Início Revista de Investigação em Enfermagem Contacto com a Morte e Síndrome de Burnout

Contacto com a Morte e Síndrome de Burnout

196
0
Revista Investigação em Enfermagem

As situações de contacto com a morte e o sofrimento poderão amplificar as repercussões para o indivíduo e para a organização, sob a forma do que actualmente se designa por “burnout”.

Revista de Investigação em Enfermagem (2000), nº1. Fev.: 17-23

CONTACTO COM A MORTE E SÍNDROME DE BURNOUT: ESTUDO COMPARATIVO COM TRÊS GRUPOS DE ENFERMAGEM DE ONCOLOGIA

Por Pedro Dinis Parreira1* e Fernando C. Sousa2

Mestre em Comportamento Organizacional, professor adjunto na Escola Superior de Enfermagem de Bissaya Barreto

Doutor em Psicologia Social e Organizacional, professor na Escola Superior de Comunicação Social

* Comunicação apresentada no “Iº SIMPOSIUM IBÉRICO DO SINDROMA DE BURNOUT” que decorreu na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias , nos dias 19 e 20 de Novembro de 1999.

RESUMO

Este trabalho teve como finalidade estudar o síndroma de burnout em enfermeiros prestadores de cuidados na área de Oncologia, tendo-se efectuado a comparação de três serviços do Centro Regional de Oncologia de Coimbra.   Pretendeu-se determinar até que ponto o contacto mais intenso com a doença terminal e com a morte se repercutia em níveis mais altos de burnout nos três Serviços (Radioterapia, Cirurgia, e Oncologia Médica) considerados.  Dado que o Serviço de Oncologia Médica apresentou o maior número de doentes terminais e maior índice de mortalidade no ano de 1997, perspectivou-se neste a ocorrência de  níveis mais elevados de burnout.

O questionário “Maslach Burnout Inventory” foi aplicado à totalidade dos enfermeiros dos Serviços (n=64).  Este questionário conceptualiza o burnout em três dimensões: Exaustão Emocional, Despersonalização e Realização Pessoal, respectivamente.

Os resultados obtidos confirmaram parcialmente a hipótese formulada, verificando-se existirem níveis mais altos de burnout no Serviço de Oncologia Médica, com diferenças significativas relativamente ao serviço de Cirurgia, nas dimensões “Exaustão Emocional” e “Despersonalização”.  A parcialidade referida, reporta-se à não existência de diferenças significativas entre o Serviço de Oncologia Médica e o Serviço de Radioterapia na dimensão “Exaustão Emocional”.

Fez-se também a análise das variáveis independentes, não tendo sido obtidas diferenças significativas. No entanto, a variável “Idade” apresentou uma tendência explicativa para a dimensão “Despersonalização”.

Deste modo ficou provado que a intensidade no contacto com o doente terminal e com a morte constitui variável organizacional importante, devendo ser tida em conta nas acções de gestão de pessoal.

Palavras chave: Burnout, Morte, Oncologia, Enfermeiros

A sociedade onde operamos tem sofrido mudanças estruturais  importantes,  sendo em parte consideradas como fontes de progresso material. No entanto, a significação do trabalho tendeu para uma certa ambiguidade,  sendo ao mesmo tempo causa de satisfação e de sofrimento psicológico (Amiel 1985).

Os profissionais de saúde estão submetidos ao um stress crónico, enfrentando enormes exigências psicológicas devido à especificidade do seu trabalho, para além dos riscos profissionais resultantes da exposição aos factores ambientais.   As situações de contacto com a morte e o sofrimento poderão amplificar as repercussões para o indivíduo e para a organização, sob a forma do que actualmente se designa por “burnout”.

Assim, o síndroma de burnout revelou-se para nós interessante, nomeadamente nas suas repercussões no indivíduo e na sua performance organizacional, já que o conhecimento do comportamento de algumas variáveis relacionadas com este síndroma, poderá contribuir para um diagnostico organizacional mais adequado, de modo a promover uma intervenção eficaz na prevenção e tratamento de situações favorecedoras do síndroma.

