Início Artigos de Autor Constituirá sempre a vida a solução? Decisão de não reanimar(DNR)

Constituirá sempre a vida a solução? Decisão de não reanimar(DNR)

185
0
Artigos de Autor

Atualmente, com os avanços da tecnociência, temos assistido a uma desumanização da morte, fazendo de tudo para a evitar.

No quadro de uma doença irreversível e terminal, as Ordens de Não-Reanimar são eticamente legítimas se as manobras de reanimação propostas forem interpretadas como uma intervenção desproporcionada.

Nunes, 2008, cit in França, Rego e Nunes, 2010, p. 470

Resumo: Atualmente, com os avanços da tecnociência, temos assistido a uma desumanização da morte, fazendo de tudo para a evitar. Foi nesta medida que surgiu, em 1974, a Decisão de Não Reanimar (DNR), que consiste numa ordem tomada pelo médico para não iniciar manobras de ressuscitação em indivíduos que sofreram uma Paragem Cardiorrespiratória (PCR). Esta ordem é tomada tendo em consideração diversos fatores e a opinião de diferentes pessoas, como o próprio doente, família e opinião dos restantes profissionais de saúde que prestam cuidados diretamente ao doente. Não obstante, esta decisão é complexa e problemática, na medida em que não existem guidelines que auxiliem a tomada de decisão, o que levanta inúmeros dilemas éticos aos profissionais de saúde.

Como metodologia utilizada procedeu-se a uma revisão da literatura em bases de dados científicas e manuais técnicos da área da saúde. Os descritores utilizados foram “Decisão de Não Reanimar”, “Ordem para Não Reanimar”, “Cuidados no final de vida” e “Cuidados ao doente terminal”.

Palavras – Chave: Obstinação terapêutica, distanásia, Decisão de Não Reanimar e Ordem de não Reanimar

Marco Pinto

Aluno do 4.º Ano do Curso de Licenciatura em Enfermagem. Escola Superior de Enfermagem do Porto.

E-mail: pinto.marcoac@gmail.com

 

A

 morte é a única certeza da vida do Ser Humano, e constitui um acontecimento que perturba as pessoas, na medida em que representa o desconhecido e recorda a sua finitude. Tal como afirma Almeida (1997, p. 47) se nascer e viver foi o privilégio de apenas alguns biliões de seres humanos, morrer é a certeza de todos quantos nasceram. Uma vez nascidas, todas as criaturas têm uma probabilidade de morrer de 100% (cit in Pacheco, in Ordem dos Enfermeiros, 2006, p. 31)

Atualmente, com os avanços científicos e tecnológicos no âmbito das ciências biomédicas, assistimos a alterações marcadas no modo como as pessoas vivenciam, experienciam e encaram a morte. Mesmo os hospitais, na sua estrutura física, estão particularmente dirigidos para a evolução tecnológica com o intuito de tratar ativamente a doença (França, Rego e Nunes, 2010, p. 470). É neste sentido que, o que há alguns anos constituía um obstáculo à vida, atualmente é considerado uma facilidade. Consequentemente, os profissionais de saúde sentem-se capazes de fazer tudo, não reconhecendo o limite (França, 2011, p. 35), surgindo a obstinação terapêutica (OT). A obstinação terapêutica é considerada como o emprego ou a manutenção de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, sem que exista eficácia comprovada para evolução positiva e melhoramento das condições dos pacientes, seja em termos de sobrevida ou de qualidade de vida (Urban, Bardoe e Silva, 2003, cit in França, 2011, p. 34). Deste modo, está-se a prolongar o sofrimento do doente e a despender de meios técnicos úteis para outros doentes. Tal prática contraria os princípios bioéticos pela qual os profissionais de saúde se deviam orientar na sua prestação de cuidados (princípios do respeito pela autonomia, beneficência, não maleficência e justiça). Ao abordar o tema da OT aborda-se simultaneamente a distanásia, medida pela qual se prolonga o processo de morrer. A distanásia consiste em atrasar o mais possível o momento da morte usando todos os meios […], ainda que não haja esperança alguma de cura, e ainda que isso signifique infligir ao moribundo sofrimentos adicionais e que, obviamente, não conseguirão afastar a inevitável morte, mas apenas atrasá-la umas horas ou uns dias em condições deploráveis para o enfermo (França, 2011, p. 55).

