Início Sinais Vitais Cuidar do doente com DPOC

Cuidar do doente com DPOC

146
0
Revista Sinais Vitais

Para cuidar destes doentes, o enfermeiro tem que  desenvolver um conjunto de competências, de forma a ajudá-lo a adaptar-se às suas incapacidades.

Sinais Vitais nº66

Cuidar do doente com DPOC:

                     – que incapacidades Do doente?

                             – que competências exigidas aos enfermeiros?

Alexandra Filipa Cosme

Licenciada em Enfermagem

Exerce funções de Enfermagem no Centro Hospitalar de Torres Vedras, serviço de medicina

Liliana Maria Bernardes Martins

Licenciada em Enfermagem

Exerce funções de Enfermagem no Centro Hospitalar de Torres Vedras, serviço de cirurgia

Resumo

O desenvolvimento de conhecimentos na área do cuidar de doentes com DPOC, torna-se cada vez mais importante, para acompanhar as problemáticas do actual panorama da saúde.

Assim, este artigo tem por objectivo refletir acerca da problemática do doente com DPOC, na perspectiva das suas incapacidades e do seu cuidar em enfermagem, especialmente a nível das competências necessárias para aumentar o potencial de saúde dos utentes e família.

Palavras-chave: DPOC; doença crónica; incapacidades; reabilitação respiratória; educação para a saúde ; competências em enfermagem.

De acordo com a European Respiratory Society referenciado por SANTOS et al (1998,p.20) existe um aumento da incidência e prevalência de doenças crónicas, nas quais está incluída a DPOC. Segundo a mesma fonte em Portugal existe um declínio progressivo da mortalidade, que em 1980 era de 25,26 por 100 000 habitantes e em 1995 de 1 por 100 000 habitantes. Em 1991, a mortalidade por 100 000 habitantes em Portugal era sobreponível à encontrada em França, inferior à do Reino Unido e Finlândia, mas superior à dos EUA e Canadá.

DPOC – doente crónico e suas incapacidades

A DPOC surge em doentes com bronquite crónica e enfisema, caracteriza-se por obstrução persistente das vias aéreas e diminuição dos débitos expiatórios. Na maioria das vezes a obstrução é progressiva embora possa ser parcialmente reversível ou acompanhada de hiperreactividade brônquica. (SANTOS et al;1998,p.32)

A bronquite crónica define-se pela presença de tosse produtiva em pelo menos três meses em dois anos consecutivos. Enfisema caracteriza-se pelo alargamento dos espaços aéreos distais aos bronquíolos terminais por destruição das suas paredes, não substituída por fibrose. (SANTOS et al;1998,p.32)

Gostaríamos de salientar que não são englobadas na DPOC outras patologias que se podem acompanhar de obstrução das vias aéreas, nomeadamente a asma (que representa reversibilidade da obstrução com períodos de normalidade e tem maior variabilidade dos débitos expiratórios), as bronquiectasias, a fibrose quística, a bronquioIite e a obstrução das vias aéreas superiores.

A DPOC é uma doença crónica.

ZOZAYA citado por CAMON (1996,p.149) define doença crónica como  “…qualquer estado patológico que apreende uma ou mais das seguintes característica: que seja permanente, que deixe incapacidade residual, que produza alterações patológicas não reversíveis, que requeira reabilitação ou que necessite períodos longos de observação, controlo e cuidados.”

Neste contexto certos indivíduos tornam-se doentes crónicos pela simples razão de apresentarem alterações somáticas tão importantes que são forçados a renunciar a qualquer possibilidade de adaptação e de desenvolvimento. (SCHNEIDER  citado por CAMON 1996,p.149)

A pessoa com DPOC deverá adaptar a sua vida há doença, de forma a viver com qualidade, apesar das limitações e perdas impostas. Esta é sentida pelo indivíduo como uma agressão tornando o futuro incerto, exigindo uma adaptação gradativa há situação.

Ser doente crónico é lutar contra as suas incapacidades.

Segundo BADLEY citado por STANNHOPE (1999,p.658)  uma incapacidade  “…é qualquer restrição ou perda (resultante de uma deficiência) da capacidade para desempenhar uma actividade de modo ou dentro do padrão considerado normal para um ser humano, tendo em conta a sua idade cronológica”.

A DPOC é uma doença crónica incapacitante porque tem carácter permanente e produz alterações somáticas. Assim, o doente sofre restrições e perda da capacidade para desempenhar actividades anteriormente realizadas. Têm de enfrentar a perda de um corpo saudável e activo e, para muitos, o funcionamento corporal não adequado leva a uma diminuição da autonomia e da capacidade de agir com independência.