Nesta perspectiva, e devido aos poucos estudos realizados em Portugal, o presente artigo propõe-se dar a conhecer a dimensão do síndroma na área de Oncologia, no grupo profissional dos enfermeiros ao nível de três serviços de oncologia (Oncologia Médica, Cirurgia e Radioterapia), e sua relação com a prestação de cuidados onde o contacto com o doente terminal é mais intenso.

Apesar de alguns autores privilegiarem a abordagem social, outros dão ênfase a aspectos relacionais como o empenhamento,  envolvimento, devoção a uma causa e especificidade do síndroma, sendo referidos em várias definições. Por exemplo, Freudenberger & Richelson (1980) definem burnout como “estado de fadiga ou frustração causado pela devoção a uma causa, modo de vida ou relacionamento que falhou na produção da recompensa esperada”. Pines & Aronson  (1988) acentuam o envolvimento, definindo-o  como  “(…) estado de exaustão física, emocional e mental causado por um grande período de envolvimento em situações emocionalmente exigentes”, caracterizando ainda a exaustão física como uma “quebra de energia, fadiga crónica e fraqueza”. Esta exaustão emocional envolve sentimentos de abandono, desespero, beco sem saída, e é caracterizada pelo desenvolvimento de atitudes negativas sobre si próprio e sobre a própria vida.

Também Pines (1993) apresenta uma definição vocacionada para a significação do trabalho “(…) quando uma pessoa tenta encontrar um significado na sua vida através do trabalho e sente que falhou, estará mais provavelmente mais exposta ao burnout.” Esta perspectiva existencial, considera que as pessoas necessitam de dar um significado às suas vidas e a falha nesse processo causa burnout. Não é a falha objectiva que causa o burnout mas sim o sentimento de que esse esforço é insignificante.  Assim, a origem do burnout reside no insucesso em encontrar um significado existencial; razão pela qual o burnout atinge pessoas com grandes objectivos e expectativas, tais como enfermeiros, gestores, professores do ensino primário, trabalhadores sociais e de saúde mental, etc. Todas estas profissões sugerem que quando os profissionais altamente motivados, vivenciam o trabalho como fonte de significado existencial e este falha, não atingindo os seus  objectivos, tornam-se mais susceptíveis ao burnout.

Também Gagon (1985) refere que os mais idealistas e os mais ambiciosos se encontram entre os sujeitos de alto risco, indicando alto risco para as profissões ditas “de ajuda”.

Pines (1993) resume da seguinte forma estes aspectos relacionados com o envolvimento, significação e motivação: ” se eu não me sinto devotado a uma causa, se trabalho com pessoas mas não me preocupo com elas, se não estou emocionalmente envolvido no trabalho, provavelmente não serei alvo de burnout; mas se, pelo contrário, estou empenhado no meu trabalho, emocionalmente envolvido e espero obter dele uma resposta existencial e sinto que falhei, serei provavelmente candidato ao burnout. O autor reforça ainda, com a seguinte frase ilustrativa do problema “Não é o trabalho actual com pessoas que me desgasta, pois esta foi a razão principal da escolha do meu trabalho, é a minha incapacidade de os ajudar que me causa burnout.”

Shirom (1989) considera que o interesse inicial pelo burnout ocorreu nas profissões de ajuda, como a enfermagem e os trabalhadores sociais. Estas profissões, em que o núcleo central do trabalho se situa nas relações humanas estabelecidas, conduzem a um aumento da tensão emocional crónica e esforço excessivo, devido ao contacto contínuo e exaustivo com outras pessoas.  Maslach (1993) na área da saúde, refere algumas situações bastantes stressantes, tais como trabalhar com doentes ditos “difíceis”, dar más notícias aos doentes ou à família, lidar com a morte; Gomes (1996), McIntyre (1994), e Vives (1994), constituem outros exemplos de investigações que resultam em conclusões semelhantes.

Kübler-Ross (1969) refere-nos que a equipa de enfermagem enfrenta alguns problemas, nomeadamente no carácter “contagioso” que podem ter algumas emoções dos doentes terminais.  Além disso, em Oncologia, este problema encontra-se amplificado pelo grande número de doentes terminais, despertando sentimentos do tipo “já não se pode fazer nada”, e originando grande stress.

