O cancro da mama e tratamentos acarretam para a mulher uma série de alterações físicas e psicológicas vastamente descritas pela literatura. Políticas nacionais e europeias ao nível da conceção da saúde, identificam o cidadão como parceiro ativo na saúde e recuperação.
Ilídia Costa
Mestre em Enfermagem de Reabilitação
Instituto Português de Oncologia do Porto
Olga Fernandes
PhD, Prof Coordenador
Escola Superior de Enfermagem do Porto
Resumo: O cancro da mama e tratamentos acarretam para a mulher uma série de alterações físicas e psicológicas vastamente descritas pela literatura. Políticas nacionais e europeias ao nível da conceção da saúde, identificam o cidadão como parceiro ativo na saúde e recuperação. Na mulher mastectomizada com linfadenectomia está descrita: a diminuição da força e da amplitude do movimento, rigidez articular, edema e linfedema do membro homolateral com consequentes perdas para a mulher e sociedade. O processo de alta hospitalar e o desenvolvimento de capacidades nos doentes, são aspetos chave no seu empoderamento. A acessibilidade à informação, instrução e treino dos exercícios que possibilitem a recuperação da capacidade funcional do membro homolateral à mastectomia são aspetos chave da boa prática profissional. Este estudo, qualitativo, exploratório, descritivo, teve como objetivos: i) perceber a informação transmitida pela equipa de saúde para a aprendizagem de capacidades da mulher; ii) perceber recursos e estratégias que utilizaram para suprir as dificuldades com que se depararam. O contexto de estudo foi a consulta da mama de um hospital do Porto, uma amostra de 12 mulheres mastectomizadas com linfadenectomia e submetidas a tratamentos de quimioterapia e radioterapia. A colheita de dados através de entrevista semi-estruturada. Resultados: 50% recebeu informação sobre a doença; 83,3%, informação sobre o tratamento, dada pelo médico na consulta; informação dos enfermeiros durante o internamento, sobre os cuidados a ter com o braço (75%); 75% recebeu uma brochura com exercícios a efetuar com o braço, no serviço de fisioterapia; 66,6% foram informadas sobre cuidados a ter com o braço afetado, pegar em pesos e realizar esforços relacionados com a prevenção de complicações; 16,6% assistiram à realização de exercícios por outras doentes e 33,3% à exemplificação dos exercícios pelo fisioterapeuta. Apenas 25% diz compreender a importância dos exercícios, pelo que se torna importante a reestruturação de um catálogo orientador para o desenvolvimento da aprendizagem de capacidades neste domínio.
Palavras-chave: mastectomia; informar; treinar; aprendizagem de capacidades.
Abstract: Breast cancer and its treatment bring the woman physical and psychological consequences widely described by literature. National and European policies in health concept identifies the person as an active partner in health and recovery. In the mastectomized woman with lymphedema, it’s described: reduced movement range, reduced strength, joint stiffness, edema and lymphedema of the same side limb with consequences for the women and society. The process of hospital clearance and development of abilities in patients, are key aspects to their empowerment. The accessibility to information, instruction and training of the exercises that allow the recovery of the functional capability of the same sided limb are key aspects of good professional practice. This study, qualitative, exploratory, descriptive, had as goals: i) understanding the information transmitted by the health care team for the learning of abilities by the woman; ii) understanding which resources and strategies they used to overcome their difficulties. The context of this study was the breast consults of a hospital in Porto, a sample of 12 women already performed mastectomy, with lymphoadenectomy and chemotherapy and radiotherapy treatments. Data collection was done through a semi-structured interview. Results: 50% got informed about the illness, 83,3% about the treatment, given by the consult doctor; information from the nurses in internment about cares with the arm (75%); 75% got a brochure with exercises to do with the arm, at the physical therapy service; 66,6% where informed about cares to have with the affected arm, with weights and efforts related with complication prevention; 16,6% watched other patients exercise and 33,3% watched their physical therapist exemplify the exercises. Only 25% says they understand the importance of these exercises, so it becomes important the restructure of a guiding catalogue for the development of the learning of abilities in this field.
