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Cuidar – Uma Conduta Ética

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Revista Nursing

Os profissionais de saúde, para além de dominarem conhecimentos, técnicas e habilidades, devem ter compaixão para compreender como o doente vivencia o processo de doença, não descurando os seus valores e crenças

Título

CUIDAR – UMA CONDUTA ÉTICA

CARE – ETHICAL CONDUCT

Nursing nº265

 

Autora:

R. M. A. Coelho

Enfermeira

Universidade Católica Portuguesa – Instituto de Bioética

RESUMO

Chamar a atenção para o que se designa por ética do cuidar é o imperativo deste trabalho, até porque se reveste de importância vital ao nível da concepção de existência humana e de desempenho profissional. Cuidar é uma tarefa difícil e que só pode ser encarada sob uma perspectiva ética(1). Prestar cuidado a alguém implica lidar com crenças e valores do próprio e do outro, que constituem referências sobre a forma de estar e viver, na relação com os outros e com o mundo(2).

O ideal do cuidado baseia-se numa actividade de relacionamento, da compreensão e da resposta às necessidades uns dos outros, “de tomar conta do mundo buscando a manutenção e o aprimoramento da teia de conexão de modo a que ninguém seja deixado sozinho ou sofra danos” (3) (2006:133).

Actualmente, ninguém pode estar alheio ao que se passa no mundo graças ao fenómeno da globalização, e é na relação com o mundo, que cada um deve encontrar a grande disponibilidade que o cuidado deste exige. Mais que uma intenção ou uma vontade, torna-se necessário cada um colocar algo de si mesmo na relação com o mundo.

Abstract

To call attention for what it’s designated for ethic of taking care is the imperative of this work, even because it has an essencial importance for the conception of human being and professional performance. Take care is a difficult task and it only can be faced under an ethical perspective(1). To take care of someone implies to deal with beliefs and values of each one, that establishe references about the way of being and living, in the relationship with the others and the world(2).

The ideal of the care is based on an activity of relationship, between the understanding and the reply to necessities of each others, “to take care of the world, searching the management and the improvement of the web connection in order that nobody be alone or suffers damages”(3) (2006:133).

Nowadays, no one can be away to what it´s happens in the world due to the globalization fenomony, and it´s in the relation with the world, that each one must find a great availability that the care of this demands. More than an intent or a will, it’s necessary that each one put something of itself in the relation with the world.

Introdução

Coloca-se como questão inicial: o que se entende por cuidado? No desenvolvimento desta noção, têm concorrido várias abordagens, como a mitológica, a religiosa, a filosófica, a psicológica e a teológica. Todas influenciam orientações éticas e comportamentos morais(3). Quando escrita no singular, a palavra cuidado, significa a atenção dada a, a preocupação com, transmitindo a ideia de protecção e preocupação no sentido de se ocupar de. Hesbeen(4) (2004:25) define cuidado como “fermento essencial à vida e ao futuro do mundo”; acrescenta ainda que a humanidade necessita de cuidado para existir aqui e agora no mundo bem como para se perpetuar.

O vocábulo cuidar vem do latim cogitare, que sugere pensar, reflectir, conceber, preparar. Petit(1) (2004:87) define cuidar como sendo “uma atitude, uma maneira de estar na vida que induz a um verdadeiro olhar para o outro e para o mundo”. É através da atenção dispensada ao outro e ao mundo, que cada um cuida, com a finalidade que não tem apenas em vista a sua própria satisfação e desenvolvimento pessoal mas também o do outro, o da sociedade e do mundo, numa atitude altruísta e responsável que visa fazer o bem. Assim, cuidar neste mundo, significa esforçar-se por agir da melhor forma possível, debruçar-se sobre a vida, dando-lhe atenção, questionando sobre a intervenção da ciência e da técnica no homem e na natureza, e sobre o que é o homem, o que é a natureza, o corpo… São estas e outras questões a não esquecer, caso haja intenção de cuidar de si próprio, dos outros e do mundo enquanto habitat do homem.