Renée Sebag-Lanoe (1986) cita-nos um aspecto que revela bem o problema do contacto com o doente terminal: “(..) É o entrar pela manhã nas enfermarias e verificar nos seus rostos e olhares um sentimento de incerteza e angústia associado a uma esperança (…). Este confronto sistemático com a morte real gera um sentimento de insucesso e fracasso (Beth, 1985). Além disso, o profissional de enfermagem enfrenta a situação de deterioração física progressiva do doente com alterações da imagem corporal, que é geradora de grande sofrimento.

Também num estudo realizado em 1994 por Vieitas et al. (1995) na unidade de cuidados Paliativos/Radioterapia, no Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil do Porto, as autoras puderam comprovar alguns dos dados enumerados por Kübler-Ross (1969) constatando que a morte não é bem aceite pelos profissionais, já que o seu desempenho é essencialmente vocacionado para prolongar a vida.

Em face destas constatações entendeu-se como útil realizar uma investigação (Parreira, 1998) em que se pretendeu verificar se os enfermeiros que trabalham em serviços onde o contacto com o doente terminal é mais intenso e o índice de mortalidade é maior, apresentavam níveis de burnout mais elevados.

Método

Sujeitos e Procedimento

Realizou-se um estudo comparativo, utilizando a escala de Maslach Burnout Inventory (Maslach & Jackson, 1981a), e tendo como sujeitos a totalidade dos profissionais dos serviços (n=88) do Centro Regional de Oncologia de Coimbra, nos serviços de Oncologia Médica, Cirurgia e Radioterapia.   Estes serviços podem-se caracterizar da seguinte forma:

  • O Serviço de Cirurgia perspectiva a execução do maior número de cirurgias, com o objectivo de eliminar a lesão tumoral, diminuindo dentro do possível todas as complicações resultantes do tempo de espera a que os doentes estão sujeitos.

Os utentes apresentam-se em geral confiantes,  com uma visão positiva em termos de futuro, bom aspecto geral e auto suficientes nas suas actividades de vida diária.  De um modo geral não existem doentes terminais e o número de falecidos no ano de 1997 foi de 14.

Este Serviço apresenta o valor mais elevado no numero de doentes tratados, com uma demora média de 7.3 dias e uma taxa de ocupação destacada de 92.9% para uma lotação de 37 camas.

  • O Serviço de Radioterapia apresenta características diferentes do anterior, já que as radiações funcionam aqui como arma terapêutica de primeira linha, podendo anteceder uma intervenção cirúrgica ou, noutros casos, apenas promovendo a melhoria da qualidade de vida.

Neste Serviço, existe uma maior variedade  de estadios da doença, apresentando os doentes grande variedade de “estados emocionais”. As exigências psicológicas para quem presta cuidados a estes doentes parece ser superior às do serviço de Cirurgia, devido à debilidade e deterioração apresentada por alguns doentes, tendo o número de falecidos em 1997 sido de 11.

Os internamentos são bastante longos e programados com bastante antecedência, apresentando a maior demora média dos três Serviços, com 20.2 dias e uma taxa de ocupação de 66.5% para a lotação mais elevada de 49 camas.

* O Serviço de Oncologia Médica é constituído pelo serviços de Quimioterapia e Medicina Interna, com equipas médicas diferentes que ocupam, no entanto, o mesmo espaço físico.

O Serviço de Medicina Interna recebe doentes que apresentam uma situação clínica oncológica e perspectivam o diagnóstico clínico, de modo a proceder-se à instituição de um tratamento, não raramente quimioterápico.  São doentes frequentemente debilitados, necessitando de ajuda total. Este serviço apresentou, em 1997, uma demora média de 13.5 dias e  uma taxa de ocupação de 81.5%, para uma lotação de 6 camas.

O Serviço de Quimioterapia está vocacionado para o tratamento quimioterápico, em situações perfeitamente definidas em termos oncológicos, sendo realizado em regime de internamento devido à agressividade e riscos do tratamento, em termos de possíveis complicações.  Os doentes deste Serviço realizam os seus tratamentos de quimioterapia com o objectivo de diminuir a lesão existente, melhorando a sua qualidade de vida.  Na sua grande maioria são utentes que já foram operados, apresentando recidivas frequentes.