As incapacidades dos doentes com DPOC, podem ser variadas, pois todas as vertentes do ser humano são afectadas. (Ver quadro n.º1)

Para cuidar destes doentes, o enfermeiro tem que  desenvolver um conjunto de competências, de forma a ajudá-lo a adaptar-se às suas incapacidades.

As competências no cuidar em enfermagem

“Cuidar… é ajudar a viver. Assim se expressava Marc Oraison em 1964, na sua obra La mort…et puis aprés”. LAZURE (1994,p.7)

COLLIÉRE (1982,p.23) acrescenta que cuidar é um acto de reciprocidade que se presta a toda a pessoa que temporária ou definitivamente tem necessidade de ajudar para assumir as suas necessidades vitais.

Ao longo de toda a sua história, a enfermagem utiliza o cuidar no âmbito do exercício da profissão.

Para cuidar de utentes com DPOC, a enfermeira deve utilizar práticas e técnicas de atendimento que visam à restruturação das suas funções e a prevenção das complicações.

A reabilitação respiratória é essencial para o cuidar destes doentes.

Em 1988, a Association of Reabilitation Nurses, em colaboração com a American Nurses Association, definiu a enfermagem de reabilitação como “…o diagnóstico e o tratamento das relações humanas dos indivíduos e grupos a problemas reais, cujos potenciais de saúde derivam de uma habilidade funcional alterada e de um estilo de vida modificado” (HOOD,p.233).

O objectivo ou extensão da reabilitação vai desde a readaptação da pessoa incapacitada ao trabalho, ao desenvolvimento da capacidade dos cuidados pessoais.

Segundo SANTOS et al (1998,p.26) deverá existir uma continuidade de serviços multidimensionais, dirigidos a pessoas com doenças respiratórias e a suas famílias, através de uma equipe interdisciplinar tendo por objectivo atingir e manter o nível máximo de independência do indivíduo e de funcionalidade na comunidade.

Os cuidados ao doentes com DPOC são prestados por uma equipa que deve ser constituída por médicos, fisioterapêutas, assistentes sociais, nutricionistas, terapeutas ocupacionais.

Os enfermeiros são os profissionais que provavelmente mais contactam com a família e doente, em relação aos restantes membros da equipa, logo estão em posição excelente para planear, conjuntamente, um programa de cuidados adequados.

Uma das bases essenciais da reabilitação respiratória é a educação dos doentes e seus familiares.

È essencial ensiná-los acerca da patologia e da sua evolução motivando-os a integrar-se na equipe como membros activos e actuantes e não como consultores passivos e aparentemente obedientes. O doente tem de ser ensinado e responsabilizado pela autogestão da sua doença e aos familiares, deve ser dado conhecimento da intervenção adequada a adoptar em cada momento.

Assim, a actuação em enfermagem passa por dar poder aos clientes, de forma a que mobilizem e reconheçam as suas forças e recursos, adquiriram conhecimentos e desenvolvam competências e atitudes que melhorem as suas capacidades.

Para cuidar em enfermagem do doente com DPOC, existem determinadas actuações gerais que o enfermeiro deve dominar de forma a ser competente, são elas:

  • Manutenção das vias aéreas premiáveis: treino respiratório, cinesiterapia respiratória ; fluidificação e secreções, administração de oxigenoterapia e terapêutica.
  • Prevenção e controlo de infecções: erradicação de factores irritantes brônquicos, despiste precoce de sintomas, vacinação anti-gripe, higiene oral e alimentar.
  • Aumento de tolerância a esforços e capacidade de autocuidado: alternância de esforços, aumento gradativo de actividades e recondicionamento muscular.
  • Apoio psicossocial.

Ao enfermeiro é exigido que desenvolva diversas competências de forma a dar resposta às necessidades dos utentes com DPOC.

Uma abordagem possível acerca das competências profissionais requeridas no exercício de enfermagem, é através do conteúdo funcional da respectiva carreira, que em Portugal está consignado no DL n.º 437/91, de 8 de Novembro.

Neste contexto é muito importante que o enfermeiro que cuida do utente com DPOC desenvolva as seguintes competências:

  • colheita de dados de forma a identificar as necessidades em cuidados de enfermagem;
  • elaborar plano de cuidados em função dos problemas identificados;
  • estabelecer prioridades;
  • executar cuidados;
  • preparar a alta;
  • articular cuidados;
  • avaliar os mesmos;
  • reavaliar necessidades;
  • colaborar em estudos;
  • utilizar resultados de estudos;
  • colaborar na formação.

Simultaneamente, consideramos que para cuidar dos utentes é essencial desenvolver as “competências genéricas”, “Soft Skills”, “competências-chave”e as “competências de terceira dimensão”, que são de acordo com PIRES (1994,p.10-12),  os quatro grandes grupos de competências, do foro pessoal e relacional dos indivíduos.

