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Embrião Humano: Que Estatuto? Reflexão Ética

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Revista Sinais Vitais

A realização ou não de experimentações em embriões humanos irá depender da opção escolhida a nível do estatuto do embrião.

Sinais Vitais nº71

 

Luísa Pereira (Enfermeira nível 1, Unidade Cuidados Intensivos Neonatais e Pediátricos, Hospital Central do Funchal)
Gabriel Rodriguez (Enfermeiro nível 1, Serviço de Urologia/ Hemato-Oncologia, Hospital Central do Funchal)

RESUMO

É no momento da fecundação que inicia-se o processo de desenvolvimento do indivíduo. Contudo, o momento que define o início do processo vital encontra-se em reflexão, e os seus conceitos em evolução. Não obstante, é imperioso a nossa responsabilidade nesta área. Responsabilidade pelo inequívoco respeito pela liberdade humana, mas acima de tudo, pela defesa da Dignidade da Pessoa Humana no seu longo percurso vital. O respeito pela Pessoa Humana é um dever fundamental de todo o cidadão, especialmente nos profissionais de saúde. Deverá ser uma atitude presente nos cuidados prestados por todos nós.

Palavras-chave: Embrião Humano, Dignidade Humana, Ética, Investigação, Excedentários

O início da vida é  uma área que envolve muitas subtemáticas, contudo intimamente ligadas entre si. Esta é uma problemática que tem aumentado e suscitado muitas reflexões, pois o avanço científico e tecnológico tem sido avassalador. Não podemos esconder a realidade, todos nós temos noção que um pouco por todo o Mundo realizam-se experiências com Embriões Humanos, ocorrem transplantes de tecido fetal, e muito mais… Inquieta-nos pensar numa realidade destas, por isso acho que é urgente tomar posições, escolher estratégias, no fundo solucionar os problemas. Pois é, eis uma grande questão: Solucionar o problema?!! Por mais que tentarmos, nunca iremos encontrar uma solução isenta de críticas… Esta é uma questão muito especial pois implica convicções biológicas, filosóficas e religiosas que são muito pessoais, diferem muito de cultura para cultura, de religião para religião, no fundo de Pessoa para Pessoa. Mas será que independentemente da cultura, da religião, do país, não será imprescindível proteger o embrião Humano? Será que podemos tratar o Embrião Humano como uma coisa?!! Será que os pais podem decidir o que fazer com uma provável Vida Humana?

Se o Embrião Humano é uma Pessoa em potência, não devemos tratá-lo desde então como tal?!! Muitas e muitas perguntas surgem neste âmbito, no entanto as respostas escasseiam, como se fosse um mistério que talvez nunca iremos desvendar… Mas na dúvida como iremos actuar?

1 – BREVES REFERÊNCIAS À NATUREZA E ESTATUTODO EMBRIÃO HUMANO

Nos últimos anos as descobertas a nível embrionário, fetal, e na própria gravidez têm sido imparáveis, assim como, os princípios morais e éticos da sociedade. Por exemplo, só são permitidas algumas situações porque os princípios que norteiam o funcionamento da sociedade têm sofrido mutações. A questão do começo da vida humana, é um problema muito complexo, no qual tem existido muita discussão, no entanto ainda hoje permanece em aberto. Numa perspectiva histórica Casini (2003), refere quês discussão sobre o embrião e os seus direitos começou com a questão do aborto, seguindo-se depois a procriação artificial humana e nestes últimos anos com a possibilidade de curar doenças utilizando células estaminais. Subjacente a estas questões é importante esclarecer o que é embrião humano? E indo um pouco mais além: Será ético efectuar investigações nos embriões humanos?

Actualmente existem muitas perspectivas acerca desta temática. De acordo com o Conselho nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV-1995), encontra-se descrito que o embrião humano constitui vida humana, mas se constitui pessoa humana a resposta já é mais difícil. Aqui não estão em causa apenas argumentos biológicos, mas também argumentos filosóficos, culturais, religiosos e jurídicos. O maior problema nesta situação reside no facto de não existir uma definição completa de pessoa, é uma área muito subjectiva pois cada um tem a sua própria definição. Mas, supondo que é pessoa humana, quando é que o começa a ser? Existem várias posições acerca do tema de acordo com as convicções pessoais de cada pessoa, existem muitas que afirmam que desde a fecundação já existe pessoa humana, uma vez que esta já é possuidora de uma identidade genética, única e irrepetível, outros referem que é pessoa mas apenas potencial, porque tem em si a potência de vir a ser pessoa. Do ponto de vista biológico, Nunes (2000), advoga a existência de algumas referências importantes, tais como:

• O momento fertilização, uma vez que esta entidade é possuidora de um património genético individual;