Cuidar neste Mundo

Cuidar neste mundo diz respeito a todo o corpo social, ao cidadão comum, aos filósofos, antropólogos, juristas, políticos, médicos, gestores, agricultores, pedreiros, bem como qualquer actividade humana, quer seja física ou intelectual. No entanto, aquele que cuida ambiciona por vezes poder supremo, não existindo assim, um verdadeiro encontro com o outro, reciprocidade, compreensão, empatia e equilíbrio. Sob o pretexto de querer o bem do outro, o cuidador apropria-se do outro para a satisfação dos seus próprios desejos de poder, que acabam por ser jamais satisfeitos. “O cuidado é, desta feita, uma violência exercida por aquele que detém o saber, indo de encontro àquele que é vulnerável” (idem:93). Cuidar de alguém “aparece-me, assim, como a expressão da minha humanidade dentro da própria humanidade, quer dizer, o cuidado da minha presença no mundo, tendo em vista contribuir, modestamente, do lugar que ocupo, para um universo mais cuidador, para uma atmosfera humana mais rica e mais extensa” (4) (2004:25). A profissão de cuidar é considerada como altruísta, isto é, centrada nos outros e para o bem dos outros, não esquecendo que ajudar os outros é também contribuir para a satisfação de si mesmo(5). De realçar também, o facto do cuidar ser uma incessante procura de si próprio, isto é, ao cuidar do outro, o sujeito procura conhecer-se; através das dificuldades do outro ele questiona as suas dificuldades, de maneira que o outro é um espelho da sua imagem que revela as suas capacidades, os seus limites, os seus desejos e desgostos(1).

Por um lado, o processo do cuidar demora o seu tempo, por outro o cuidado situa-se numa espécie de espaço, ou seja, um lugar de encontro entre quem cuida e quem é cuidado, onde há partilha, onde se articulam as diferenças. “Quem cuida irá, então, recolher a imagem do outro ao oferecer a sua, apropriar-se um pouco do seu corpo, abrindo as suas mãos numa troca de sensações, onde ninguém pode intervir” (idem:94). Aquele que cuida deve estar atento a cada gesto, a cada mímica, a cada postura. A linguagem corporal irá permitir compreender o outro estabelecendo com ele uma ligação e onde as palavras acabarão por circular.

Cuidar é  uma arte! O cuidador não é um actor a desempenhar um papel mas sim um sujeito que adquire uma diversidade de hábitos, que se introduz no mundo do outro numa atitude de empatia e se adapta. E porque tem a ver com a incerteza do ser e da sua fragilidade, o cuidar é uma arte difícil, em que cada experiência é única, não podendo ser comparada. O cuidado exige, desta forma, competências e aptidões várias que se traduzem numa conduta ética que consiste em “ descobrir o outro na sua singularidade e em acompanhá-lo com a finalidade de proteger a sua vida, respeitando-o sempre, sem exercer sobre ele o poder” (ibidem:101). O cuidado trata-se de uma obra de criação sempre única e, como tal, a prática do cuidar é uma arte e não uma ciência(6).

Cuidar no Hospital

A palavra cuidado representa a missão principal de qualquer instituição de saúde. Consequentemente, cuidar sintetiza a missão dos vários profissionais, sejam eles médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, dietistas, assistentes sociais, auxiliares de acção médica, entre outros. As tarefas destes profissionais devem ser dirigidas a um corpo sujeito ou a um corpo que se é e não a um corpo objecto ou corpo que se tem. O primeiro é aquele que não se pode limitar a um conjunto de órgãos, de membros e de funções, sendo mais que a soma das partes que o constituem. É um ser com uma vida particular, com desejos e projectos, motivações e decepções, alegrias e dores, não podendo ser submetido à racionalidade dos profissionais nem correspondendo totalmente às teorias e instrumentos utilizados por estes, uma vez que é um ser excepcional. “A doença, qualquer que ela seja, não será vivida da mesma forma por cada pessoa, pois inscreve-se numa situação de vida única, animada por um desejo de viver também único. É que, por mais que a doença seja objectivada no corpo que se tem, ela não afecta, no fim de contas, senão o corpo que se é” (idem:27).

Assim, o cuidar, que é a atenção dada ao outro, inscreve-se na complexidade, e desta forma, Hesbeen(6) (2000:34) cita Watts para a necessidade de “ver uma folha em toda a sua clareza sem perder de vista a sua relação com a árvore”.