Segundo o mesmo autor estes agrupamentos possuem competências da esfera sócio-afectiva:

  • espirito de iniciativa;
  • perseverança;
  • criatividade;
  • sentido de organização;
  • espirito crítico;
  • autocontrole;
  • atitude de liderança;
  • persuasão;
  • autoconfiança;
  • percepção e interpretação nas relações pessoais;
  • preocupação e solicitude em relação aos outros.

O cuidar de doentes com DPOC impõe exigências à actuação do enfermeiro,  que tem que demonstrar competências e capacidades várias que convergem para uma finalidade, a orientação do utente e família, na busca da saúde e independência.

Bibliografia

  • CAMON, Valdemar – E a Psicologia entrou no Hospital. S. Paulo:Editora Pioneira, 1996, cap.3.
  • COLLIÈRE, M.F. – Promouvoir la vie . Dela pratique des femmes soignantes aux soins infirmier. Paris: Inter Editions,1982,p.391.

  • HOEMAN, Shirley – Enfermagem de reabilitação- Aplicação e processo. 2ªEd.Lisboa: Editora Lusociência,2000.

  • HOOD, Gail e outros – Fundamento e Prática de Enfermagem- Atendimento completo ao paciente. 8ª edição. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1995.

  • LAZURE, Hélene – Viver a Relação de Ajuda- abordagem teórica e prática de um critério de competência da enfermeira. Lisboa: Editora Lusodidata,1993.

  • NOLAN, Mike e outros – Reabilitation, cronic illness disability: the missing elements in nurse education. In: Journal of Adavanced Nursing. April, 1999,  vol. 29,nº.4,p.958-966.

  • PHIPPS, LONG E WOODS – Enfermagem médico-cirúrgica: conceitos e prática clínica. Lisboa: Editora Lusodidacta, 1990,cap.13.

  • PIRES, Ana – A Pedagogia do projecto. In: Revista dos Formadores. Outubro, 1995, vol.16.p.4-7.

  • SANTOS, José Moutinho e outros – Normas clínicas para intervenção na doença pulmonar obstrutiva crónica da sociedade portuguesa de pneumologia. Lisboa, 1998.

  • Secretariado nacional de reabilitação – Inquérito Nacional às Incapacidades, Deficiências e Desvantagens. Lisboa, 1996.

  • STANHOPE, Lancaster – Enfermagem Comunitária, Promoção da Saúde de Grupos, Famílias e Indivíduos. 4ª ed. Lisboa: Editora Lusociência, 1999.

Quadro n.º 1: Incapacidades do doente com DPOC e suas características

IncapacidadeCaracterísticas
  • Incapacidade no cuidado pessoal
Ausência ou redução grave da capacidade para cuidar de si próprio no respeitante às actividades fisiológicas básicas, tais como a excreção, a alimentação, a higiene pessoal e o vestir e despir
  • Incapacidade de realizar tarefas da vida diária
Redução severa ou à ausência e capacidade para realizar as tarefas de vida diária relacionadas com as actividades manuais
  • Incapacidade de locomoção
Redução ou incapacidade grave de realização de actividades relacionadas com a deslocação, quer do próprio, quer dos objectos
  • Incapacidade face a situações.
Redução que decorre da dependência e da resistência física e incapacidade face  ao ambiente. São incluídas nesta categoria as pessoas com dependência de qualquer máquina externa de suporte de vida e com intolerância a esforços
  • Incapacidade de manutenção de actividade laboral
Diminuição do indivíduo de realizar as suas actividades laborais, anteriormente efectuadas. São incluídas pessoas que não efectuam a sua actividade laboral por decisão própria, imposta pela entidade patronal e/ou familiares
  • Incapacidade de funcionamento sexual
Diminuição ou inexistência de funcionamento Sexual. São incluídos indivíduos que não têm qualquer tipo de actividade sexual ou a que exercem não os satisfaz na totalidade
  • Incapacidade de exercer papéis familiares
Perda de papéis familiares, pelas consequências da sua patologia. São incluídas quaisquer alterações sentidas pelo utente e/ou família
  • Incapacidade de manutenção de actividade social
Alterações da capacidade de comunicação, perturbações da auto-imagem, ausência de apoios de outros. São incluídas as pessoas que não desejam sair de casa, frequentar grupos culturais e sociais
  • Incapacidade de adaptação à doença
Indivíduos que demostram não se adaptar à sua doença através do desencadeamento de alterações no processo de pensamento. São incluídas pessoas com sentimentos de ansiedade e frustração

Adaptação das incapacidades apresentadas no Inquérito Nacional às Incapacidades, Deficiências e Desvantagens, realizado pelo Secretariado Nacional de Reabilitação (1996,p.45-69)