De uma maneira geral parecem estar  bastante mais consciencializados da sua situação, apresentando-se menos comunicativos, mais deprimidos e com um aspecto geral bastante mais debilitado. Verificou-se neste Serviço, em 1997, uma demora  média de 3.5 e com uma taxa de ocupação de 66%, para uma lotação de 27 camas.

O número de óbitos nestes dois serviços, em 1997, foi de 38.

A equipa de enfermagem, durante o internamento, mantém também um contacto bastante próximo e quase contínuo com estes doentes, pois o tipo de tratamento quimioterápico a que estes doentes estão sujeitos, conduz a uma permanência constante junto do doente. A permissão por parte do Serviço na permanência por períodos mais largos da família junto do doente, conduz também a uma maior solicitação destes profissionais.

Instrumento 

O instrumento utilizado foi constituído por três partes: a primeira visava a caracterização da população em termos de variáveis demográficas; a segunda, constituída por duas questões, foi apresentada numa escala tipo Likert, reportando-se acerca da satisfação com o trabalho e a percepção das relações na equipa.

A terceira parte foi constituída pelo questionário M.B.I. – Maslach Burnout Inventory (Maslach & Jackson, 1981a),  possibilitando a avaliação do burnout experimentado, através da avaliação dos três factores ali considerados: Exaustão Emocional (estar emocionalmente esgotado e exausto com o trabalho), Despersonalização (respostas impessoais e frieza para com os utentes) e Realização Pessoal (sentimentos a nível da competência e sucesso atingidos).

O  burnout foi conceptualizado como variável contínua, variando entre o nível baixo, médio e alto, de acordo com o normativo Norte-Americano. A escala é do tipo Likert, apresentando 7 opções de escolha.

Resultados 

Tendo a escala revelado boa consistência interna global (.816), procedeu-se à sua análise factorial.  Esta revelou-se de especial importância neste estudo, na medida em que se pode comprovar em que medida os factores teóricos estavam em concordância com os factores observados no estudo. Permitiu também evidenciar algumas das baixas correlações verificadas entre alguns itens da escala, o que abona em favor da validade de constructo.

Conforme indica a Tabela 1, o conjunto de factores (extraídos segundo o método dos componentes principais com pré-definição do número de factores (3), seguido de rotação varimax) explica 47% da variância.

Tabela 1- Pesos (loadings) de cada item em cada factores, e respectiva percentagem de variância explicada

Factores(% de variância explicada)
ItensE.E.(16.2)D.P.(15,7)R.P.(15.2)
1.82.272.025
2.72.172.132
3.74.081.039
6.54.426-.178
8.79.250-.199
20.51..33-.04
5.20.51.00
10-.13.64.01
11.35.60.07
13.30.64.10
14.24.61.05
16.30.64.04
22.30.61-.16
4.00-.14.64
7-.02-.09.59
9.27.24.44
12.17.33.60
17-.10.30.65
18-.06.31.77
19-.18.08.74
21.12-.05.53
15-.03.12-.25

Em face desta análise, procedeu-se ao ajustamento da escala, não considerando o item 15 na constituição dos factores e passando os itens 13, 14 e 16 para o factor Despersonalização, não alterando no entanto a designação desse factor.

Comparativamente com a escala original, verifica-se assim uma passagem dos itens 13 (“Sinto-me frustrado com o trabalho que realizo”), 14 (“Sinto que estou a trabalhar com demasiada pressão no meu trabalho”) e 16  (“Trabalhar directamente com pessoas faz-me sentir demasiado em stress”) do factor Exaustão Emocional para o factor Despersonalização. Esta alteração poder-se-á ficar a dever ao conteúdo das três questões que abordam aspectos relacionados com frustração, pressão e stress, referindo-se essencialmente a aspectos relacionados com despersonalização e não tanto à exaustão emocional. O factor despersonalização, comparativamente com o original proposto por Maslach (1986), sofre uma alteração devida ao abandono do item 15, como já foi anteriormente explicado, e pela entrada dos itens 13, 14 e 16.  O factor Realização Pessoal não sofre nenhuma alteração, pois revelou boas saturações na análise factorial, sendo o seu valor mais baixo de .44.

