra: Formasau.

AMENDOEIRA, José  – O estatuto dos cuidados de enfermagem. Pensar Enfermagem, nº 2 (1998), p. 18-22.

AMENDOEIRA, José (1999) – A formação em enfermagem. Que conhecimentos? Que contextos?. Dissertação de mestrado em sociologia. Universidade Nova de Lisboa. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. (Não publicado – Centro de Documentação ESEnfS).

BOLANDER, V. (1998) – Enfermagem Fundamental – Abordagem psicofisiologica. Lisboa: Lusodidacta. CATARINO, Helena, et al – Enfermagem, uma profissão autónoma. Servir, nº 41 (1993), p. 300-305

HESBEEN, Walter (1997) – Cuidar no Hospital – Enquadrar os cuidados de enfermagem numa perspectiva de cuidar. Lisboa: Lusociência.