Keywords: mastectomy; inform; training; learning capabilities.
1. Introdução e Conceitos
Segundo as estatísticas nacionais sobre cancro (DGS, 2008) a mortalidade por cancro em Portugal situa-se em 10 mortes por dez mil habitantes. A taxa de incidência de cancro, padronizada pela idade é de 428 em 100000 no sexo masculino e 289 em 100000 no feminino. A nível mundial, o Cancro da Mama é o cancro mais frequente no sexo feminino com uma estimativa de 1.380.000 novos casos diagnosticados em 2008 (23% de todos os cancros). Em Portugal e no ano de 2008, os valores apontam para cerca de 60 novos casos por 100.000 mulheres, representando cerca de 27.7% do total de cancros no sexo feminino (GLOBOCAN, 2008). A incidência desta doença aumenta com a idade e, aproximadamente 8 em cada 10 casos, são diagnosticados em idades superiores a 50 anos, contudo nos últimos anos, esta doença tem sido diagnosticada em mulheres cada vez mais jovens, com idades inferiores a 40 anos (Portal de Oncologia Português, 2011).
A investigação tem conduzido a importantes avanços no conhecimento do cancro da mama, nomeadamente na descoberta de formas de o prevenir, detetar, diagnosticar e tratar de forma segura e eficaz. A identificação do perfil génico do tumor e o reconhecimento dos genes que estão superexpressos parece ser o melhor caminho a ser seguido para que se obtenha um melhor resultado terapêutico (Tosello, 2007).
Numa fase inicial e na sua maioria, os tumores mamários são assintomáticos. À medida que o tumor cresce pode surgir: protuberância mamária; uma área de endurecimento; dor; prurido; erosão superficial ou ulceração; alteração no tamanho ou forma da mama, depressão local da pele (indentação); secreção pelo mamilo, ou alteração do mamilo com inversão ou retração; edema; dilatação dos vasos sanguíneos e alteração na cor da pele (exantema ou eritema). Dores ósseas ou de coluna, icterícia ou perda de peso podem resultar de metástases sistémicas, contudo estes sintomas raramente são encontrados numa observação inicial (Otto, 2000; Way, 2004; Smeltzer et al., 2008).
O auto-exame da mama, regular e cuidadoso, deve fazer parte da rotina da mulher, pois permite-lhe conhecer melhor a forma e superfície da sua glândula mamária, para que seja a primeira a detetar qualquer alteração uma vez que cerca de 90% das massas tumorais são detetadas pelas próprias (Way, 2004). A mamografia serve de suporte na deteção do cancro da mama antes de se tornar clinicamente palpável. Este exame tem uma sensibilidade diagnóstica que varia entre 80% e 97% e depende de vários fatores como: a idade da mulher (densidade mamária), tamanho do tumor e tamanho da mama, localização e aspeto mamográfico (Phipps, Long & Woods, 1990; Otto, 2000). São conhecidas algumas caraterísticas do tumor relevantes para o diagnóstico e tratamento: tamanho do tumor, tipo histológico, grau histológico, a invasão vascular peri tumoral nos vasos sanguíneos ou linfáticos, avaliação das margens cirúrgicas de resseção do tumor e marcadores sanguíneos tumorais (Barros et al., 2001)
O tratamento consiste na remoção ou destruição do tumor numa área específica e é feito através da cirurgia e da radioterapia. Estes tratamentos mostram-se eficazes enquanto a doença ainda estiver confinada ao local de origem ou aos gânglios linfáticos regionais. O tratamento sistémico é utilizado para destruir ou controlar o cancro ao longo do corpo através da hormonoterapia, da quimioterapia e da terapia biológica. No último século têm surgido grandes preocupações no sentido de tornar a cirurgia o menos agressiva e mutilante preservando o tecido mamário sempre que possível, uma vez que a tradicional mastectomia levava a altas taxas de morbilidade. Os procedimentos cirúrgicos podem implicar: quadrantectomia; mastectomia parcial; lumpectomia; tilectomia; mastectomia total simples; mastectomia radical modificada (tipo Patey ou tipo Madden) e mastectomia radical de Halsted (Bland, 1994; Schwartz, 1996; Marchant, 1997 e Chaves, 1999 Cit. por Bergmann, 2000; Otto, 2000).