Após a eliminação do item 15, verificou-se uma ligeira subida da  consistência interna da escala para .83,  com valores na dimensão Exaustão Emocional de .83; Despersonalização, .79; e  Realização Pessoal, .78.

Com o intuito de avaliar a significância das diferenças entre os três serviços nos Factores Exaustão Emocional, Despersonalização e Realização Pessoal, procedeu-se à análise dos dados, mostrando-se os resultados na Tabela 2.

Tabela 2 – Análise de variância (ANOVA) com apresentação das médias nos factores por Serviço e no total, e respectiva significância da diferença. (n= 64).

FACTORES
ServiçosExaustão EmocionalDespersonalizaçãoRealização Pessoal
ONC. MÉDICA4.263.182.91
CIRURGIA2.531.922.66
RADIOTERAPIA3.982.422.47
TOTAL3.662.582.71
Sig..00.00.38

Teste de Scheffé:

No factor 1 “Exaustão Emocional”

  • O serviço de Oncologia Médica difere do serviço de  Cirurgia para p < .00
  • O serviço de Radioterapia. Difere do serviço de Cirurgia para p  < .00

No factor  2 “Despersonalização”

  • O serviço de Oncologia Médica difere do serviço de  Cirurgia para p < .00
  • O serviço de Oncologia Médica difere do serviço Radioterapia para p < .04

Conforme mostra a tabela, verificou-se existirem diferenças significativas para o factor Exaustão Emocional e Despersonalização, para um nível de significância de p<.00.  Assim, para o factor 1 – Exaustão Emocional, verificaram-se existir diferenças significativas entre o Serviço de Oncologia Médica e o Serviço de Cirurgia, assim como do Serviço de Radioterapia e o de Cirurgia, para um nível de significância de p<.00.  No factor 2 – Despersonalização, constataram-se diferenças significativas entre Oncologia Médica e Cirurgia, e entre Oncologia Médica e Radioterapia.  No factor 3 –  Realização Pessoal, não se verificaram diferenças significativas entre Serviços.

A influência das variáveis Idade, Tempo de Serviço e Tempo de Profissão foi também analisada, tendo-se efectuado uma regressão múltipla da “Idade”, “Tempo no Serviço” e “Tempo de Profissão” para o factor Exaustão Emocional, e para o  factor Despersonalização, possibilitando a obtenção da significância dos incrementos da variância explicada (R2), conforme expresso na Tabela 3.

Tabela 3. Valores dos coeficientes de regressão (B/ Beta) e da percentagem de variância explicada (R2) pelos preditores, “Idade”, “Tempo de Profissão” e “Tempo no “Serviço”, em cada factor.

FactorIdadeTempo profissãoTempo no serviço
R2BR2BR2B
Exaustão Emocional.00-.05.00-.04.01**.12
Despersonalização.08*-.29.06-.24.02-.15

* valores significativos para p < .03  ** valores significativos para p< .01

Constata-se na tabela, que a “Idade” é responsável por 8% da variância explicada para o factor “Despersonalização”, assim como o “Tempo no serviço” explica 1% da variância para o factor “Exaustão emocional”.  A variável “Tempo de Profissão” não parece ser significativamente responsável pela variância dos factores referidos.

Tabela 4 –  Incrementos da variância explicada (R2) pela “Idade”, por “Serviço”, no factor “Despersonalização”, e respectivos valores do coeficiente de regressão standartizados  (B).

Oncologia MedicaCirurgiaRadioterapia
FactorR2BR2BR2B
Despersonalização.27-.52.16.40.05-.22
Sig..01.09.37

Verifica-se na tabela, que no Serviço de Oncologia Médica a variável “Idade” explica 27% da variância no factor “Despersonalização”, sendo significativo para um nível de significância de (.01) o mesmo não acontecendo nos outros Serviços.

A variável “Filhos” também foi analisada, verificando-se existirem diferenças significativas no factor “Despersonalização”, consoante terem ou não filhos, para um nível de significância de .03. Os respondentes que têm filhos apresentaram valores médios mais baixos do que aqueles que não têm.  Os indivíduos casados apresentam valores mais baixos no factor “Exaustão Emocional”, relativamente aos solteiros, mantendo-se esta tendência nos outros dois factores; no entanto, essas diferenças não se revelaram significativas, assim como relativamente à categoria profissional, também analisada.