Todos os profissionais de saúde prestam cuidados aos doentes, ajudando-os, contribuindo para o seu bem estar, utilizando as competências e as características próprias do exercício da sua profissão; mas, pela própria natureza desta, os enfermeiros são os que dispõem de maiores oportunidades para o exercício da arte do cuidar. “Quando se atingem os limites de intervenção dos outros prestadores de cuidados, as enfermeiras e os enfermeiros terão sempre a possibilidade de fazer mais alguma coisa por alguém, de o ajudar, de contribuir para o seu bem-estar, para a sua serenidade, mesmo nas situações mais desesperadas” (idem:47).

Mais do que pela ciência e técnica, os cuidados de enfermagem são marcados pela subtileza, espontaneidade, criatividade e pela intuição; sendo o seu reconhecimento difícil num meio biomedicalizado e técnico-científico, onde resultam, apesar de essenciais, em acções pouco visíveis e consequentemente traduzindo resultados pouco palpáveis (ibidem).

São várias as teorias redigidas sobre cuidados de enfermagem, no entanto, Dorothea Orem e Jean Watson, destacam-se no modelo do cuidado.

Orem, no seu livro Nursing: Concepts of Practice (1971), formula o seu conceito de enfermagem em relação ao auto-cuidado, adoptando uma perspectiva personalista, na concepção de cada pessoa como una e única. Apresenta como teoria geral de enfermagem, a teoria do défice de auto-cuidado composta de três teorias relacionadas: a teoria do auto-cuidado, que descreve como e o porquê das pessoas cuidarem de si próprias; a teoria do deficit de auto-cuidado, que descreve e explica porque razão as pessoas podem ser ajudadas através da enfermagem; e a teoria dos sistemas de enfermagem, que descreve e explica as relações que têm de ser criadas e mantidas para que se produza enfermagem(7).

Jean Watson publica, em 1979, Nursing: The Philosophy and Science of Caring, onde apresenta os principais pressupostos da ciência do cuidar em enfermagem. Propõe dez factores do cuidar em que cada um possui um componente fenomenológico dinâmico. De acordo com esta teoria, o cuidar é um termo de enfermagem que representa os factores que os enfermeiros usam na prestação de cuidados a diversos doentes. A pessoa que cuida entende os sentimentos do outro e reconhece a sua singularidade(8).

Alicerces do Cuidar em Enfermagem

O conceito de pessoa tem a sua origem etimológica em persona, que se refere à máscara teatral usada na tragédia grega para ampliar a voz dos actores, passando a designar a própria personagem. Neste sentido Nunes et al.(9) (2005:142) citam Silva, ao definir pessoa como sendo “o sujeito, o protagonista da acção que pressupõe a trama de reacções intersubjectivas no interior da sociedade e está na base do conceito de pessoa social/jurídica, enquanto pertencente a uma comunidade com direitos e deveres”. Relativamente ao conceito de pessoa, Kant, no final do século XIX, considerava que cada ser humano é um fim em si mesmo e nunca um meio ou instrumento de outra vontade. O que caracteriza a pessoa e o que a dota de dignidade especial é ser um fim em si mesmo, único e insubstituível, tendo em conta a relação e a inter-relação como sendo conceitos constitutivos da dinâmica do ser humano. A pessoa caracteriza-se pela racionalidade (consciência racional) e pela liberdade (livre vontade).

O ser humano, como sujeito moral, é possuidor de uma dignidade absoluta. A relação entre o cuidador e quem recebe os cuidados estabelece-se por princípios e valores, em que a dignidade humana “é o verdadeiro pilar do qual decorrem os outros princípios e que tem de estar presente de forma inequívoca em todas as intervenções e decisões” (idem:61). De acordo com Savater referenciado por Nunes et al.(9), a dignidade humana implica a inviolabilidade de cada pessoa, isto é, o reconhecimento de que não pode ser utilizada ou sacrificada pelos outros, implica o reconhecimento de autonomia de cada um e o reconhecimento de que cada um deve ser socialmente tratado, não segundo factores aleatórios (raça, etnia, sexo, entre outros), mas de acordo com a sua conduta. Por outro lado, implica a exigência de solidariedade para com a infelicidade e o sofrimento dos outros.