• A relação que ocorre nos primeiros 4-5 dias após a fertilização, entre o embrião e o útero materno;

• O aparecimento da linha primitiva, impossibilitando o surgimento de mais de um ser humano;

• O aparecimento de actividade cortical, indicando o início da personalidade; a viabilidade do feto, possibilitando a sua sobrevivência utilizando ou não meios artificias de subsistência;

• O momento do nascimento;

• A aquisição de faculdades mentais superiores, característica específica do ser humano. As perspectivas biológicas percorrem todo o processo de gravidez, indo desde o processo de fertilização até ao nascimento da criança. Perante tal realidade é muito complicado estabelecer uma que seja unânime para todos. Do ponto de vista de Osswald (2001), e na incapacidade de definirmos um estatuto, é importante conceder um lugar na legislação e não deixá-lo num estado de suspensão. Afirma que este vazio legal torna-se compatível com qualquer manipulação do embrião. No entender de Santos (1998) o respeito devido ao ser humano desde a sua concepção, deve ser garantido através de alguns dos seus direitos, tais como:

  • O embrião humano originado fora do útero materno, deverá ser gerado com amor e somente quando os pais não possuírem outra forma de procriação;

  • O embrião materno mantido ih vitro, não deverá ser alvo de experimentações de qualquer natureza, de forma a ser transferido para útero materno logo que seja possível;

  • O embrião humano possui o direito de ser respeitado na sua dignidade, inerente a qualquer ser humano e que num futuro próximo seja-lhe concedido protecção legal e jurídica como sujeito de pleno direito. Tendo consciência que não chegamos a acordo em relação ao estatuto de embrião, o facto de estarmos sem dúvida, é por si só suficiente para o termos de respeitar como pessoa humana.

2 – EXPERIMENTAÇÃO EM EMBRIÕES HUMANOS

Osswald (2001), dá-nos a sua definição conceptual de experimentação, definindo-a tendo por base a «criação de condições artificiais, previamente planeadas, susceptíveis de provocar determinado efeito, cuja natureza, intensidade e duração sejam possíveis de observara e registar». Acrescenta que do ponto de vista ético a experimentação é possível se cumprir as regras, que têm como finalidade a salvaguarda da vida, saúde, dignidade e bem-estar dos sujeitos, neste caso particular embriões. Após conhecê-lo de uma forma visual, chega até ele (embrião) e efectua as suas experimentações. Estas irão acabar inevitavelmente na sua destruição. Já no artigo de Osswald (2001), podemos constatar que a experimentação no embrião tem sido defendida e praticada, recorrendo às seguintes práticas:

• Recurso a embriões excedentários (estes são aqueles que não foram implantados, provenientes da fertilização in vitro, e com menos 15 dias de evolução);

• Produção de embriões para fins experimentais;

• Produção de embriões por clonagem, sendo todos estes tipos de experimentação de natureza destrutiva. Na perspectiva de Pinto (1990), as intervenções no embrião humano, com a condição de que a vida e a integridade do embrião, não sejam colocadas em causa e esta seja orientada para a sua cura ou sobrevivência individual é aceitável.

Acrescenta que usar um embrião ou feto como instrumento de experimentação é um atentado contra a sua dignidade que tem direito ao mesmo respeito. Os embriões humanos obtidos in vitro são seres com dignidade e o seu direito à vida deverá ser respeitado desde o primeiro momento da sua existência. «É imoral produzir embriões humanos destinados a serem usados como «material biológico» disponível.» (Pinto,1990).

