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Emigrar para a Bélgica

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Emigrar para a Bélgica

Testemunho na primeira pessoa de uma colega que decidiu emigrar para a Bélgica.

Elsa Caeiro

Bruxelas

Ser Enfermeira sempre fez parte dos meus objectivos desde miúda, porquê?, perguntarão, não sei bem, contam os familiares, que eu passava os meus momentos de brincadeira a imaginar que as minhas bonecas estariam doentes, e como tal teria que cuidar delas.

Mas este não é o tema deste artigo, irei falar-vos acerca de uma pequena aventura que se iniciou no dia 26 de Junho de 2010. Neste dia 26 de Junho de 2010, assisti a uma sessão de esclarecimentos sobre migração de enfermeiros para a Bélgica, em Viseu, na escola que me formou (Escola Superior de Saúde Jean Piaget Viseu). Esta sessão foi moderada, pela recente (em Portugal) empresa de recrutamentos de profissionais de saúde, a Moving People.

Desesperada como estava na época, já a cerca de 2 anos sem exercer em meio hospitalar, decidi nesse mesmo momento entrar nesta aventura. Sempre com medos, muitos medos, medo de se tratar de uma empresa fantasma que nos levaria para tudo menos para exercer enfermagem, medo de tudo correr bem até à chegada ao novo país, e depois a desilusão. Afinal fiz parte do segundo grupo de enfermeiras recrutadas, ainda não havia, ninguém que me pudesse dar certeza absoluta de que se tratava de um processo fidedigno. Mas apesar de todos estes medos, no dia 13 de Outubro de 2010 coloquei os meus pés em terras belgas por volta das 15horas, tendo sido muito bem recebida por um dos funcionários desta empresa Sr Elie Haroi.

Passo a explicar como tudo se passou desde o dia 26 de Junho até ao dia 13 de Outubro. No dia da sessão de esclarecimento, informaram-me acerca do nível de vida belga, falaram de alguns hospitais que se encontram desde já crentes nos bons serviços desta empresa, falaram do ordenado mínimo local, ordenado de um enfermeiro graduado e inclusivamente fizeram uma espécie de estatística sobre o quanto poderíamos poupar a cada mês de trabalho, mostrando assim que seria vantajoso trabalhar na Bélgica. Neste mesmo dia deram a conhecer que seria necessário assinar uma espécie de acordo de mediação, entre a empresa e o enfermeiro, garantindo que não abandonaríamos o processo de recrutamento sob uma coima de 2000€, e também pelo lado oposto, no caso de alguma falha por parte da empresa, esta reembolsar-nos-ia em 500€. Apesar desta condição, decidi neste mesmo momento, arriscar.

Uma outra etapa, foi assinar esse mesmo acordo. Para o qual tive que me dirigir ao Porto, onde tive que responder a algumas questões relacionadas com enfermagem (uma espécie de entrevista), realizada por um dos responsáveis da empresa, Sr Olivier, nada de muito complicado, o mais complicado foi mesmo ter de responder em francês, o qual tentei fazer, sendo que já tinha iniciado um curso de francês por iniciativa própria, pensando na possibilidade da migração. Correu tudo muito bem. Nesse mesmo dia tive que apresentar alguns documentos, como o meu diploma de fim de curso, bilhete de identidade, registo criminal, tudo para começar as traduções o mais breve possível, e para pedir também autorização para trabalhar como enfermeira na Bélgica.