De modo a evitar a OT e promover o respeito pela autonomia do doente e da família (Urban, Bardoe e Silva, 2003, cit in França, 2011, p. 58), a Comissão de Cuidados Intensivos do Hospital Geral de Massachussets, em 1970, definiu o conceito DNR, que foi concluído em 1974 com a proposta de uma política de DNR, pela Associação Americana de Cardiologia (cit in Almeida, 2009, p. 12).

A DNR é uma ordem escrita pelo médico, na qual dá indicação para não realizar reanimação a um doente que sofre paragem cardíaca ou respiratória (França, 2011, p. 57), e deve ter em foco três aspetos fundamentais: o primeiro reporta-se à futilidade da Reanimação Cardiopulmonar (RCP), i.e., ter diminutas probabilidades de ser eficaz; o segundo está direcionado para a decisão do doente, se for previamente conhecida; o terceiro deve ter em consideração a qualidade de vida do doente quando a reanimação é bem-sucedida (Morais, 2003, p. 53).

A tomada de decisão da DNR é uma problemática que levanta muitas interrogações e divergências. Pois, se por um lado, não existe um momento convencionado para esta decisão, por outro não existem critérios específicos e padronizados para tomar a decisão.

A DNR deve ser tomada no momento em que o doente se encontra em fase terminal, na qual é determinada por conhecimentos científicos e exames complementares que validem a previsibilidade e inevitabilidade da morte (Palm e Filho, cit in França, 2011, p. 62). Não obstante, existem situações específicas e concretas na qual a DNR está indicada, tais como, quando é expressa previamente a vontade do doente em não querer ser reanimado e quando existe uma elevada probabilidade de o doente não sobreviver, mesmo se forem aplicadas as manobras de reanimação (European Ressuscitation Council, 2006, cit in Almeida, 2009, p. 12).

Relativamente aos fatores que influenciam a DNR, após a leitura e análise da bibliografia documentada, verifica-se que a idade do doente constitui o fator mais apontado, pois aceita-se mais facilmente a morte de um idoso do que a de um jovem, o que reflete os atuais valores da sociedade. Por outro lado, a idade mais avançada está associada a uma diminuição da reserva funcional e maior prevalência de co-morbilidades, o que implica uma menor capacidade de recuperação no caso de PCR (Mendes et al, 2009, p. 138). Outros aspetos a ter em consideração na DNR são a vontade do doente e da família, a situação clínica do doente, o prognóstico da doença terminal e a quantidade de recursos disponíveis. Tendo em conta que o doente é o pilar da DNR, a sua decisão deve ser conhecida e respeitada (princípio da autonomia), desde que a mesma não se oponha à autonomia do profissional de saúde (França, 2011, p. 65). Num estudo sobre os Fatores Associados À Decisão de não Reanimar, concluiu-se que a presença de co-morbilidades (e.g. presença de neoplasias) e a ausência de intervenções em curso aquando da chegada da equipa de Reanimação Intra-Hospitalar (RIH) (nomeadamente presença de acesso venoso, medicação em curso, realização de entubação endotraqueal) eram fatores consideráveis na decisão (Mendes et al, 2009, p. 136).