As complicações associadas à cirurgia podem ser a vários níveis: locais, sistémicas e ainda físicas e psicológicas, podendo surgir imediata ou posteriormente à cirurgia. No pós-operatório imediato pode surgir dor, febre, hemorragia, hipotensão, retenção urinária, tromboembolismo, disrritmias, desequilíbrios hidro-eletrolíticos, entre outros. Quando a mulher já se encontra no domicílio deve estar atenta a sinais como dor, febre, hematomas e infeção no local cirúrgico (Silva, 2002; Leal et al., 2004; Baraúna et al., 2004; Prado et al., 2004; Nogueira et al., 2005; Smeltzer et al., 2008).
Numa fase mais tardia, e sobretudo se a cirurgia for acompanhada por radioterapia pode surgir: alteração da sensibilidade; linfedema; diminuição da amplitude de movimento da articulação do ombro relacionada com restrições impostas podendo levar a rigidez, muitas vezes associada a atrofia muscular e articular; diminuição da força do membro; retração e fibrose cicatricial; fibrose da articulação escapuloumeral e alterações posturais, principalmente da coluna vertebral e região da cintura escapular provocadas, essencialmente pela desigualdade de peso provocando queda do ombro (Araújo; Mamede, cit. por Prado, 2004; Hack, 2009).
Estudos clínicos e experimentais realizados por vários investigadores mostraram que o linfedema do membro superior pós mastectomia ocorre devido à obstrução ao fluxo linfático na axila (Freitas et al., 2001; Bergman, et al., 2004). O uso reduzido do braço nas atividades funcionais e a posição do membro superior em posição pendente pode também contribuir para o desenvolvimento de linfedema no pós-operatório (Kisner & Colby, 2005). A sua incidência varia conforme a extensão da cirurgia axilar, idades mais avançadas, a obesidade, presença de doença axilar extensa, tratamento com radiação, e lesão ou infeção do membro.Este pode ocorrer logo após o tratamento cirúrgico, durante os tratamentos de radioterapia ou, meses ou anos após o término dos tratamentos (Smeltzer, et al., 2008; Leal et al, 2009), e pode variar entre 5 % em mulheres submetidas a mastectomia radical modificada e cerca de 10 a 30% em mulheres após mastectomia radical. As mulheres submetidas a mastectomia parcial associada a radiação axilar podem desenvolver edema crónico do braço em 10 a 20% (Way 2004).
A rigidez do ombro pode resultar de tratamentos cirúrgicos mais alargados e consequente alteração da fisiologia normal das estruturas da cavidade axilar, uma vez que a lâmina celuloadiposa e a aponeurose superficial são removidas, resultando em restrição articular com quadro álgico podendo levar ao chamado “síndrome do desuso”. O uso diminuído do membro superior devido à dor que ocorre no pós-operatório, predispõe ao desenvolvimento de ombro congelado crónico e aumenta a probabilidade de linfedema na mão e no braço (Kisner & Colby, 2005). Num dos estudos publicado em 2003, Rietman et al. concluiram que a prevalência da limitação das amplitudes articulares variou entre os 2 e os 51% dos doentes, em que uma limitação mais acentuada (mais de 50% de diminuição da amplitude articular) foi encontrada em 2% das doentes.
A recuperação da funcionalidade do ombro e braço, assim como a prevenção do linfedema pode ser feita através de uma boa vigilância de sinais de alteração da circulação sanguínea e linfática do braço e de exercícios ativos específicos realizados pelas mulheres com orientação de profissionais competentes, e que serão decisivos na reabilitação da amplitude de movimento do braço, da cintura escapular e na diminuição de complicações (Silva et al., 2004; Lauridsen et al., 2005).