Utilizar o conceito de cuidar como um valor é situá-lo no plano do desejável. O valor é aquilo a que se atribui importância, é algo de que não se quer separar ou algo de que se tende a aproximar(6). Chama-se valor ou valores a um conjunto de termos que significam entidades abstractas, ou seja, que não são objectos. São exemplo: a paz, a justiça, a solidariedade, felicidade, bem, liberdade. Os valores podem ser mais abstractos e consequentemente absolutos ou podem ser mais concretos, encarados como relativos(10). A hierarquização de valores foi estudada por alguns autores (como é exemplo Max Scheller) que propuseram escalas de importância crescente para a sociedade e para as pessoas. Os valores são “critérios segundo os quais valorizamos ou desvalorizamos as coisas e expressam-se nas razões que justificam ou motivam as nossas acções, tornando-as preferíveis a outras (…) são conceitos que traduzem as nossas preferências”(9) (2005:62).

Há  valores tidos como universais numa perspectiva do cuidar, tais como:

  • a igualdade, em que todos nascem iguais em direitos e em dignidade, daí a premissa cuidar de todos sem distinção;
  • a liberdade responsável, em que a responsabilidade é uma das noções éticas fundamentais e é correlativa da liberdade, na medida em que só se é responsável pelas acções que se escolheu voluntariamente realizar e onde a liberdade está intimamente ligada com a autenticidade, isto é, viver de acordo consigo mesmo e de acordo com os seus princípios;
  • a verdade, isto é, referência às coisas tal como elas são, correspondendo à realidade tal como ela é vivida pelo ser humano e manifesta-se na unidade do pensar, agir e ser;
  • a justiça, esta trata-se de dar a cada um o que lhe é devido, na conformidade com o direito (legalidade) e sendo uma proporção (igualdade), trata-se da igualdade dos direitos quer sejam eles estabelecidos juridicamente ou moralmente exigidos;
  • o altruísmo é um outro valor a designar, que é aquele que resulta da acção realizada em função do interesse do outro, isto é, surge como valor do beneficio do outro em vez de si mesmo;
  • a solidariedade, enquanto comunhão de interesses, este é um valor de pertença a um conjunto que implica o respeito pelo outro, bem como a partilha de conhecimentos e saberes;
  • a competência profissional, caracterizada por Leddy, citado por Nunes et al.(9) (2005:65) como “juízo e acção sensata em situações complexas, únicas e incertas, com valores em conflito […] também requer conhecimento reflexivo para lidar com áreas que não se prestam a soluções comuns”. Por outro lado, como caminho da construção de competências, surge o aperfeiçoamento profissional. A autoformação, a formação contínua e o processo de avaliação de desempenho, constituem formas de operacionalizar e promover o desenvolvimento pessoal e profissional.

A profissão de enfermagem tem um mandato social, isto é, a sociedade espera alguma coisa dos enfermeiros. Desta forma, a enfermagem assume uma dimensão moral, onde o respeito, o serviço, a competência e a justiça constituem virtudes institucionais. Oguisso(11) (2006:88) cita Peixoto ao afirmar que “o respeito que a sociedade terá ao enfermeiro só se justificará se, além de o sentir capaz, o souber responsável”. Responsabilidade é um termo com origem nas palavras latinas respondere e responsus, de responder ou ser responsável e significa responder pelos seus actos e/ou de outras pessoas envolvidas na realização de um determinado acto. Se desse acto resultar dano físico, moral ou patrimonial para alguém, haverá responsabilidade legal (civil, penal, ético-profissional) dos envolvidos. A reflexão sobre a responsabilidade e competência torna-se num instrumento orientador para a tomada de decisões com base em normas legais e princípios ético-profissionais. Enquanto enfermeiro, com a missão de cuidar, assume a responsabilidade de agir de determinado modo, tendo a preocupação da defesa da dignidade e liberdade da pessoa de quem cuida.

