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Contributos para o desenvolvimento da Prática de Enfermagem Avançada

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Revista Nursing

A investigação em enfermagem reveste-se ainda, de enorme complexidade para uma grande parte dos profissionais e estudantes de enfermagem.

Nursing nº 223

 

Contributos para o desenvolvimento da Prática de Enfermagem Avançada – um olhar atento sobre o Manual de investigação em ciências sociais

de Quivy & Campenholdt

A investigação em enfermagem reveste-se ainda, de enorme complexidade para uma grande parte dos profissionais e estudantes de enfermagem.

Ao elaborarmos a recensão crítica desta obra procuramos ajudar quem precise de efectuar uma investigação em ciências sociais e não tendo experiência no campo, encontrará os principais focos de interesse de uma forma sucinta e objectiva, enriquecidos ainda por contributos de outros autores ligados à investigação.

Assim, analisando a estrutura geral da obra deparamo-nos com uma organização lógica da mesma, iniciando-se pela formulação de um projecto de investigação, o trabalho exploratório, a construção de um plano de pesquisa, os critérios para a escolha das técnicas de recolha, tratamento e análise dos dados.

O seu carácter prático permite-nos de uma forma simples utilizar as recomendações que nos são dadas aplicando-as ao nosso trabalho. No entanto os autores ressalvam a importância de não considerarmos por si só esta obra como um conjunto de receitas, mas sim para a necessidade de reflectirmos, criticarmos e inventarmos uma forma de criar o nosso próprio processo de trabalho.

Chamam-nos ainda a atenção para o sentido crítico do nosso trabalho à medida que esta for progredindo, devendo complementar as reflexões descritas nesta obra, com a nossa formação teórica e acompanhamento do “tutor”.

Devemos ter presente que a escolha, a elaboração e a organização do processo de trabalho variam com cada investigação específica. Os exemplos reais contidos nesta obra são preciosos para quem se inicia na “aventura” de investigar, pois servem como pontos de partida que nos apontam caminhos a seguir ou a deixar para trás.

Os autores alertam-nos para problemas de método a evitar nomeadamente: a procura de inúmera bibliografia a que chamam de gula livresca, “que nos pode fazer afogar em sobre-informação” (CARMO 1998:45). Assim, orientam-nos para a reflexão do que se procura saber e a forma de o conseguir, isto é, tomarmos o caminho mais curto e mais simples para obtermos melhores resultados; a passagem às hipóteses salientando a importância de não saltar etapas e definir em primeiro lugar o projecto de trabalho que se quer desenvolver; a ênfase que obscurece recorrendo a expressões pomposas e ininteligíveis que não traduzem simplicidade, clareza, autenticidade e sentidos das proporções que devem estar presentes no nosso trabalho. Também neste sentido CARMO (1998:45) refere-nos que “quem considera que quanto mais hermético for o discurso mais científico será, revela, sob a capa de pretensa erudição, uma deficiência de capacidade comunicativa decorrente de frequente imaturidade cognitiva e afectiva”

O facto dos autores deixarem bem explicito que este livro é apresentado como um manual de formação, obriga-nos a olhar para as diferentes etapas inseridas no seu contexto global de forma a permitir um progressão na aprendizagem, tendo em conta qualidades como a autenticidade, curiosidade e rigor metodológico.

Assim encontraremos os princípios de procedimento científico em ciências sociais sob a forma de sete etapas a percorrer que estão em perfeita interacção.

Para começar um trabalho de investigação deve o investigador enunciar o seu projecto sob a forma de pergunta partida, que será o fio condutor de todo o trabalho, permitindo prosseguir com uma estrutura coerente e clara. É no fundo “a preocupação, a irritação, o mal-estar, sentido pelo investigador, em relação a um domínio de investigação em particular” (FORTIN 1999:63).

A pergunta de partida deve ter em conta as qualidades de clareza, exequibilidade e de pertinência. Deve ser portanto precisa, concisa, inequívoca, realista, visando um melhor conhecimento dos fenómenos estudados e não apenas a sua descrição.

A sua correcta formulação ajudar-nos-á a progredir nas nossas leituras e nas entrevistas exploratórias evitando a dispersão das nossas reflexões. Como resposta à pergunta de partida surgem as hipóteses de trabalho que constituem os eixos centrais de uma investigação.