Ainda não existe consenso sobre o momento “certo” para a iniciação da mobilização do braço e do ombro, do lado operado, após a cirurgia (Otto, 2000). A evidência científica parece demonstrar que, no pós-operatório imediato, há exercícios que parecem indicados tais como: flexão e extensão das articulações do ombro, cotovelo e punho. Estes poderão ser aumentados gradualmente, por volta do 3º e 5º dias, com o objetivo de evitar e/ou melhorar: limitações do movimento; diminuição da força muscular; alterações posturais; aderências tecidulares; desconforto na área submetida à cirurgia; alterações na circulação sanguínea e linfática e linfedema (Otto, 2000; Prado, 2001; Silva et al., 2004; Rezende et al., 2006).
Do exposto torna-se importante realçar a importância da informação que é dada às mulheres, potencializando uma informação sobre a sua situação clínica, riscos descritos e plano de ação para a manutenção da sua independência. Não pode ser um fenómeno de tudo ou nada, terá que ter um caráter contínuo, ser alvo de uma avaliação sistemática fornecida ao longo do processo de doença (Dias, 1997).
A informação em saúde desempenha um papel muito importante nos sistemas de saúde e contribui para a melhoria dos resultados em saúde. É um recurso entre outros, para a qualidade em saúde, conforto da pessoa e capacitação no sentido de esta aprender a viver com a sua saúde. Espanha et al (2011) apontam um valor médio de 1,54% para a pesquisa de sites de associações de doentes ou, grupos de doentes com doença específica, de entre os vários tipos de sites consultados sobre saúde, o que em nosso entender significa que as pessoas procuram informação sobre o problema de saúde que têm. A informação dota os clientes de maior conhecimento sobre a sua doença e por consequência de uma maior capacidade de participação numa época em que há um crescente reconhecimento do direito da participação dos doentes nas decisões sobre a sua saúde e do seu valor. Neste sentido, torna-se importante que os enfermeiros não só criem oportunidades para que as mulheres possam fazer perguntas, mas também que estejam devidamente preparados para responder adequadamente, indo de encontro às necessidades das mesmas (Ribeiro 1998). O acesso à informação é traduzido no âmbito deste projeto como a informação considerada válida e necessária para que a mulher mastectomizada tome decisões informadas. Acesso à informação é aqui considerado também, como a informação que ocorre no momento adequado ao atendimento do problema de saúde provendo o cuidado apropriado, no momento adequado e no local certo (Donabedian,1973; Travassos, 2004; Espanha et al., 2011). Pretende-se pois que adquira informação e desenvolva capacidades para gerir a sua própria saúde.
A aprendizagem de capacidades é um foco de atenção da prática de enfermagem descrita como “aquisição do domínio de atividades práticas associada a treino, prática e exercício.” (CIPE 2.0, 2011,p. 39). O conhecimento e o desenvolvimento de capacidades sobre os processos de saúde e atividades para a vigilância e gestão da doença, permitem aos cidadãos terem um papel mais ativo no seu tratamento e na tomada de decisão, diminuindo-lhe os seus níveis de ansiedade e depressão (Davidson, 1997). Deste modo, para que as mulheres mastectomizadas possam ter esse papel ativo de vigilância de sintomas e participação no processo de recuperação minimizando o risco de complicações já descritas, é necessário que recebam informação variada, nomeadamente a que se refere às complicações que decorrem do tratamento cirúrgico, ser instruída e treinada sobre novas habilidades que terá que desenvolver no futuro, assim como ser capaz de compreender e de explicar tais mudanças.O processo de conhecimento e desenvolvimento de capacidades/habilidades abrange diferentes áreas, tais como: a transmissão de informações acerca das diferentes etapas da recuperação; exercício para recuperar a capacidade funcional do braço e ombro; posicionamento do braço após a cirurgia e prevenção de linfedema; reabilitação psicossocial, nomeadamente relacionada com alterações da auto- imagem e sexualidade; e reabilitação profissional ou ocupacional (Mamede, et al., 2000; Soares e Frazão, 2001; Oliveira et al., 2012 ).
