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Enf Ana Queiroz: “alguns Enfermeiros sim passaram a usar a sua Voz de forma assertiva e bem audível”

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Como factor que tem afectado o mau estar vivido pelos Enfermeiros Portugueses no Presente penso que está o efectivo desconhecimento que os decisores políticos têm do que é Enfermagem

 

1 – Em 2007 a Sra Enf. Ana Queiroz referia que: “[…] ao mesmo tempo que têm de existir sempre enfermeiras a adquirir mais competências, também é preciso ter consciência que esta aprendizagem se vai fazer muito através do diálogo, do guiar constante dos colegas nas situações clínicas, o que por vezes pode colidir com direcções que alguns modelos propostos podem ter, ao proporcionarem um trabalho individual e deixarem pouco tempo para se acompanharem colegas mais inexperientes”.  (Fonte http://www.forumenfermagem.org/dossier-tecnico/artigos-de-autor/item/2770-as-competencias-dos-profissionais-de-enfermagem-como-as-afirmar-e-as-desenvolver)

Passados 10 anos, e com o aparente desaparecimento do chamado Modelo de Desenvovimento Profissional centrado na prática, em que ponto estamos?

Tentando dar uma opinião sobre este aspecto, a primeira ideia que quero referir é que estou verdadeiramente preocupada com o desenvolvimento da formação das novas gerações de enfermeiros e também com o processo de desenvolvimento de competências dos Enfermeiros na prática.

O que me faz reflectir sobre estes aspectos está relacionado com a percepção da falta de ligação entre o ensino “escolar” e a prática profissional. O referencial de formação para mim é que o Ensino de Enfermagem tem de ser realizado por Enfermeiros com preparação pedagógica acrescida para a docência. Em Portugal, os docentes fazem preparação em correntes pedagógicas importantes , não duvido, mas toda a bibliografia especifica para a Pedagogia e a Educação em Enfermagem, está publicada em Lingua inglesa, e é penso que seria muito importante que esta preparação pedagógica específica não aconteça só na base do autodidatismo mas com processos formais de Pedagogia aplicada ao Ensino de Enfermagem.

Dito de uma forma simples afirmo que não é possível ensinar-se Enfermagem sem se ser ou ter uma experiência significativa em Enfermagem. O que poderá passar inclusivae por prática partilhada, isto é exercer-se Enfermagem e Docência em períodos complementares.

Dando um exemplo: o Ensino da Empatia e Respeito, bases da Relação de Ajuda, competências a serem desenvolvidas desde o início na Escola, de forma simples digo noventa por cento será ensinada por Enfermeiros/professores pelo exemplo, no contexto de presença, de filosofia de convivência no ambiente Escola e Instituições de Saúde, dez por cento, sim, com abordagens formais de conteúdos e desenvolvimento de competências de comunicação tanto funcional, como pedagógica e terapêutica, esta também chamada de relação de ajuda.

Nos dominios técnicos da Enfermagem, evoluimos bastante com os agora chamados laboratórios para aulas práticas e teórico práticas, e aqui sim a ligação com as instituições de cuidados não só nos chamados Ensinos Clínicos, mas também coma presença de Profissionais bem proficientes nas Escolas para que este ensino não seja ilusório, mas realista. Acrecento ainda que não se ensinam técnicas de Enfermagem de forma desligada das dimensões relacionais e humanas. Tal não é possível!

Para que se estude e melhore todos estes processos formativos deverá ser obrigatória uma efectiva compreensão por exemplo do modelo de desenvolvimento de competências da Prof DrªPatrícia Benner, até às correntes de Pedagogia narrativa de Nancy Dickelmen. Quero com isto dizer que a formação para se ser docente de Enfermagem em contexto de Escola e de Ensinos Clínicos tem de ser repensada.

2 – Na sua opinião e tendo em conta os protestos dos enfermeiros de Setembro de 2017, os enfermeiros já passaram “Do Silêncio à Voz”? Como tem vivenciado estes acontecimentos?

Na minha opinião muito sincera digo que alguns Enfermeiros sim passaram a usar a sua Voz de forma assertiva e bem audível. Não são a maioria, de todo, A minha explicação para isto passa também pela circunstância de nas Escolas este livro não ser obrigatoriamente estudado e trabalhado entre professores e estudantes, atrevo me a dizer que neste momento não tenho dados objectivos, mas suspeito que existe um contexto de submissão “escondido” tanto nas Escolas como nas Instituições. Ora isto leva forçosamente a uma enorme desmotivação, falta de auto estima, e digo até de sofrimento de estudantes e de profissionais. Urge que o Cuidar/Cuidado esteja sempre presente. Urge que a Resiliência seja ensinada como caracterítica inerente ao ser humano que pode e deve ser aprendida e desenvolvida, e aqui incluo estudantes e profissionais. Afinal todos concordamos que Enfermagem é “Gente que cuida de Gente” como afirmou Wanda Horta.