Seguindo a pergunta de partida é fundamental procurar informação de qualidade e explorar o terreno. Surge assim a exploração etapa que comporta as operações de leitura, as entrevistas exploratórias e alguns métodos de exploração complementares. Enquanto que a leitura visa assegurar a qualidade da problematização, as entrevistas e métodos complementares ajudam o investigador a ter um contacto com a realidade vivida pelos actores sociais.

O investigador deve começar pela pergunta de partida seleccionando cuidadosamente um pequeno número de leituras e organizando-se para retirar delas o máximo proveito. Estas leituras não se devem limitar a apresentar dados, mas a incluir elementos de análise e de interpretação que estimule a reflexão critica e a imaginação do investigador. Assim, devem “indicar as coerências e contradições na literatura, além de oferecerem explicações possíveis para as incoerências” (POLIT 1995:58). É importante estipular intervalos regulares consagrados para troca de impressões com colegas e conselhos com especialistas que conheçam bem o campo de pesquisa. Reunida a informação, o investigador deve ser capaz de fazer surgir ideias, de as compreender em profundidade e de as articular entre si de forma coerente. Para que aconteça é importante adoptar métodos de leitura: grelhas de leitura adequadas aos objectivos pretendidos, que permitam confrontar textos, analisar as suas convergências, divergências e complementaridades, os recursos que permitem destacar as suas principais ideias e articulações de modo a fazer surgir a unidade de pensamento do autor.

As entrevistas exploratórias não procuram verificar hipóteses nem recolher ou analisar dados específicos mas têm como principal função revelar determinados aspectos do fenómeno estudado em que o investigador não teria espontaneamente pensado por si mesmo e assim, completar as pistas de trabalho sugeridas pelas leituras.

Os métodos exploratórios complementares dizem respeito à coexistência de entrevistas, observações e consultas de documentos diversos durante o trabalho exploratório e aos diários de campo.

A abordagem teórica que decidimos adoptar para tratarmos o problema formulado pela pergunta de partida constitui a problemática, etapa charneira da investigação, entre a ruptura e a construção.

A problemática realiza-se frequentemente em dois momentos distintos: o primeiro consiste em explorar as leituras e entrevistas fazendo um balanço das diferentes problemáticas possíveis, elucidando os seus pressupostos, comparando-os e reflectindo nas suas implicações metodológicas; o segundo momento permite-nos escolher e construir a nossa problemática.

Construir a problemática equivale a formular os principais pontos de referência teóricos da investigação: a pergunta que estrutura finalmente o trabalho, os conceitos fundamentais e as ideias gerais que inspirarão a análise.

O prolongamento natural da problemática é a construção do modelo de análise. A sua elaboração permite a ligação entre a problemática fixada pelo investigador e o seu trabalho de elucidação sobre um campo de análise forçosamente restrito e preciso. Deste modo, é composto por conceitos e hipóteses estritamente articuladas entre si para, em conjunto, formarem um quadro de análise coerente.

A construção dos conceitos é abstracta e visa dar conta do real retendo apenas os aspectos que exprimem o essencial do ponto de vista do investigador.

Este processo de construção/selecção dos conceitos conduz-nos à definição das dimensões que os constituem e dos indicadores que permitem a sua mediação.

Uma hipótese é uma proposição que prevê uma relação entre os dois termos que segundo os casos podem ser conceitos ou fenómenos. Segundo FORTIN (1999:109), a hipótese é um enunciado formal (escrito no presente) das relações previstas entre duas ou várias variáveis. Assim, esta etapa constitui uma resposta provisória à pergunta de partida. A hipótese deve ser refutável, para poder ser confrontada numa etapa posterior da investigação com dados da observação.

A observação engloba o conjunto das operações através das quais o modelo de análise é submetido ao teste dos factos e confrontado com dados observáveis. Assim é o “processo de observação, de medida e de consignação de dados, visando recolher informação sobre certas variáveis junto dos sujeitos que participam numa investigação” (FORTIN 1999:365). É uma etapa intermédia entre a construção dos conceitos e das hipóteses, por um lado e o exame dos dados utilizados para as testar, por outro.

É necessário responder a três perguntas para conduzir a bom porto o trabalho de observação:

  • Observar o quê – os dados que são definidos pelos indicadores resultantes da elaboração de um modelo de análise tão claro, preciso e explicito quanto possível.
  • Observar em quem – é preciso circunscrever o campo das análises impiricas no espaço geográfico e social, bem como no tempo. Dependendo do caso, o investigador poderá estudar o conjunto da população considerada ou apenas uma amostra representativa dessa população.
  • Observar como – os instrumentos da observação e recolha dos dados propriamente dita. Esta fase consiste na construção do instrumento capaz de recolher ou de produzir a informação prescrita pelos indicadores. A observação é composta por três operações: conceber o instrumento de observação; testar o instrumento de observação e a recolha de dados.