2. Material e Métodos
A necessidade de sabermos como é construído o acesso à informação e processo de aprendizagem de capacidades tendentes a minimizar os riscos inerentes, como linfedema, da rigidez do ombro, entre outros levou-nos ao presente estudo, acreditando que qualquer contributo para um melhor conhecimento e compreensão deste fenómeno pudesse conduzir a uma melhoria da informação e empowerment desde que estas mulheres são admitidas na instituição, assim como, a melhoria da informação entre hospital e Cuidados de Saúde Primários podendo ainda diminuir a morbilidade associada ao cancro da mama e tratamentos. O estudo qualitativo, exploratório e descritivo decorreu num hospital de oncologia, no âmbito do mestrado em Enfermagem de Reabilitação. A população alvo foram mulheres da consulta da mama, já mastectomizadas e submetidas a tratamentos de quimioterapia e radioterapia. Recorremos ao método não probabilístico e intencional para seleção da amostra, constituída por 12 mulheres cuja média de idades foi 43,25 anos, com variação entre 24 e 57 anos. A média do tempo de internamento foi de 5,4 dias, 75% tinham sido operadas à mama direita e apenas 25% à mama esquerda. Metade (50%) têm ou tiveram familiares ou pessoas significativas com cancro, 25% cuida de familiares dependentes. As participantes relataram a sua experiência relativa a um conjunto de questões que orientaram uma entrevista do tipo semi-estruturada. Os objetivos e critérios de inclusão na amostra encontram-se nas tabelas 1 e 2.
Durante a entrevista a informação foi gravada, recorrendo-se a análise de conteúdo segundo Lawrence Bardin para a tratar. Foram organizados segundo 4 categorias major: informar; instruir; interpretar e treinar, uma vez que o Conselho Internacional de Enfermagem e a Ordem dos Enfermeiros preconizam a utilização da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE), para o exercício profissional dos enfermeiros como forma de identificar áreas de atenção prática, potencializando a continuidade de cuidados, o planeamento, a execução, os registos e os ganhos em saúde. Efetivamente os quatro conceitos permitiram organizar os dados obtidos. Dois investigadores procederam à codificação recorrendo-se conforme preconizado por Bardin a uma quase estatística no sentido de perceber a intensidade das unidades de código. Respeitaram-se todos os procedimentos éticos inerentes a uma investigação de campo, nomeadamente o consentimento informado para os participantes e autorização da comissão de ética da instituição.
3. Resultados e Discussão
Informar é um conceito e, segundo a CIPE versão 2.0 com as seguintes características definidoras “acção de comunicar alguma coisa a alguém” (2011, p. 97). Essa comunicação aconteceu em diferentes momentos, promovendo a informação, conhecimento, tomada de consciência e a aprendizagem de algo. Assim:
Quando nos referimos a processos de instruir, estamos perante uma ação de “ensinar: Fornecer informação sistematizada a alguém, sobre como fazer alguma coisa” (CIPE 2.0,2011, p.97). Assim sobre os processos de instruir:
Dada a redução dos períodos de internamento: uma pequena percentagem de participantes assistiu à realização dos exercícios desenvolvida por outras doentes (8,3%); um pequeno grupo assistiu à sua explicação e demonstração feita pelo fisioterapeuta(33,3%), ambos no serviço de fisioterapia e antes da alta.
Interpretar é a ação de avaliar, “Compreender ou explicar alguma coisa”, (CIPE 2.0, 2011, p. 97), pelo que quisemos perceber de que forma as mulheres compreendem e explicam a importância dos cuidados a ter com o membro homolateral, assim como os exercícios por elas realizados.
Dos relatos concluímos que: Não há promoção da saúde, não há capacitação, não há empowerment sem que tenhamos trabalhado a interpretação dos factos com as pessoas no sentido da sua consciencialização sobre os processos, sobre a importância que para a sua saúde e bem-estar podem ter estas atividades (exercícios). Elas precisam de entender o benefício que esse plano de exercícios pode trazer-lhes e ao enfermeiro convém perceber como é que a cliente faz a gestão dessa informação, que valor lhe atribui e que uso faz dela. A informação recebida é importante para a reestruturação do plano para o desenvolvimento de capacidades na pessoa.