3 – Olhando para trás, para a história do reconhecimento social da profissão dos últimos 30 anos, qual foi para si o momento mais marcante pela positiva? E qual o momento menos bom que impactou no mal-estar hoje sentido por muitos enfermeiros?

Sem dúvida que na minha opinião o momento histórico mais significativo para a Enfermagem Portuguesa foi a criação da Ordem dos Enfermeiros. Mas não podemos esquecer que a primeira Ordem de Enfermeiros surgiu em 1917, no Canadá. O que quer dizer que, humildemente, muito devemos aprender com as experiências de Países onde a Ciência de Enfermagem e a Regulação da Profissão muito avançou e que será com este espírito de humildade e de aprendizagem que deveremos continuar a crescer.
Como factor que tem afectado o mau estar vivido pelos Enfermeiros Portugueses no Presente penso que está o efectivo desconhecimento que os decisores políticos têm do que é Enfermagem, e a consequente falta de Dignificação, de Respeito e de Reconhecimento que a Enfermagem tem por direito. Sou ainda de opinião que as estruras sindicais não têm sabido, ou não têm querido, servir os profissionais de Enfermagem, por razões várias. Este aspecto é claramente e objectivamente fundamentadado quando vivemos o movimento de união supra partidário e até supra sindical que fortemente acordou os Enfermeiros Portugueses no mês de Setembro. Sou de opinião que este movimento deve continuar a existir e progressivamente ir dando argumentos aos Enfermeiros para se constituirem, quer através da Ordem dos Enfermeiros, quer da transformação das estruturas sindicais, como os efectivos defensores da referida Dignidade, Respeito e Reconhecimento, palavras estas que certamente se terão de traduzir em elementos muito mais complexos que vão desde a Carreira de Enfermagem, às condições de trabalho e muitos outros.

4 – O que diria aos dirigentes da Ordem e dos Sindicatos que representam os enfermeiros?

A esta quarta questão respondo de uma forma muito simples: Trabalhem em conjunto, com total seriedade, com sentido do dever ético moral face à Profissão, e em consequência à qualidade de Cuidados que temos de defender no Serviço Nacional de Saúde a Todos os concidadãos, a cada Pessoa, Família, Comunidade, que estando em Portugal tem por direito inalianável o Direito à Saúde.

5 – Tem estado ligada à cooperação internacional ao nível do ensino, o que significou para si a experiência de ensino em Cabo Verde? Video a colocar: https://youtu.be/4B11UuIp_WE

Esta é uma questão a que respondo de forma mais intima e pessoal, Tratou-se de uma experiência que foi por mim vivida com total espírito de missão. Missão de Ensino, de que me orgulho tremendamente, que tenho a certeza influenciou toda a Enfermagem Em Cabo Verde e que abriu as portas para uma nova era na Enfermagem neste País. Para que entendam o que digo como sentido de missão, não vou adiantar muito, mas tem relação com a minha história de vida, com a dimensão da minha espiritualidade e também como só poderia ser com o tanto que recebi de aprendizagem com estudantes, Enfermeiros e Povo de Cabo Verde.

6 – Em 2015 foi homenageada pela Ordem dos Enfermeiros pelo mérito do seu percurso profissional. É um bom exemplo para todos os enfermeiros. O que diria aos jovens enfermeiros que iniciam o seu trajeto profissional?

Primeiro que tudo devo dizer que foi para mim uma enorme honra ter sido proposta pela direcção anterior da Ordem dos Enfermeiros e concretizada neste actual mandato o ´titulo que me foi atríbuido.

Diria às novas gerações de Enfermeiros e aos Colegas Enfermeiros em geral, que Ser Enfermeiro é em primeiro lugar exercer uma profissão muito complexa, que exige de cada um de nós recursos humanos, intelectuais e práticos que têm de estar em constante desenvolvimento. Ser Enfermeiro é um esforço interior permanente para o Nosso saber Ser e Estar, Saber Fazer, e Saber Saber.

Um jovem Enfermeiro tem de não pensar que não precisa de uma vocação, com um caráter religioso, mas sim de um sentido de Ser Pessoa Profissional que terá de construir um carácter de grande sentido ético-moral, que o levarárá a uma atitude de estudo constante, de vontade de aprender e de partilhar os seus saberes, mas principalmente, a procura de uma realização profissional como Enfermeiro/a que seja plenamente gratificante e fonte de felicidade do profissional, que compartilhe com os seus mais próximos, algo pelo qual regi a minha vida, mas que hoje penso exige muitas mudanças para cada um dos Estudantes e Profissionais sejam efectivamente reforçados até este estadio de realização. Cabe a Todos Nós Enfermeiros continuar a defender a Justiçã, a Dignigicação, que tem obrigatoriamente de ser conseguida para a Enfermagem em Portugal!