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Dar Vida aos Dias… Uma Conquista da Família

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É hoje inegável que o cancro, por ser um problema de saúde essencialmente crónico, condiciona a abordagem e atendimento do doente e família

Ana Fonseca

Mestre em Ciências de Enfermagem,

Professora Adjunta na Escola Superior de Enfermagem S. João de Deus – Évora

Helena Mira

Licenciada em Enfermagem

Hospital Garcia da Orta – Almada

Lara Gato

Licenciada em Enfermagem

Hospital do Espírito Santo – Évora

Resumo:

A desinstitucionalização do doente oncológico e o crescente predomínio de famílias nucleares apontam para a necessidade de se desenvolverem conhecimentos sobre as competências e intervenções do enfermeiro no cuidar a doentes oncológicos em situação de cuidados paliativos domiciliários.

Esta modificação implica que os enfermeiros identifiquem necessidades específicas do doente, suas representações de doença oncológica, disponibilidade da família e capacidade para prestação de cuidados.

Partindo do tema “Representações Sociais da Família do Doente Oncológico em Situação de Cuidados Paliativos Domiciliários”, questionámos: “Qual (ais) a (s) resposta (s) da enfermagem às necessidades experienciadas pela família no acolhimento do doente oncológico paliativo no domicílio?”

Definimos como objectivos: percepcionar as necessidades da família do doente oncológico paliativo, no acolhimento no domicílio e identificar as representações sociais de doença oncológica da família do doente oncológico paliativo.

Optámos por um estudo exploratório de abordagem qualitativa, tendo sido recolhidos dados através de entrevistas semi-directivas realizadas a familiares de doentes oncológicos em situação de cuidados paliativos domiciliários. Recorremos à análise temática de conteúdo e análise avaliativa dos discursos.O estudo permitiu verificar que os familiares cuidadores são influenciados pelas representações da doença oncológica. As reacções ao impacto do diagnóstico traduziram-se, maioritariamente, em angústia, revolta, sentimento de perda do familiar e medo face a um processo irreversível. Revelam necessidades de natureza variada no acolhimento do seu familiar doente no domicílio. Salientam-se as necessidades de informação clínica e sobre os cuidados, de apoio emocional, de expressar o cansaço e repousar, de conservar a esperança, de apoio nos cuidados e a nível económico.

Para as famílias estudadas as respostas de enfermagem foram maioritariamente de encontro às suas necessidades e coadunaram-se com a filosofia inerente aos cuidados paliativos.

Abstract

The fact that the oncological patient is being sent out of health institutions and the growing predominance of nuclear families emphasize the need of a more developed knowledge about the nurse’s competences and interventions in what concerns caring for oncological patients in need of domiciliary palliative treatment.

This change entails the identification of the patients’ specific needs, their representations of oncological illness, the family’s availability and ability to care for their patients; all this work is supposed to be done by the nurses.

Bearing in mind the following theme “Social Representations of the Family of the Oncological Patient who is in Need of Domiciliary Palliative Care”, the following question has been posed:

  • Which are the nursing answers to the needs experienced by the family when receiving the oncological palliative patient at home?

The following objectives have been defined:

To become aware of the needs of the palliative oncological patient’s family, when receiving him/her at home;

To identify the social representations the oncological illness of the oncological patient family;

We have opted for an exploratory study of a qualitative approach and the data were gathered by means of semi-directive interviews to relatives of oncological patients submitted to domiciliary palliative care. We have made use of thematic content analysis and of evaluative discourse analysis. The study enabled us to conclude that caring relatives are influenced by the representations of the oncological illness. Their reactions to the diagnosis impact were mainly anguish, revolt, feeling of that relative’s loss, fear of facing an irreversible process. They show needs of different kinds when receiving their sick relative at home. They stress the necessity of clinical information about care-taking, emotional support, of expressing tiredness and rest, keeping hope, support in care-taking and at the economic level.

In the case of the families within this study the answers did mostly meet their needs and in accordance with the philosophy inherent in palliative care.

Palavras-Chave: Cuidados Paliativos Domiciliários; Representações Sociais da Família; Necessidades da Família; Acolhimento do Doente Oncológico; Respostas de Enfermagem.