Autonomia, Privacidade e Confidencialidade

Diante dos dilemas de natureza ética que surgem no quotidiano das práticas em saúde, os profissionais são solicitados a analisar as situações concretas e a posicionar-se de acordo com princípios e valores, dando respostas coerentes. A autonomia, a privacidade e a confidencialidade das informações podem ser destacadas de entre os princípios éticos que norteiam as relações humanas e o agir na área da saúde.

O termo autonomia advém do grego autos (próprio) e nomos (lei, regra, norma), referindo-se ao poder da pessoa de tomar decisões que afectem a sua vida, a sua saúde e o seu bem-estar, de acordo com valores, crenças, expectativas e prioridades, de forma livre e esclarecida, dentre as alternativas a ela apresentadas(12). Para garantir a liberdade de consentir, o profissional de saúde tem de respeitar a autonomia do doente, reconhecendo-o com um sujeito e não como um objecto. O doente passa a ser um sujeito que discute e emite opiniões sobre o seu estado de saúde, tratamento e bem-estar. No entanto, nem sempre a decisão que o doente toma é a que o profissional de saúde tomaria, gerando dificuldade por parte deste em aceitar essa decisão. Esta situação não justifica o desrespeito à decisão do doente, quando esta foi tomada de forma livre e esclarecida.

A autonomia concretiza-se mediante a formalização de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; este deve ser voluntário, consciente, sem coacção ou manipulação. Neste sentido, o consentimento esclarecido é um acto resultante da decisão voluntária, realizado por uma pessoa competente, ou seu representante legal, aceitando ou recusando a proposta de acção que lhe afecte, após o entendimento das informações necessárias (idem).

Para que a acção seja autónoma são exigidos três requisitos: liberdade, isto é, ter possibilidade de escolha; competência, ou seja, ser capaz de entender e avaliar a informação recebida sobre o procedimento que irá ser realizado; e esclarecimento, que significa ter todas as informações necessárias para tomar uma decisão.

Há ainda que fazer referência às condições limitantes da autonomia, tais como a ansiedade, o medo de saber, o desinteresse, a dificuldade ou incapacidade de compreensão e até mesmo a excessiva confiança nos profissionais de saúde, fazem com que os doentes não se importem ou não queiram ser informados, limitando a possibilidade de manifestação da sua autonomia.

Quanto ao princípio da privacidade, este advém do princípio da autonomia. Etimologicamente, a palavra privacidade origina-se no adjectivo privatividade que significa o carácter do que é privativo, próprio de alguém, só dele, não público, do foro íntimo. Assim, cabe à pessoa autónoma decidir a quem e como deseja expor o seu corpo para procedimentos médicos ou informações a respeito do seu estado de saúde (ibidem).

A confidencialidade relaciona-se com a garantia de que as informações dadas não sejam reveladas sem a prévia autorização das pessoas em questão. Se por um lado a privacidade das informações é um direito dos doentes, por outro a confidencialidade é um dever dos profissionais relativamente às informações recolhidas no relacionamento de ambos. No trabalho em equipe, a troca de informações é necessária, no entanto, deve ser limitada àquelas informações que cada profissional precisa saber para poder exercer a sua actividade em beneficio do cuidado do doente(12).

A preservação da privacidade e confidencialidade encoraja a procura dos serviços de saúde, onde as pessoas se sintam protegidas de possíveis abusos que agridam a sua dignidade. Por outro lado, a privacidade e a confidencialidade não são princípios absolutos, apresentando “limites fundamentados na possibilidade de causar dano à saúde ou à segurança da colectividade ou de pessoas identificáveis, requerendo um balanço entre interesses individuais e públicos, entre riscos individuais e benefícios sociais” (idem:147).

Humanizar a Saúde

Humanizar a saúde é necessário e urgente. O doente clama por uma maior humanização, solicitando não ser considerado como algo, mas como alguém, respeitado na sua dignidade e liberdade. Desta forma, o profissional cuida a pessoa como pessoa, dá-lhe atenção e responde de forma positiva a toda a sua esperança, num encontro entre uma confiança e uma competência.

Humanizar é  “reforçar o clima humano, de inter-relação confiante e confidencial, entre pessoa (utente, doente, familiar) e pessoa (profissional de saúde). Humanizar é atender com cortesia, benevolência e paciência: é ter compreensão com quem se encontra angustiado, tenso, apavorado, (…) é informar com verdade e delicadeza, é acolher com simpatia”(13) (2004:62).