A partir daí, parecia que o tempo não passava. O mês de Agosto foi o mês mais lento de sempre, com o inicio das aulas de francês oferecidas pela empresa, e seus atrasos (atrasos estes normais), um só dia sem resposta por parte do Sr Rui Peixoto (menager em Portugal), tornava-se num autêntico inferno. Entretanto, passou-se a uma outra etapa, também no mês de Agosto, entrevista com a Clinique Saint Anne et Saint Remi (onde actualmente trabalho). Nervos à flor da pelo, onde seriam seleccionadas três pessoas, para bloco operatória, revalidação, e urgência. De doze pessoas (sem certeza do número), foram seleccionadas três pessoas, eu, a colega com que habito neste momento, e uma outra colega de origem brasileira. Apesar de todos estes nervos, correu tudo muito bem, e a entrevista baseou-se em perguntas típicas, como: -os seus defeitos, as suas virtudes, o que a clínica pode ganhar com a sua aquisição, ambições, serviços preferidos, e a partir daí técnicas de enfermagem, como administração de medicação, entre outros. Durante toda a entrevista, esteve presente Sr Rui Peixoto, que nos traduzia algumas palavras que não percebíamos. Até saber o resultado destas entrevista passou uma semana, que quase pareceu um mês. Após a entrevista, passamos a um novo curso de francês realizado via Skipe, que abordava a área da saúde, termos técnicos, anatomia, etc. Após saber que teria sido seleccionada, faltava assinar o contrato com a clínica, que foi enviado por correio, para a sede da empresa em Portugal, tendo-me sido dado a assinar pelo Sr Rui Peixoto, já em fim de Agosto, com a data para começar a trabalhar dia 1 de Outubro de 2010. Nesta altura estava felicíssima, tinha um contrato, e uma data. Pois, mas nem tudo correu como esperávamos, pois em Agosto e Setembro, são as férias de Verão, e como tal, todos ou quase todos os serviços do ministério da saúde, e ministério do trabalho, belga, estavam em velocidade lenta. E como tal as nossas autorizações para trabalhar, ficaram atrasadas. Mais uma vez os nervos apoderam-se de nós. Agora sem data para começar a trabalhar, e dependentes das burocracias belgas. A data da viagem foi sendo adiada de semana para semana, até ao dia em que o Sr Rui Peixoto nos disse, que agora é de vez, já tinha comprado os bilhetes de avião.

Dia 13 De Outubro de 2010, foi um dos dias mais frenéticos, preparar tudo, despedir da mãe, e das pessoas mais próximas, acordar bem cedo, apanhar o comboio, e entrar no avião a 11:30 no Porto. Chegadas à Bélgica, por cerca das 15 horas, e muito bem recebidas pelo Sr Elie, que nos levou até a um hotel onde passamos duas semanas, sem qualquer custo (isto, uma vez, que não havia enfermeiros portugueses para nos receber em suas casas). No caso de existirem enfermeiros para nos “dar” alojamento, poderíamos ficar, durante um máximo de duas semanas pagando 10€ por noite, ate adquirir alojamento definitivo.

Já instaladas no hotel, começou-se a busca por uma casa, tudo nos parecia caríssimo, e as casas, muito antigas. Procurávamos algo perto do local de trabalho, objectivo que foi concretizado em cerca de uma semana, que nos parecia eterna. Depois da procura de casa, seguiu-se a inscrição na comuna, a inscrição na mutuele (seguro de saúde), a abertura de uma conta, para poder pagar a casa. Uma vez que a nível financeiro não tínhamos muito dinheiro, a empresa fez um empréstimo do valor da caução para a casa e do primeiro mês (cerca de 2000€), sob o pagamento de 100€. Durante este tempo sem ainda trabalhar, dedicamo-nos também a conhecer um pouco da cidade de Bruxelas, visitando, jardins, museus, a Grand Place, o Manneken Pis, o Atomium, a Mini Europe, etc

Dia 2 de Novembro de 2010, foi o dia D, o primeiro dia de trabalho. Fomos muito bem recebidas, pelas devidas equipas. Todos os colegas acharam extraordinário, o facto de falarmos francês já com alguma facilidade. O tipo de vida em Bruxelas, é bem diferente de Portugal, muito muito diferente. Uma verdadeira miscelânea de povos, de todas as cores, culturas e religiões. Falam-se três línguas no país, francês (cerca de 40%), neerlandês (cerca de 59%), e alemão (cerca de 1%). Sendo que na cidade de Bruxelas se fala maioritariamente o francês. Na Bélgica, é portanto dividida três regiões, Flandres (zona de falantes de holandês), Valónia (zona de falantes de francês), e a região de Bruxelas (zona bilingue). Acerca de pontos marcantes neste magnifico país, sem dúvida que temos os famosos Gaufres, as famosas Frites, o chocolate belga, a cerveja belga. Tudo fantástico, o que me custou um aumento de peso. Quanto ao custo de vida, o magnifico café de que tanto o português gosta custa cerca de 2€, um T2 ronda os 800/900 €, 0,50€ para poder ir a uma casa de banho pública. As refeições rondam os 10€ mais ou menos, e os produtos de mercearia, não são muito mais caros que em Portugal. A roupa, existem exactamente as mesmas lojas, e os preços, também muito semelhantes.