Keywords: Palliative Domiciliary Care; Social Representations of the Family; Family Needs; Receiving the Oncological Patient; Nursing Answers

É hoje inegável que o cancro, por ser um problema de saúde essencialmente crónico, condiciona a abordagem e atendimento do doente e família. A descentralização do tratamento do doente oncológico reduz o período de hospitalização, sendo a família a assumir parte dos cuidados. Neste contexto surge a necessidade de investimento na área dos cuidados paliativos, uma vez que o seu objectivo consiste em proporcionar a mais elevada qualidade de vida possível ao doente e sua família. Esta modificação implica que os profissionais de saúde identifiquem as necessidades específicas do doente, as suas representações de doença oncológica e a disponibilidade e capacidade da família para a prestação de cuidados1.

Enquadramento Temático

A família é entendida como um todo que integra contextos mais vastos como a comunidade e a sociedade e que sendo um sistema aberto interage com estes. A representação social do cancro influencia a forma como o doente, a sua família cuidadora e o enfermeiro vivenciam a doença oncológica. Moscovici2;3 define o conceito de representação social como um universo de opiniões, organizado à volta de uma significação central, e este universo de opiniões constitui um sistema cognitivo de significações e interpretações da realidade.

A vivência da doença oncológica, sendo considerada como um facto individual, familiar, social e com grande carga emocional, traz alterações para a vida do doente e da sua família. Ao analisar as alterações nas actividades destes, é preciso ter em conta o conteúdo das representações sociais que apresentam elementos de duas fontes complementares e modeladas pela experiência vivida pela pessoa. A primeira fonte é a própria sociedade, e a informação transmitida pela comunicação social, que se vai traduzir nas práticas sociais através da ideologia adquirida no seio da família e modo de vida desta (processo de socialização primária). A segunda fonte de elementos existentes nas representações é a história social e pessoal de cada um, a sua experiência de vida, denominando-se este processo de socialização secundária, no qual a formação inicial e contínua surge, reforçando ou interrogando as representações construídas.

A riqueza e complexidade do conceito de representação social facilitam a apreensão dos significados contidos nos discursos, implicando que o discurso seja entendido como um conjunto de propostas subjectivas de interpretação da realidade, apoiadas em estruturas de conhecimentos, de opiniões, de atitudes e de aspectos do imaginário. O enfermeiro tem de ter em conta esta complexidade para que possa compreender as modificações sofridas pelo doente e respectiva família com o aparecimento da doença oncológica, descortinar como estes vivenciam o processo de adaptação à doença e ajudá-los no desenrolar do processo de doença que estão a vivenciar.

A representação social é expressa e comunicada por sistemas de referência da linguagem, permitindo interpretar, categorizar e ordenar os acontecimentos, com o objectivo de dominar e interpretar a realidade.

Para que o enfermeiro interprete a realidade do doente e família tem de cooperar com estes, no sentido de usar os seus sistemas de referência da linguagem, tendo em conta que “as relações que se estabelecem com os doentes oncológicos requerem maior proximidade, envolvimento e intimidade” 1. Assim, dá início a um processo que lhe permite colher fragmentos da história de vida do doente, suas preferências, interesses, preocupações e hábitos.

Na cooperação com a família, o enfermeiro deve relacionar-se com ela tendo em conta que ela é única, que vivencia os acontecimentos de forma singular e que adopta os seus próprios mecanismos de defesa. Tem de ter em conta que a adaptação individual e familiar à situação de crise – doença oncológica de um elemento – depende da qualidade das interacções familiares e do significado que a família atribui à doença.

O enfermeiro terá de reconhecer que “a família é o núcleo base de suporte do doente e que o seu envolvimento é fundamental”4 e que “…as famílias interessam. Elas interessam porque elas providenciam o contexto e o grau de ajustamento com que cada pessoa com cancro responde à sua doença” 5.

Os cuidados paliativos têm sido descritos como uma nova especialidade no acompanhamento do doente oncológico, o que efectivamente não corresponde à realidade. A paliação foi, durante muito tempo, a única solução a oferecer a doentes com cancro. A redimensão dos cuidados paliativos surgiu na década de 60 e deve-se, não só à evolução tecnológica (que permite o alívio de sintomas), mas também ao reconhecimento por parte dos profissionais de saúde, que mesmo após esgotadas as possibilidades de cura de um doente, há ainda muito a fazer por ele 6.