Discussão e Conclusões 

Pretendia-se com este estudo, analisar em que medida o contacto mais intenso com o doente terminal e a morte influenciavam o desenvolvimento de níveis mais elevados de burnout.

A análise de variância evidenciou a existência de diferenças significativas entre os Serviços, para o factor  “Exaustão emocional” e “Despersonalização”, o mesmo não se verificando para o factor “Realização pessoal”.

O serviço de Oncologia Médica evidenciou-se, apresentando o valor mais elevado para o factor “Exaustão emocional”.  No entanto, essas diferenças não foram significativas relativamente ao serviço de Radioterapia. Novamente, o Serviço de Oncologia voltou a evidenciar-se, apresentando o valor mais elevado para o factor  “Despersonalização”, denotando diferenças significativas com os outros dois Serviços – Cirurgia e Radioterapia – respectivamente.

Pela apresentação destes resultados, o Serviço de Oncologia Médica foi aquele que experimentou mais burnout, como formulado inicialmente na hipótese de trabalho.

As evidências demonstradas  nos valores obtidos, conjugados com os índices de mortalidade nos três serviços, respectivamente, Oncologia Médica – 38 óbitos (60% do total); Cirurgia -14 óbitos ( 22% do total) e Radioterapia -11 óbitos (17% do total); assim como a maior incidência de doentes terminais no Serviço de  Oncologia Médica, estão de acordo com Gomes (1996). Este autor   refere-se à alta morbilidade e mortalidade assim como o ter de lidar com situações desfigurantes e/ou debilitantes e situações terminais, como sendo aspectos muito específicos, considerados bastante agressivos para a equipa terapêutica.

Assim, os valores altos no nível de burnout no Serviço de Oncologia Médica, parecem dever-se ao contacto mais intenso com a doença terminal e morte.

Apesar de se terem constatado demoras médias de internamento bastante mais baixas do que nos outros Serviços, estabelece-se no entanto um conhecimento e relacionamento frequente e intenso com os doentes, causado pelos variadíssimos internamentos e acompanhamento destes por vários meses e por vezes anos, propiciando o contacto directo com o sofrimento, morte e  degradação do ser humano.  Esta descrição, vivida diariamente pelos enfermeiros do Serviço de Oncologia Médica, é concordante com os resultados mais expressivos nos valores dos três factores, respectivamente “Exaustão Emocional”, “Despersonalização” e  baixa  na “Realização Pessoal”.

No Serviço de Radioterapia também se observaram valores elevados nos factores “Exaustão Emocional” , “Despersonalização” e baixa “Realização Pessoal”.  Apesar dos índices de mortalidade serem menos elevados que no Serviço de Oncologia Médica, existe também um contacto com diferentes estadios da doença Oncológica e doença terminal, podendo explicar o facto de não se terem encontrado diferenças significativas no factor “Exaustão emocional” entre o Serviço de Oncologia Médica e o Serviço de Radioterapia.

Os valores elevados nos factores “Exaustão Emocional” e “Despersonalização”,  também poderão ser explicados pela maior demora média de internamento observada, relativamente aos outros dois Serviços, conduzindo a uma maior permanência dos doentes no Serviço, propiciando o estabelecimento de uma relação temporal mais intensa com os profissionais de saúde.

O Serviço de Cirurgia, foi aquele que apresentou valores mais baixos nos factores “Exaustão Emocional” e “Despersonalização”.  Apesar de apresentar características bastante diferentes dos anteriores, já que os doentes apresentam um bom estado geral, ocorrem naturalmente situações geradoras de ansiedade por parte do doente e família, nomeadamente na solicitação constante dos técnicos de saúde para a prestação de esclarecimentos, relativos ao diagnóstico e prognóstico da doença, repercutindo-se inevitavelmente na equipa de enfermagem.  Esta, por vezes, não tem respostas concretas para as várias questões apresentadas,  exibindo também dificuldade em lidar com as famílias – facto este que pode explicar parcialmente o nível alto de burnout experienciado. Gray-Toft & Anderson (1981) evidenciam estes aspectos, referindo-se ao sentimento de preparação inadequada para lidar com as exigências emocionais dos doentes e suas famílias (citado por McIntyre 1994), como fonte de stress ocupacional.

