No rescaldo das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, vale a pena reflectir sobre o fenómeno da emigração.
Recordemos as declarações de um secretário de Estado, que dizia que os jovens desempregados não podem ficar na sua zona de conforto. Também não foram felizes as declarações do Bastonário da Ordem dos Enfermeiros quando falava em “exportar” enfermeiros. Por um lado, porque ao falar dessa forma na emigração não está a contextualizar devidamente a questão, e por outro, a emigração diz respeito a pessoas e não a mercadorias.
A ideia subjacente à existência de uma União Europeia, permite, entre muitas outras coisas, que haja grande dinâmica no mercado de trabalho. Vejo com agrado a possibilidade de um jovem português poder trabalhar noutro país que não o seu. Contudo, é bom que saibamos distinguir alguns casos: uma coisa é a emigração da minha colega de curso que conheceu um norueguês e se casou, tendo optado por ficar a residir perto de Oslo. Outra coisa é a saída em massa de enfermeiros de um país. Uma coisa é um estudante de um determinado curso passar uns meses num país que não o seu e depois regressar. Outra coisa é partir sem ter uma previsão de regresso. Uma coisa é eu entrar para um curso com a intenção de conhecer novas/diferentes formas de trabalhar além-fronteiras. Outra bem diferente são as despedidas em lágrimas nos enfermeiros nos aeroportos.
Há algum cinismo em relação ao fenómeno da emigração. Ouvimos elogios à emigração de enfermeiros para a Alemanha, Suíça, Angola, Reino Unido, Arábia Saudita… e depois ficamos em silêncio em relação à oligarquia de alguns países dentro da Zona Euro; ou em relação à habilidade de um país “neutro” que não faz parte da Zona Euro nem da União Europeia (offshore?); ou em relação a uma democracia “pouco” madura de um país africano; ou em relação a um Reino que prefere libras em vez de euros, e que poderá referendar a continuidade na União Europeia; ou em relação ao desrespeito pelos direitos humanos, nomeadamente os direitos das mulheres, num país de muito petróleo … O que conta são os euros! Muitos de preferência… D. Afonso Henriques deve estar com as mãos na cabeça.
Há quem nos queira fazer acreditar que somos os melhores enfermeiros do mundo. Como se, de repente, das escolas de Enfermagem saíssem, não enfermeiros, mas “Cristianos Ronaldos”… Não duvido da qualidade dos colegas que partem, mas o fenómeno da emigração de enfermeiros não pode ser olhado da mesma forma que o futebol. Desde logo, porque não há muitos países a cometer o desvario de formar milhares de profissionais especializados para depois os “enviarem” para países vizinhos. Além disso, é bom ter presente que eu não conheço, no hospital onde trabalho, por exemplo, enfermeiros suecos, alemães, franceses ou holandeses… Não é estranho que na União Europeia / Europa o intercâmbio de profissionais de saúde só se faça num sentido?!
O filme Gaiola Dourada ajuda-nos a perceber não o fenómeno da emigração de enfermeiros, mas as desigualdades entre países que supostamente deveriam trabalhar em conjunto para o bem das suas populações.
Dizia-me, há uns meses, uma colega nossa prestes a acabar a sua licenciatura, que na sua escola, a Direcção da mesma tinha orgulho em afirmar que o desemprego dos que concluíram lá o curso era zero. Perguntei-lhe se tinham algum “acordo” com hospitais ou outras entidades portuguesas. Disse-me que não. Só que, afinal, o emprego a 100% era… no estrangeiro! Não sei se há má fé nestes estratagemas publicitários das universidades. Sei é que a Enfermagem merece mais. Muito mais!
É razoável que um país a viver uma das mais profundas crises esteja a investir na formação de licenciados que depois vão a custo zero para outros países?
Como querem os nossos governantes projectar Portugal no futuro, se empurram para fora as gerações de amanhã? Os números da nossa natalidade são assustadores…
Como posso eu acreditar que há falta de enfermeiros em Portugal se a Ordem não se junta aos Sindicatos, às Escolas, aos Gestores, aos Enfermeiros que estão no terreno para mostrar à sociedade que todos os dias estão a ser privados de um direito fundamental?
Cada um sabe de si, mas creio que é importante fazer a distinção entre o emigrante que parte porque ninguém lhe dá emprego, do emigrante que vai porque o seu emprego já não lhe permite fazer face às suas ambições. Os que decidem ficar, todos os dias “reestruturam” os seus projectos de vida. Há muito mérito nisso. Vejo patriotismo na luta diária de todos os portugueses que tendo melhores perspectivas de vida no estrangeiro, optam por ficar. A expressão “zona de conforto” pode, hoje, assumir um sentido exactamente contrário àquele a que Passos Coelho se referia: ficar, significa enfrentar as dificuldades e acreditar no país; contrariamente aos “jotinhas” (sobretudo os azuis, laranjas ou rosas), há milhões de portugueses que não estão em conforto…
Bem sei que não se pode viver durante muito tempo (uma década?) com expectativas “em negativo”, e por isso reforço a necessidade dos que cá estão, e dos que partem, em manter-se a par da governação do país. Será que temos sido demasiado permissivos em relação a quem elegemos?! Por falar em emigração, é bom que não esqueçamos o fenómeno da globalização. Em que medida estamos nós, hoje, a viver melhor ou pior que há uns anos? Como queremos que a economia portuguesa recupere (ou pelo menos não se afunde) se no nosso dia-a-dia não valorizamos alguns pequenos (grandes) aspectos? Como conseguem alguns países ter superavit orçamental?
Pouco antes da chegada da Primavera, o Governo anunciou o programa VEM, que é um plano estratégico com medidas destinadas àqueles portugueses que partiram mas que agora querem voltar. Há dias, o nosso Primeiro-ministro disse: “há uns quantos mitos urbanos, um deles é que eu incentivei os jovens a emigrar. Eu desafio qualquer um a recordar alguma intervenção ou escrito que eu tenha tido nesse sentido”… Será que Passos Coelho ainda se lembra de Miguel Relvas?!
É caso para dizer que as eleições fazem maravilhas.