Treinar e segundo a CIPE é a “Acção de Instruir com as características específicas: Desenvolver as capacidades de alguém ou o funcionamento de alguma coisa” (2011, p. 100).
Figura 2 – Sobre os processos de interpretar
O treino de habilidades, formação prática no sentido de serem consolidadas as capacidades/habilidades e os conhecimentos para a função metade dos participantes treina alguns dos exercícios em casa, e destes mais de metade fá-lo diariamente (66,6%), sendo o exercício da roldana e o de trepar a parede com o braço do lado afectado os mais referidos. Para que a reabilitação consiga alcançar os resultados esperados, além de ser iniciada de imediato, deve contar com a adesão das mulheres. Aderir ao tratamento significa entendê-lo, concordar com o mesmo e segui-lo conforme recomendado. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a adesão é um importante indicador da efetividade do sistema de saúde e faz realçar a qualidade do relacionamento entre a equipa de saúde e utente, é um dos fatores determinantes da adesão. Sendo vários os fatores que influenciam a adesão ao tratamento, a mudança de comportamentos em saúde implica que os clientes percebem e acreditem que a prática de determinadas ações lhes trará benefícios, ou seja, que serão capazes de evitar complicações ou reduzir a sua gravidade (Gutiérrez et al., 2007). De referir que as participantes que mencionam este aspeto citam o suporte familiar, especificamente o marido ou companheiro como motor para o cumprimento destes exercícios (25%).
Em relação ao momento em que todo este processo de aprendizagem se inicia os resultados não são iguais para as diferentes participantes. Diríamos que há necessidade de estabelecer fases que pode ser o pós-operatório, a previsão da alta e a preparação do regresso ao domicílio. Alguns dos participantes referem que não foi dada prioridade a este tipo de informação uma vez que as suas preocupações do momento se prendiam com os resultados dos tratamentos efetuados, pela ansiedade de começar o tratamento seguinte o mais rápido possível, assim como planear estratégias de adaptação à sua nova condição de mulher mastectomizada. Assim, também a aprendizagem de capacidades e estratégias a desenvolver, deverão contemplar a fase emocial e física em que se encontra a mulher. Trabalhar informação sem que esta demonstre disponibilidade mental e física, revelou-se neste estudo ineficaz. Em nossa opinião sempre que estes aspectos forem avaliados, o aconselhamento deverá ser feito não apenas ao próprio mas ao cuidador informal que pode ser o marido ou pessoa significativa.
4. Discussões Finais
1. Direito à informação: Conhecer a sua condição de saúde, os tratamentos previstos, as consequências para decidir, depois de devidamente informada das consequências impostas pelos mesmos e das limitações que daí poderão resultar. Tem o direito de saber quais as alternativas, como gerir sinais e sintomas, assim como o de decidir se quer, ou não deixar que a doença percorra o seu percurso natural;
2. Momento de transmissão da informação: Os momentos em que a informação decorre são influenciados pela condição de cada pessoa, a forma como vive, as diferentes fases da doença, promovendo a adesão a um determinado tipo de informação em detrimento de outra. Assim, o momento de informação sobre os cuidados inerentes ao tratamento cirúrgico por cancro da mama deve ser desenvolvido tendo em conta a singularidade que cada mulher representa. Dos resultados entendemos que não há momentos “chave”, mas que deve iniciar-se logo no pré-operatório, na consulta, e continuar no pós-operatório imediato segundo recomenda a literatura atentando á cognição da mulher, á sua energia, á sua motivação, interesse e disponibilidade para ouvir.
3. Condicionantes da adesão ao programa de desenvolvimento de capacidades: Importa salientar que apesar dos processos desenvolvidos, existem condicionantes que não permitem a adesão e cumprimento das informações desenvolvidas ao longo dos processos de informar, instruir e treinar. Concluímos que os processos inquinaram por falta de um standard do que deve ser informado, instruído ou treinado com estas mulheres, espartilhando-se um programa que sendo do âmbito do exercício profissional do enfermeiro, sobretudo de enfermagem de reabilitação passa a ser informado pelo voluntariado ou instruído e treinado pelo fisioterapeuta.