Os cuidados paliativos são definidos como cuidados activos completos, dados ao doente cuja afecção não corresponde ao tratamento curativo. A luta contra a dor e outros sintomas, e a tomada em consideração dos problemas psicológicos, sociais e espirituais são primordiais. O objectivo principal dos cuidados paliativos é manter a qualidade de vida a um nível óptimo para os doentes e para a sua família6.

Seja qual for a actuação do enfermeiro face ao doente e família em situação de cuidados paliativos, este deve ter sempre em conta que a essência dos cuidados paliativos é a associação entre a equipa de cuidados e o paciente e sua família. A associação exige respeito mútuo. A associação e o respeito manifestam-se através de: cortesia no comportamento; polidez no falar; recusa de condescendências; abertura e honestidade; capacidade para ouvir; capacidade para explicar; acordo sobre prioridades e objectivos; discussão das escolhas de tratamento; aceitação da recusa do tratamento7.Contudo, não basta dizer que se conhecem os princípios dos cuidados paliativos; é necessário integrá-los e aplicá-los ao processo de tomada de decisão, adequando-os às necessidades dos diferentes doentes e famílias em seguimento.

Dado que o doente oncológico é cada vez menos hospitalizado, a família assume um papel relevante no processo de cuidados e integra a equipa de saúde. Assim, a família terá também de acolher em sua casa a equipa de cuidados domiciliários que a ajudará dando o suporte informativo, social e emocional que esta precisar. Não será só a família que será ajudada pelos profissionais de saúde, esta família terá também um papel de ajuda aos profissionais, com quem colaborará nos cuidados e a quem transmitirá as suas experiências, emoções, medos e conhecimentos que levarão estes a individualizar a sua actuação enquanto enfermeiros daquela família.

A tendência actual dá-se no sentido de considerar o domicílio como um lugar privilegiado para os cuidados paliativos, pois o meio familiar pode oferecer ao doente a continuidade da sua vida diária, estar rodeado das pessoas e objectos significantes e contribuir para que se sinta menos isolado, reconhecendo-se o hospital como o local de passagem transitória no decurso do processo de doença, só quando o doente necessite 8.

Os cuidados paliativos domiciliários têm como principal função manter o doente no domicílio, junto dos seus familiares e amigos e no seu meio ambiente o maior tempo possível e a sua existência justifica-se maioritariamente com o respeito pelo desejo do doente de querer morrer em casa.

Para além das razões já acima descritas, cuidar no domicílio permite que a família realize os cuidados no momento mais adequado ao doente, facilita o processo de luto pois os familiares estão a participar activamente no cuidar vivendo posteriormente o luto mais facilmente, estando menos sujeitos a riscos de luto disfuncional. Cuidar no domicílio permite ainda ao doente manter o seu papel social e familiar, dispor do seu tempo, não necessitando de mudar os seus hábitos na última etapa de vida (o que pode produzir dor e sofrimento), manter a sua intimidade e actividades bem como permanecer junto dos seus objectos e recordações8.

A vivência com o doente terminal, implica vários ajustamentos da família a uma nova condição de vida e o diagnóstico da doença provoca um conjunto de mudanças e alterações quer nas rotinas, regras e rituais familiares, quer na redistribuição de papéis e no acréscimo de novas responsabilidades e competências1.

Acolher é o iniciar de uma relação que se pretende de ajuda. O acolhimento é uma atitude permanente que visa ir ao encontro do outro para passar do seu estado de estranho ao de companheiro. Não é um acto, é um estado mental, disposição interna, a forma de pensar e sentir do enfermeiro, expressos por meio de modos de ser, de acções de ajuda9.

Apesar do acolhimento em cuidados paliativos domiciliários ser feito em casa dos doentes ou dos seus familiares, este continua a ser o momento em que o enfermeiro acolhe esse doente e família como alvo dos seus cuidados. O primeiro encontro com a família é o momento em que se constrói a primeira impressão, e esta é crucial para a construção do relacionamento. No acolhimento de enfermagem, a avaliação inicial é mútua, porém sobre diferentes pontos de vista. A meta do enfermeiro é obter informações essenciais através da observação, do exame físico e da discussão com o paciente, para planear a assistência de enfermagem mais adequada. Por outro lado a meta do paciente fora de possibilidades terapêuticas, manifestada ou não, é julgar o profissional de enfermagem. Para alcançar esta meta o paciente observa se o profissional é compassivo, interessado, se inspira confiança na sua habilidade em aliviar os sintomas desconfortantes incluindo o medo e a solidão10.