Para Gafo(14) (1996:14), o que constitui o principal problema bioético é “como humanizar a relação entre aquelas pessoas que têm conhecimentos médicos e o ser humano, frágil (…), que vive o duro transe de uma doença que afecta profundamente a sua pessoa”.

Falar de humanização em saúde supõe a concretização feita a cinco níveis: humanização dos cuidados, só possível com a competência, a actualização e avaliação constante; humanização das relações, que supõe o culto das virtudes sociais da tolerância, respeito pela diferença, convivência amiga, diálogo sincero e fraterno e solidariedade efectiva; humanização dos espaços, que requer um ambiente limpo e agradável que favoreça uma atitude positiva quer para o doente quer para o profissional; humanização dos equipamentos, que se querem proporcionais às necessidades específicas dos tratamentos; e por último, a humanização das estruturas, suficientemente respeitadoras das pessoas que nelas intervêm(15).

A humanização é da responsabilidade de todos os que exercem a sua profissão na instituição de saúde e é também responsabilidade dos próprios doentes, na forma como se relacionam com os profissionais e com os outros doentes. A humanização está no dar e receber. Em saúde, “ser realizado e feliz está muito próximo do cuidar e fazer felizes os outros” (idem:126).

Como regra de ouro, surge o enunciado: não faças aos outros o que não queres que te façam a ti, reformulado pela positiva no ensinamento de Cristo: em tudo procederás com os outros como queres que procedam contigo(16).

Considerações Finais

A relação com o doente “é uma relação entre pessoas totalmente inserida no universo ético”(17) (1998:31).

       “A ética no exercício de uma profissão deve iniciar-se bem antes da prática, porque impõe princípios, valores e crenças pessoais. No entanto, os valores universais (a pessoa como um valor em si, a dignidade humana, a liberdade, a igualdade e a fraternidade) observados na relação profissional só terão na prática a expressão correspondente se forem conhecidos e compreendidos, e, mais do que isso, incorporados pelos profissionais no seu universo de saberes” (2) (2006:66).

Os profissionais de saúde, para além de dominarem conhecimentos, técnicas e habilidades, devem ter compaixão para compreender como o doente vivencia o processo de doença, não descurando os seus valores e crenças. Colland é citado por Hesbeen(6) (2000:105) ao anotar que compadecer-se é “deixar-se habitar pelas angústias e pelas dores de quem sofre, é estar ali, escutar, receber os gritos de revolta e de dor. A compaixão é de uma total ineficácia técnica mas de um infinito valor humano”.

Além de serem compassivos existem também outras virtudes indispensáveis aos profissionais de saúde, tais como, honestidade, fidelidade, coragem, temperança, justiça, sabedoria, prudência, entre outras. Dos profissionais virtuosos espera-se que coloquem o bem do doente acima do seu ou da instituição de saúde em que se inserem(2). Virtude surge como tradução do termo grego <I>areté<I> que significa qualquer forma de excelência. Zoboli(3) faz referência a Drane ao considerar a assistência à saúde como prática virtuosa. A saúde implica em uma responsabilidade colectiva, do governo, da sociedade e de todos, actuando de forma solidária(18).

Por outro lado, não convém esquecer que aquele que sai de si mesmo e se volta para o outro, se descuide a si próprio, até porque ninguém dá o que não possui. Frei Bernardo(19) (1988:239) refere que “as pessoas, agentes, da humanização, devem humanizar-se a si mesmas, fazendo desabrochar as virtualidades pessoais e assimilando os valores humanos universais que tornam a pessoa adulta, auto e hetero-avaliativa, aberta, disponível, acolhedora e conscientemente participativa”.

O compromisso do cuidado mobiliza o cuidador no sentido de uma responsabilização para com a promoção da pessoa, respeitando e promovendo a sua autonomia, cidadania, dignidade e saúde.

“E a maioria de nós tem este desejo: que os outros ajam em nosso beneficio não simplesmente pelo senso de dever, mas porque nós realmente somos importantes para eles”(20) (2005:118).

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