O ordenado (bruto) de um enfermeiro, é cerca de 2100€, e ordenado limpo cerca de 1400€. Quanto ao meu trabalho, laboro no serviço de Revalidation, uma espécie de reabilitação, em que preparamos doentes com próteses, doentes em fase de recuperação de fracturas, ou doentes com doenças neurológicas, que afectam o movimento (Acidente Vascular Cerebral, por exemplo). No fundo o objectivo é dar o máximo de autonomia ao doente, de forma a que ele consiga executar as suas actividades de vida diária de forma autonoma, independentemente das suas limitações.

Relativamente à organização do serviço (vou falar da minha realidade, pois de hospital para hospital muda muita coisa, e então de região para região, é incrivel como os testemunhos são quase opostos), durante a manha devem estar presentes duas enfermeiras, uma chefe, duas “aide-soignante” (auxiliar, com formação de dois anos se não estou em erro, informação a validar), durante a tarde devem estar presentes uma enfermeira e uma “aide-soignante”, e na noite, uma enfermeira, e uma espécie de enfermeira rotativa, que faz uma especie de vigilãncia geral de toda a clinica (infirmier volante).

Quanto ao estatuto da profissão, os enfermeiros belgas têm uma formaçao de três anos, sendo que de acordo com a escola, começam desde muito cedo os seus estágios, logo no primeiro ano. Ou seja, é leccionada uma matéria, e são logo enviados a estágio de cerca de três semanas para validar os seus conhecimentos. Em resumo o enfermeiro português tem mais qualificações que o belga em inicio de carreira, no entanto, para fazer o mestrado, o enfermeiro precisa de mais três anos de curso (informação a validar). No entanto, a grande maioria dos enfermeiros que estuda mais um pouco na Bélgica, geralmente deixa de trabalhar em ambiente hospitalar, passando a leccionar cursos, ou sendo responsável de determinadas referências hospitalares, como a higiene hospitalar, em que temos a enfermeiro/a referente para a higiene hospitalar, diabetes, em que temos a enfermeiro/a referente para a diabetes. Quanto às especialidades, aquando da minha entrevista com a clínica, informaram-me que me pagariam a especialização, se esta fosse do interesse do hospital, ou seja, se eu decidisse fazer uma especialização em enfermagem pediátrica, e eles precisassem de uma especialista na área, iriam pagar todas as minhas propinas (informação a validar). Existe formação contínua a nível hospitalar, por exemplo a formaçao para a lavagem higiénica das mãos tem de ser renovada de dois em dois anos, sendo considerada formação obrigatória. Todas estas formações são realizadas durante o horário de trabalho, e jamais numa folga, a não ser que seja do interesse do enfermeiro (e nesse caso são acumuladas horas positivas).

De Portugal para a Belgica existem muitas diferenças, mesmo a nível de prestaçao de simples cuidados de higiene. Para isto basta mudar de cultura, tudo muda. Aqui da-se muito mais valor a diferença religiosa, mesmo porque a grande maioria dos habitantes de Bruxelas são estrangeiros, e como tal o cuidador deve estar preparado para actuar de acordo com a cultura em questão.

Existem também dois tipos de enfermeiros na Bélgica, ou seja dois tipos de formação, que duram exactamente o mesmo tempo, no entanto, têm diferentes implementações. Os enfermeiros A2, ou seja “Brevetes”, são enfermeiros baseados maioritariamente na prática, e com muito pouca fundamentação teorica durante o curso. Estes podem fazer tudo, no entanto não podem progredir na carreira, nem vir a obter um cargo de chefia. Os enfermeiros A2 “Brevetes”, provêm de escolas práticas, ou cursos tecnológicos, ou seja alunos que não completaram o secundário. Só o poderão fazer depois de se tornarem em enfermeiros A1, ou seja “Gradues”. No caso do último, podem progredir na carreira, fazer especialização, mestrado, vir a ser chefe, e como tal têm muito mais carga teorica, e menos carga prática.

Neste momento só posso dizer muito muito obrigada, a Moving People.