A análise das informações surge como a etapa em que é testada a informação obtida através da observação para a apresentar de forma a poder comparar os resultados observados com os esperados a partir da hipótese.

A análise de informação compreende múltiplas operações. Há no entanto um conjunto de três que são obrigatórias, a descrição e preparação dos dados necessários para testar a hipótese e a comparação dos resultados esperados, com os observados. As duas primeiras agregadas ou não, procuram exprimir um dos conceitos, medindo as relações entre as variáveis em conformidade com a forma como essas relações foram previstas pelas hipóteses. A terceira operação procura comparar as relações observadas com as relações teoricamente esperadas a partir da hipótese e em medir a diferença entre as duas. Em função das diferenças obtidas deve o investigador validar as hipóteses ou reequaciona-las, “permitindo, desta forma o estabelecimento de relações entre os resultados obtidos e as hipótese formuladas” (FORTIN 1999:330).

É feita uma revisão dos principais métodos de análise de informação, salientando os autores para a forte relação entre os métodos de recolha de informação e os que são utilizados posteriormente no tratamento da mesma.

Os principais métodos de análise da informação são a análise estatística dos dados e a análise de conteúdo. A field research constitui um exemplo de aplicação contemporânea de diferentes métodos de observação e de análise das informações, aplicados não de uma forma rígida, procurando reflectir no impacto do seu papel no andamento da investigação.

As conclusões de um trabalho devem espelhar as informações mais importantes da investigação, permitindo ao leitor ficar com uma ideia do interesse que a investigação tem para si. Assim, deve compreender uma retrospectiva das grandes linhas do procedimento que foi seguido, a apresentação pormenorizada dos contributos para o conhecimento originado pelo trabalho e por último as considerações de ordem prática. Assim, é de extrema importância que “contenha um meditação sobre esse valor acrescentado, permitindo evidenciar as consequências, nos planos práticos, teóricos ou metodológicos, do trabalho desenvolvido. Tal reflexão constitui uma peça fundamental deste documento, uma vez que aponta pistas tanto para futuras investigações como para a definição de politicas e decisões” (CARMO 1998:160).

Na nossa opinião os autores utilizando uma linguagem objectiva e clara conseguiram transmitir de forma eficaz as ideias a que se propuseram no início da obra.

Ao darem exemplos reais apontaram-nos caminhos para clarificar dúvidas. Assim a componente teórica descrita neste livro torna-se clara e com a aplicação no terreno, facilitando toda a sua compreensão.

De forma organizada conduziram-nos pelas diferentes etapas de desenvolvimento do processo, denotando preocupação em realizar um trabalho de aplicação no final de cada etapa. O facto dos autores darem continuidade do mesmo exemplo nas diferentes etapas permite-nos uma maior compreensão de todo o processo de investigação.

Acima de tudo os autores procuram aguçar nos leitores o espírito crítico, reflexivo de autonomia e simplicidade sugerindo eles próprios outros autores para complementar os conhecimentos adquiridos nesta incursão.

Pensamos assim, que a sua leitura será de extrema utilidade para todos os que desejam empreender uma investigação em ciências sociais.

Bibliografia

CARMO, Hermano; FERREIRA, Manuela Malheiro (1998), Metodologia da Investigação- Guia para a auto-aprendizagem, Lisboa, Universidade Aberta, ISBN: 972-674-231-5, p353.

FORTIN, Marie Fabienne (1999), O processo de investigação- Da concepção à realização, Loures, Lusociência- Edições Técnicas e Científicas Lda, ISBN: 972-8383-10-X, p388.

POLIT, Denise; HUNGLER, Bernadette (1995), Fundamentos de Pesquisa em Enfermagem, Porto Alegre, Artes Médicas, 3ª ed, p391.

QUIVY, Raymond; CAMPENHOLDT, Luc Van (2003), Manual de Investigação em Ciências Sociais- Trajectos, Lisboa, Gradiva- Publicações Lda, 3ªed, Depósito legal nº 202118/2003, p282.

Autores: 

Isabel Mercedes Mendes Nunes Fonseca

César João Vicente da Fonseca