A intervenção de enfermagem deve atender o ser humano na sua globalidade, em todas as suas dimensões e ter em vista ajudar os indivíduos a satisfazer as suas necessidades fundamentais quando estes são incapazes de o fazer por si mesmo, porque estão doentes, ou porque têm défice de conhecimentos, habilidades ou motivações8.

A família é dadora e receptora de cuidados e como tal o enfermeiro deve interessar-se sobre como se encontram os familiares. Este interesse fará com que eles se sintam apoiados e vai dar-lhes mais força para seguirem em frente na dura tarefa que levam a cabo, uma vez que facilitará uma relação mais intensa e vai melhorar a comunicação e colaboração, sendo importante que este apoio seja continuado.

A identificação das necessidades é a base principal para a prestação de cuidados de enfermagem individualizados e no ajustamento familiar à vivência com o doente oncológico em situação de cuidados paliativos surgem necessidades que é importante valorizar e hierarquizar, no sentido de as resolver como prioridades8. Na identificação destas necessidades da família o enfermeiro deve procurar conhecer as reacções do doente; suas expectativas; grau de informação de que dispõe; grau de comunicação entre os membros da família e entre a família e o doente; constituição do núcleo familiar e seu comportamento; grau de disponibilidade familiar para o cuidar, e suas dificuldades reais; recursos materiais e afectivos de que dispõem para enfrentar as dificuldades; quem é o cuidador principal e o tipo de relação deste com o doente; expectativas reais da família e em especial do cuidador principal no que diz respeito à relação com a equipa de saúde; padrões morais e experiências anteriores em situação de crise e estratégias para a resolução de conflitos 11.

Da análise das necessidades da família mencionadas pelos diferentes autores, salienta-se o apelo à necessidade de informação sobre os cuidados e estado do doente, à necessidade de manter a vida familiar o mais saudável possível, à necessidade de tempo para acompanhar o seu familiar doente e sentir que o pode ajudar, à necessidade de ser escutado e poder expressar os seus sentimentos e ainda à necessidade de estar informado sobre formas de lidar com a iminência da morte do seu familiar. Algumas destas necessidades são apontadas como fundamentais num estudo efectuado por Hampe citado por Hernández 12 em que mais de metade da amostra identificou as três seguintes necessidades: necessidade de estar com a pessoa moribunda (63%), necessidade de ajudá-la (74%) e necessidade de permanecer informado sobre a iminência da morte (74%).

Para que os enfermeiros possam dar resposta às necessidades da família que cuida do doente terminal no domicílio, e após a avaliação destas, o enfermeiro tem que considerar que o doente e a família dispõem de recursos próprios que têm que ser valorizados e potenciados.13 É frequente que a família tenha vontade de participar nos cuidados e essa vontade de ajuda deve ser aproveitada pela equipa de saúde, que deve fornecer à família os meios e recursos necessários para que ela possa pôr em prática os cuidados, estando assegurado que esta participação activa diminui a ansiedade do doente e da própria família.

Metodologia

Optámos por um estudo exploratório de abordagem qualitativa dado existir pouca informação sobre esta temática e considerámos que um estudo deste tipo poderia ser um ponto de partida importante para futuras pesquisas.

Relativamente a este tipo de abordagem em investigação, esta é uma forma de produzir conhecimento quando se pretende estudar fenómenos humanos, e permite várias interpretações de uma mesma realidade14. Streubert e Carpenter salientam ainda, a importância deste método na enfermagem, afirmando que “numa realidade humana como a enfermagem, é imperativo que os enfermeiros adoptem uma tradição de investigação que forneça os modos mais significativos de descrever e compreender as experiências humanas”14. A abordagem qualitativa permite ainda que o investigador veja os fenómenos na sua globalidade, de uma forma holística, tentando compreender as perspectivas daqueles que vão estudar. A população-alvo do presente trabalho são os familiares que cuidam dos doentes oncológicos em situação de cuidados paliativos, no domicílio. A selecção da amostra em estudo foi feita segundo uma metodologia não probabilística, a amostragem de conveniência, que é usada quando se utiliza “um grupo de indivíduos que esteja disponível ou um grupo de voluntários” 15.