Aprofundando a questão dos embriões excedentários, a solução, hipoteticamente, passaria por limitar o número de embriões criados in vitro, de forma a ser possível implantá-los a todos. Sei que a percentagem de sucesso não é muito alta, contudo se não fosse conseguido dessa vez, tentariam numa próxima… O importante é não deixar potenciais vidas humanas, sem o direito de poderem sentir, respirar, rir, sonhar,… Manipular embriões excedentários torna-se um atentado contra a própria vida humana. Observando a questão de outro ângulo, Archer (2002) refere que muitos especialistas afirmam que se uma clínica decidisse limitar o número de ovócitos a inseminar, com o objectivo de evitar os embriões excedentários, estaria a sujeitar a mulher a um grande número de intervenções penosas, outros afirmam que sempre evitaram a formação de embriões excedentários sem que com isso piorassem os seus resultados. De acordo com o CNCEV (1995), para minimizar este problema é necessário a existência de uma restrição a nível do número de óvulos fecundados, mas de qualquer forma persiste o problema dos embriões já armazenados. A solução para estes embriões seria a sua implantação em ciclos ulteriores da mulher que realizou o primeiro tratamento, ou disponibilizá-los para adopção. Não obstante, as soluções não foram eficazes… E, após muitos anos só resta duas opções: deixá-los morrer, ou aproveitá-los para a experimentação. Segundo a nossa opinião, na realidade nenhuma das opções nos interessam… mas não há muitas mais alternativas!! Supondo que estes embriões supérfluos fossem autorizados para a experimentação como seria possível a obtenção de um consentimento informado, dada a impossibilidade do embrião de dar? seriam os pais? de acordo com o Parecer, se ninguém é dono da cidade ninguém, como é que podemos atribuir aos pais o poder de decidir acerca da utilização para fins experimentais de embriões ou fetos? Acrescente-se também que o benefício para o próprio embrião é quase nulo, uma vez que a experimentação conduzirá à sua destruição. «Como lembra a Declaração de Helsínquia, os interesses do indivíduo estão sempre acima dos da ciência, como bem comum não se pode alcançar à custa do mal individual, particularmente se este mal configurara destruição». (cnecv, 1995) Nesta situação resta-nos esperar pelos «progressos recentes que sugerem vir a ser possível congelar os próprios ovócitos, ou até conseguir a sua maturação intra-folicular in vitro, o que poderá tornar desnecessária, no futuro, a produção de embriões excedentário se ultrapassar, consequentemente esta controvérsia». (Archer, 2002)Já no que diz respeito à produção de embriões unicamente para fins experimentais Mcgleenan (2000) revela que esta é uma questão problemática uma vez que as pessoas que eram a favor no caso dos embriões excedentários, poderão opor-se a esta situação. Os opositores à criação de embriões excedentários para investigação referem que esta prática poderá desvalorizar o acto de procriação e conduzir à transformação dos embriões em meros bens comerciais. Afirmam também que o processo envolveria riscos para a mulher, sem lhe trazer qualquer tipo de benefício.

A sociedade não quer ver os embriões tratados como objectos, temendo que a maternidade e paternidade saia desvalorizada, assim como seja iniciado a comercialização da procriação. Na opinião de Mcgleenan (2000), a maioria dos argumentos contra a criação de embriões com fins de investigação têm um carácter consequencialista:

• os embriões criados para a investigação poderão ser utilizados para fins banais, serão comprados e vendidos num mercado aberto, diminuirá também o respeito por outros seres humanos que são objectos de investigação, e desvalorizará a reprodução humana. Advoga ainda que existe um conjunto de objecções deontológicas, nas quais os embriões humanos são um poderoso símbolo da vida humana e têm um estatuto moral, facto pelo qual a sua criação para fins experimentais representa um desrespeito profundo pela vida humana.

A realização ou não de experimentações em embriões humanos irá depender da opção escolhida a nível do estatuto do embrião. Se acharmos que este não é pessoa nem tem dignidade, poderá ser tratado como uma coisa e alvo de todas as experimentações. Pelo contrário, se o considerarmos com a dignidade intrínseca a uma pessoa não o podemos manipular. Por esta razão, e muitas outras é importante definir um estatuto para o embrião humano enquanto entidade viva.

CONCLUSÃO

Aprofundando algumas perspectivas acerca da natureza e estatuto do embrião humano, podemos concluir que estas são muito divergentes, logo a procura de uma que reúna a unanimidade, torna-se uma tarefa muito difícil.

Temos que admitir que muita da progressão da ciência é realizada através desta investigação, resta-nos então perguntar: qual o valor fundamental da vida? A ciência ou a dignidade? Ou então, será que podemos servir-nos da dignidade para impedir que os avanços tecnológicos salvem muitas vidas?

BIBLIOGRAFIA

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ARCHER, L.- «Dissociação entre procriação e embriões». In. Comissões de ética: das bases teóricas à actividade quotidiana. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 2002.

BARROS, A.- «O embrião em risco». In: A ética e o direito no início da vida humana. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 2001, pp 155-156.

CASINI, C. – «Os direitos do embrião». Acção Médica ( 2003), pp 5-15.

CNECV, Relatório e Parecer 15/cnecv/95, «Parecer sobre a experimentação no embrião» – http://www.cnecv.gov.pt

McGLEENAN, T. – As implicações éticas da investigação em embriões humanos. Reino Unido: Chambers, 2000.

NUNES, R. – «O diagnóstico pré-natal da doença genética». In: Genética e Reprodução Humana. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 2000, pp 81-127.

OSSWALD, W. – «Experimentação em embriões e fetos». In: Novos desafios à bioética. Porto: Porto Editora, 2001, pp 122-146.

PINTO, J. – Questões actuais de ética médica. Braga: Editorial A.o, 1990.

SANTOS, A. – «Reprodução Humana». In: Ética em cuidados de Saúde. Porto: Porto Editora,