Apesar do Serviço de Cirurgia apresentar igual número de enfermeiros, a maior taxa de ocupação, o maior número de dias de internamento e valores intermédios na lotação,  taxas de mortalidade e nas demoras médias de internamento, relativamente aos outros dois Serviços, os resultados não parecem ser condicionados por estas variáveis. Também apesar das demoras médias de internamento serem intermédias relativamente aos outros dois Serviços, propiciando o estabelecimento de relações interpessoais com os doentes, este facto não parece ter relevância na tradução de valores tão elevados como nos outros Serviços relativamente aos factores. O menor nível de burnout parece sim dever-se ao facto de não se encontrarem neste Serviço doentes terminais.

Estes dados conduzem a ilacções significativas na área da gestão de pessoal, tendo em consideração os níveis de burnout experienciado pelos profissionais de prestação de ajuda.

Paralelamente à investigação, ficam em aberto alguns aspectos importantes no que respeita à escala de M.B.I.  Relativamente à constituição dos factores, abrem-se perspectivas futuras de investigação, de modo a possibilitar a adaptação da escala da Maslach Burnout Inventory à população Portuguesa. Também a  diferenciação do comportamento do factor “Realização pessoal” em relação ao factor  “Exaustão emocional” e  “Despersonalização”, abre novas perspectivas  na  abordagem da  conceptualização e mensuração do burnout como fenómeno essencialmente representado pelas suas dimensões principais: exaustão emocional e despersonalização. Será no entanto necessário efectuar mais estudos na área Oncológica, de modo a verificar a importância do factor “Realização pessoal” no fenómeno de burnout.

REFERÊNCIAS:

  • Amiel, (1985) Psychopathologie du malmenage professionnel et considérations sur la prévention des maladaptations. Annales Médico – Psychologiques, 143 (8),729-751.

  • Beth, B. (1985) . L’Accompagnement du mourant en milieu hospitalier, préface du zitoun, R. Paris: Doin.

  • Freudenberguer, H. J., & Richelson, G. (1980). Burnout: The high cost of high achivement. Garden City, NY: Doubleday.

  • Gagon, A. (1985). Burn-out institutionnel. Annales Médico Psychologiques, 143 (7), 646 – 651.

  • Gomes, A. M. J. C. (1996). Os profissionais de saúde perante a doença grave. Psiquiatria clínica, 17 (3), 209-211.

  • Kübler-Ross, E. (1969). On death and dying. New york: Macmillan.

  • Maslach, C. (1993). Burnout: A Multidimensional Perspective. In W. B. Schaufeli, C. Maslach, & T. Marck (Eds.), Professional Burnout: Recent Developments in Theory and Research (pp. 19-32). Washington: Taylor & Francis.

  • Maslach, C., & Jackson, S. E. (1981 a). Maslach Burnout Inventory. Palo Alto, CA: Consulting Psychologists Press.

  • Mcintyre, T. M. (1994). Stress e os Profissionais de Saúde: Os que tratam Também Sofrem. Análise Psicológica, 2-3 (XII), 193-200.

  • Pines, A. M. (1993). In W. B. Schaufeli, C. Maslach, & T. Marck (Eds.), Professional Burnout: Recent Developments in Theory and Research (pp. 33-51). Washington: Taylor & Francis.

  • Pines, A. M., & Aronson, E. (1988) Career burnout: Causes and cures. New York: Free Press.

  • Sebag -Lanoe, R., et al (1986). Mourir accompagné. Desclée de Brouwer.

  • Shirom, A. (1989). Burnout in  work organizations. In C. Cooper & I. Robertson (Eds), International Review of Industrial and Organizational Psychology (pp. 25-48). New York: John Willey & Sons.

  • Vieitas, M. P., et al (1995). Intervenção Psicológica num Serviço de Oncologia. In Mcintyre, T. M.; Vila-chã, C.,  O sofrimento do doente: Leituras Multidisciplinares: editores Associação dos Psicólogos Portugueses.

  • Vives, J. F. (1994). Respuesta Emocional al Estrés Laboral. Revista Rol De Enfermería, 186, 31-39.