Na investigação qualitativa o tamanho da amostra depende do que se quer saber, da finalidade da investigação, pelo que se devem seleccionar casos ricos em informação e, dado o detalhe pretendido, a maior parte dos estudos são conduzidos por pequenas amostras16; 17. Quivy afirma que não se deve confundir a representatividade científica com cientificidade, sendo que a exigência da representatividade é menos frequente do que se julga18. A nossa opção recaiu na selecção de uma amostra constituída por quatro familiares que cuidam de doentes oncológicos em situação de cuidados paliativos no domicílio. A dimensão da amostra foi influenciada pela nossa disponibilidade de tempo e pelo número de familiares que estavam disponíveis para participar. Um outro factor determinante foi o facto de não pretendermos generalizar os resultados, pois em investigação qualitativa a preocupação central não é a de saber se os resultados são susceptíveis de generalização, mas sim compreender as experiências humanas e o fenómeno em estudo15.

A escolha do instrumento de colheita de dados recaiu sobre a entrevista pois esta é uma técnica de recolha de dados bastante adequada para a obtenção de informações acerca do que as pessoas sabem, crêem, esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram, bem como acerca das suas explicações ou razões a respeito das coisas precedentes19. A entrevista é ainda um dos instrumentos essenciais na recolha de dados em abordagens qualitativas e exploratórias. Realizámos entrevistas semi-directivas/semi-dirigidas, orientadas por diversas perguntas guias. Este tipo de entrevista é uma das mais adequadas para a metodologia qualitativa, pois permite aprofundar conhecimentos, favorece a descrição, explicitação e compreensão dos fenómenos sociais, permitindo ainda uma relação directa do investigador com o entrevistado, facilitando uma obtenção clara do significado que os entrevistados dão aos factos que descrevem.

Recorremos à análise de conteúdo como técnica de investigação qualitativa, uma vez que é o processo que permite a passagem da descrição à interpretação, enquanto atribuição de sentido às características do material que foram levantadas, enumeradas e organizadas20.

Uma vez elaborado o quadro teórico, foi possível definir categorias a priori, tendo sido, no entanto, definidas outras a posteriori, que foram geradas através da análise de conteúdo. Após a identificação das categorias e sub-categorias, procedemos à recolha das unidades de registo necessárias para as ilustrar, tendo em conta o seu significado e a sua representação.

Resultados e Conclusões

Verificámos que os vectores em torno dos quais a experiência de cuidar do doente terminal no domicílio se estruturou foram: representações da doença oncológica; reacções familiares no impacto do diagnóstico da doença oncológica; necessidades da família prestadora de cuidados e respostas de enfermagem face às necessidades da família.

Relativamente às representações da doença oncológica, estas foram predominantemente dominadas por sentimentos negativos o que revela que as alterações sociais provocadas pelo cancro estão associadas à sua estigmatização pela sociedade, que o associa a desespero, angústia, mutilação e morte, evocando sensações de repugnância e medo em algumas pessoas. Podemos assim confirmar que a doença oncológica reveste-se de características com grande carga emocional e social e assume uma representação social de elevada componente simbólica. São estas as representações que os familiares atribuem à doença oncológica e que influenciam a forma como estes experienciam todo o processo de adaptação à doença.

Os sentimentos e emoções partilhados pelos cuidadores como reacções ao impacto do diagnóstico da doença oncológica foram traduzidos maioritariamente em angústia, revolta, sentimento de perda do familiar e medo face a um processo irreversível, reacções estas em que existe uma associação expressa com as experiências prévias com a doença oncológica e suas representações sociais.

Na fase inicial do processo de cuidar, o acolhimento, os cuidadores sentiram diversas necessidades, entre elas a necessidade de informação. Esta foi encontrada, uma vez que os familiares deparam-se constantemente com alterações das problemáticas que decorrem da vivência diária com o doente oncológico e que se prendem na sua maioria com informação relativa à evolução da doença, mecanismos de controlo dos sintomas e cuidados gerais ao seu familiar doente.

No que diz respeito às necessidades dos cuidadores ao nível do apoio emocional, estes referiram necessitar de suporte afectivo, em que uma atitude de escuta e a presença do enfermeiro, seriam os pontos fundamentais. A presença do enfermeiro surge como necessidade, na sua maioria, quando existe o agravamento sintomático ou a morte do familiar doente.