No que diz respeito à figura que toma a decisão, Araújo e Araújo (2001) advogam que a decisão de não reanimar caberá sempre a um médico qualificado pela carreira médica e pelos seus conhecimentos sobre o doente crítico após análise e discussão com outros membros da equipa (cit in França, Rego e Nunes, 2010, p. 471). Por outro lado, tal como afirma Mendes et al (2009, p. 133) a decisão também pode ser tomada pelas Equipas de Emergência Médica (EEM), isoladamente, ou em conjunto com o médico assistente. Note-se que a decisão não deve ser tomada unilateralmente pelo médico, pelo que deve envolver, primeiramente, a participação do doente e, a priori, da família e da restante equipa multidisciplinar. No que diz respeito à participação dos enfermeiros, Saraiva (2007) defende que provavelmente eles consideram que mais do que poder, devem participar nessa tomada de decisão, porque durante as 24 horas de um dia, enfermeiro e doente relacionam-se de uma forma íntima e próxima, o que os pode levar a sentir que embora legalmente não possam prescrever, devem eticamente serem ouvidos (cit in França, 2011, p. 71).

Por último, após a tomada da DNR, esta deve ficar documentada no processo clínico do doente, conjuntamente com as razões que levaram à decisão e a informação sobre a discussão com os familiares e/ou doentes (Centro Regional de Oncologia do Porto, 2006, cit in França, 2011, p. 73). O registo da DNR é tão importante como a sua tomada de decisão, na medida em que estes dois aspetos complementam-se e permitem que todos os profissionais trabalhem unanimemente (Santos, 2004, cit in França, 2011, p. 73). É imperioso que a DNR seja diariamente renovada, documentada e justificada (Urban, Bardoe e Silva, 2003, cit in França, Rego e Nunes, 2010, p. 471). De acordo com os mesmos autores, a DNR é apenas uma orientação e não uma decisão final. Para além de ser indispensável a sua documentação no processo clínico, a DNR tem de ser do conhecimento de toda a equipa que cuida diretamente do doente, bem como do doente e da família (França, 2011, p. 75).

A figura que se segue sintetiza a informação anteriormente descrita.

dnr

Bibliografia

ALMEIDA, Gisela Patrícia Duarte de Almeida – Direitos Humanos em Fim de Vida: Decisão de Não Reanimar. Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2009. Dissertação de Pós-Graduação.

CRUZ, Manuel Jorge Santos da Silva – O conceito de morte cerebral numa perspetiva ética. Porto: Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, 2003. Tese de Mestrado.

FRANÇA, Daniela Clara Silva – Ordem de Não reanimar no Doente Terminal: Dilemas Éticos dos Enfermeiros. Porto: Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, 2011. Tese de Mestrado.

FRANÇA, Daniela; REGO, Guilhermina; NUNES, Rui – Ordem de não reanimar o doente terminal: Dilemas éticos dos enfermeiros. Revista de Bioética. Vol. 18, n.º 2 (2010), p. 469 – 81.

MENDES, António [et al] – Paragem Cardíaca Intra-Hospitalar: Fatores Associados à Decisão de não Reanimar; O Impacto da Emergência Intra-Hospitalar Organizada. Revista Portuguesa de Cardiologia. Vol. 28, n.º 2 (Fevereiro 2009), p. 131-141.

MORAIS, Maria Alzira do Vale Martins – A dignidade do doente em cuidados intensivos: Questões éticas subjacentes. Porto: Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, 2003. Tese de Mestrado.

NUNES, Rui – Guidelines sobre suspensão e abstenção de tratamentos em doentes terminais [Em linha]. Porto: Serviço de Bioética e ética Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, 2008. [Consult. 24 setembro 2013]. Disponível em: WWW: <http://www.apbioetica.org/fotos/gca/12802541901211800343guidelines_p_11_apb_08.pdf >

 

ORDEM DOS ENFERMEIROS: Final de Vida – VI Seminário do Conselho Jurisdicional. Lisboa, 2006, n.º 20. ISSN: 1646-2629

PACHECO, Susana – Cuidar da Pessoa em Fase Terminal: Perspetiva Ética. 1.ª Edição. Loures: Lusociência, 2002.

Imagem disponível em: WWW: <http://www.confessionsoftheprofessions.com/uploads/2013/05/0407-in-case-oe-1561-emergency-room.jpg>