4. Há uma necessidade premente de articulação entre os vários profissionais no meio hospitalar, para que a informação se desenvolva de forma sistematizada, utilizando de forma eficiente os recursos disponíveis, assim como a necessidade de articulação com os Cuidados de Saúde Primários, para que os enfermeiros de CSP possam acompanhar as capacidades desenvolvidas pela mulher mastectomizada, e deste modo a assistência prestada possa ir de encontro às necessidades das mesmas sem que estas tenham de recorrer ao hospital sempre que algo corre mal ou necessitam de uma informação. Dos relatos, a patilha de informação entre hospital e Cuidados Saúde Primários a que nos referimos e que fazem parte das competências dos enfermeiros, apenas dizia respeito aos cuidados à ferida cirúrgica. Nenhuma das mulheres refere que da informação da carta de alta recebida, fazia parte informação relativa á aquisição/desenvolvimento de capacidades relativa a vigilância de sinais e sintomas (edema, rigidez do ombro, cor da pele), ou outro tipo de informação sobre este assunto lhe tinha sido transmitida, bem como capacidade e recurso para o treino dos exercícios do braço.
5. Concluímos que não há uma adesão significativa dos participantes em relação ao treino dos exercícios recomendados na literatura. Apenas algumas participantes treinam os exercícios em casa. Esta fraca adesão pode estar relacionada com vários fatores como a informação, o momento da informação, a inexistência de um padrão comum de capacidades e habilidades a desenvolver ou performance a atingir, escasso valor atribuído ao programa de exercícios. Não pudemos concluir se as metodologias de ensino desenvolvidas são adequadas, mas pudemos concluir que o trabalho sobre o desenvolvimento de capacidades para a gestão de sinais e sintomas pela própria mulher e da importância dos exercícios tendentes a reduzir o linfedema do braço não foi referido pelas participantes neste estudo.
6. Como sugestões finais parece-nos importante fomentar uma participação mais ativa dos enfermeiros e dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação em todo o processo de aquisição de habilidades/capacidades da mulher mastectomizada, pelo que a sua preparação para a alta e regresso ao domicílio deve ser preparado cuidadosamente por uma equipa multidisciplinar que englobe sobre o informar, o standard para instruir, aspetos a atender para perceber a interpretação das mulheres acerca da informação transmitida, consensualizando sobre o tipo de exercícios que esta deve desenvolver para que se torne capaz de gerir com toda a autonomia possível e empowerment o seu processo de saúde e bem-estar. Parece-nos importante ainda, realçar a utilidade do desenvolvimento deste foco de atenção da prática, a aprendizagem de capacidades, quer na formação inicial dos enfermeiros, quer na formação dos enfermeiros especialistas refletindo caraterísticas dos conceitos, paradigma de conceção de cuidados standards de intervenções que gerem cuidados de enfermagem adequados e que potencializem o empoderamento dos cidadãos sobre a sua saúde.
5. Conclusão
A realização deste estudo possibilitou-nos perceber como é que as mulheres com cancro da mama em fase de tratamento foram informadas sobre a sua doença, para os cuidados inerentes a ter após uma mastectomia radical, com tratamentos como a radioterapia e quimioterapia. Saber que informação detém sobre os efeitos dos tratamentos, a alteração da sua energia física, sobre a ansiedade e depressão. Segundo a Constituição da Republica Portuguesa (Carta dos Direitos dos Doentes), o doente tem direito a ser informado sobre a sua situação de saúde e tem o direito a recusar o seu consentimento. Aqueles que aceitam submeter-se a tratamento cirúrgico precisam de desenvolver todo um processo adaptativo, de aquisição de conhecimentos/capacidades que lhes permitam uma melhor gestão e melhor adaptação à nova condição do seu corpo, do seu espírito e até da sua família. A informação, a instrução, a interpretação dos processos, são aspetos que precisam ser considerados no planeamento dos cuidados de saúde, para que as mulheres que realizaram este tratamento possam ter maior conhecimento, mais capacidade para gerir sinais e sintomas como edema/linfedema; alteração da funcionalidade do membro homolateral, tensão muscular e alterações posturais.
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