No processo evolutivo da doença, sentiram que o familiar doente necessitava de um acompanhamento contínuo, o que é considerado pelos familiares como desgastante física e emocionalmente. No entanto os familiares consideram fundamental participar activamente e como peças fulcrais no processo de cuidados ao seu familiar doente.

Salienta-se que os cuidadores, pelo envolvimento no processo de cuidados, sentiam-se exaustos, não tanto pela necessidade de cuidarem de si próprios e de manterem o seu quotidiano, necessidades também identificadas, mas maioritariamente pela necessidade de repousarem.

As dificuldades sentidas pelos cuidadores prenderam-se também com a acessibilidade aos recursos comunitários, nomeadamente ao nível de apoio nos cuidados e apoios económicos, que identificam como extremamente necessários para poderem cuidar dos seus familiares com qualidade, no domicílio.

Uma outra necessidade apontada pelos cuidadores foi a de conservar a esperança. Para os familiares, conservar a esperança é algo que lhes permite encarar o processo de doença e ao processo de cuidados com mais coragem. Assim, os familiares dos doentes oncológicos em situação de cuidados paliativos domiciliários recorrem à sua fé em Deus, a uma possibilidade de cura e à valorização do dia-a-dia como estratégias encorajadoras da continuação do processo de cuidados.

Existem diversas respostas de enfermagem que os participantes neste estudo consideram de grande importância. O fornecimento de uma informação honesta, actualizada e compreensível sobre a evolução da doença, cuidados gerais ao doente e mecanismos de alívio dos sintomas, foi referido por estes como muito importante, uma vez que consideram que o esclarecimento de dúvidas é fundamental para prestar cuidados de qualidade e adequados à situação do seu familiar doente.

Ainda relativamente às informações transmitidas pelo enfermeiro, os familiares consideram de grande importância a informação que se refere a acontecimentos que estes podem esperar no futuro, reduzindo desta forma a ansiedade dos prestadores de cuidados e promovendo uma maior adaptação aos cuidados que terão de prestar.

Como resposta de enfermagem à necessidade de apoio emocional manifestada pelos familiares, identificaram-se respostas como a presença, a escuta activa, a transmissão de afecto e segurança, que fornecidas de forma integrada proporcionarão um suporte psico-emocional aos familiares cuidadores.

O enfermeiro, por forma a integrar activamente a família no processo de cuidados, realiza o treino dos familiares para a prestação de cuidados, desenvolve como eles actividades cuidativas concretas, sendo parceiros na prestação de cuidados ao familiar doente, mas também incentiva a família a participar activamente no processo da tomada de decisões relativamente às escolhas decorrente da evolução da doença.

Na perspectiva dos cuidadores, os enfermeiros desempenham um papel fulcral nas equipas de cuidados de saúde que prestam assistência no domicílio. Estes consideram que o enfermeiro é o elemento pivot na gestão da comunicação que se estabelece entre o doente, a família e os outros profissionais de saúde.

Para os cuidadores a detecção de doenças e assistência de saúde aos outros membros da família, revela-se fundamental pois, para além de demonstrar uma preocupação por parte da equipa em cuidar, não só do doente mas também da sua família, é uma forma de ajudar a família a gerir mais eficazmente o seu tempo, tornando-se mais disponível para a prestação de cuidados ao seu familiar doente.

Da análise global, podemos então dizer que com a transferência dos cuidados hospitalares para o domicílio geram-se na família necessidades para as quais ela não está preparada. Os profissionais de saúde, mais especificamente os enfermeiros, através dos cuidados domiciliários que prestam, deverão dar uma resposta adequada a estas necessidades manifestadas pela família.

A desinstitucionalização do doente oncológico e a predominância cada vez maior de famílias mais restritas, apontam para a necessidade de se desenvolver mais conhecimentos sob as competências e intervenções do enfermeiro que presta cuidados no domicílio a doentes oncológicos em situação de cuidados paliativos.

O enfermeiro deverá encarar o doente e sua família como unidade a cuidar, vendo-os numa perspectiva sistémica e tendo em conta que esta tem valores socialmente enraizados, envolvendo a família nos cuidados, identificando as suas necessidades e educando-a para a prestação dos cuidados no domicílio. O enfermeiro deve ter em conta que a filosofia de cuidados paliativos pressupõe uma preocupação com a qualidade e não com a quantidade de vida e que a sua resposta deverá ser coerente com essa filosofia.

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