Por vezes o simples dizer a uma criança que se pode sentar na perna plégica do avô pode ser uma intervenção que faz face a uma enorme complexidade diagnóstica de identificação do problema.
Reabilidades: Um Percurso Transdisciplinar
Congresso de Reabilitação da Escola Superior de Enfermagem do Porto
25 e 26 de Janeiro de 2008
Decorreu no Edifício S. João da Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP), em 25 e 26 de Janeiro de 2008, o REABILIDADES: Um Percurso transdisciplinar – Congresso de Reabilitação da ESEP.
Quis este Congresso abordar o processo de reabilitação sob o ponto de vista da interacção dos papéis dos diferentes profissionais de saúde nele envolvidos. E a prova dessa intenção ficou bem patente no discurso proferido na sessão de encerramento, onde se resume o desenrolar do Congresso e cujo conteúdo se transcreve de seguida: “Durante estes 2 dias tentámos abordar a Reabilitação como um processo que abrange vários actores profissionais, onde cada um deles dá seu contributo, contributo esse que pode ser mais ou menos específico ou mais ou menos sobreponível. E foi precisamente neste ponto que tentámos realçar neste Congresso: se queremos um óptimo processo de Reabilitação, temos que ter a perfeita noção do nosso lugar dentro da equipa que reabilita e que se quer transdisciplinar. |
[25 de Janeiro de 2008]
Começamos assim com a questão delicada das competências dos Enfermeiros de Reabilitação e o seu Enquadramento (ou desenquadramento) legal. Ficou ainda um conceito-chave: não podemos estar à espera da legislação para contribuir com tudo o que podemos contribuir para o processo de reabilitação de determinada pessoa.
E isso levou-nos à apresentação de que a transdisciplinaridade entre 2 grupos profissionais com uma área de actuação com clara sobreposição de algumas competências (enfermeiro de reab e FT) é possível e mais!: resulta e optimiza o processo de reabilitação. Contudo, ficou claro algo fundamental: um funcionamento transdisciplinar de uma equipa de saúde não se faz de um dia para o outro e só se atinge se houver um esforço efectivo por parte dos actores que dela fazem parte.
Deixámos depois a noção de que os cuidados que actualmente se prestam à família estão ainda muito longe de atingir o seu real potencial . E não deixa de ser incrível que por vezes o simples dizer a uma criança que se pode sentar na perna plégica do avô pode ser uma intervenção que faz face a uma enorme complexidade diagnóstica de identificação do problema. E é para este nível de cuidados que queremos evoluir.
Continuando na área da reflexão sobre a família e os estereótipos de cuidados de saúde e de cuidados de enfermagem falámos da intervenção do Enfermeiro de Reabilitação nos Cuidados de Saúde Primários. E ficou o exemplo e a lição de que um verdadeiro processo de reabilitação adequado à pessoa reabilitada passa pela inserção e contextualização do primeiro no ambiente familiar e domiciliar do segundo. E isto é fundamental.
Fundamental até pelo facto de ser impossível identificar as barreiras arquitectónicas que existem no domicílio da pessoa reabilitada sem ir lá ver quais são! Por outro lado, e concomitantemente à avaliação dessas mesmas barreiras, há que ter sempre o cuidado de não ter a prepotência de pensar que nós, profissionais de saúde, sabemos o que a pessoa reabilitada quer ou que ela nos deve obediência por sermos profissionais de saúde. Foi deixado este o testemunho.
Foi também aqui dito e muito bem dito que a intervenção domiciliária integrada no processo de reabilitação não é competência exclusiva dos profissionais ligados aos denominados Cuidados de Saúde Primários. Também em ambiente de cuidados hospitalares a avaliação das condições habitacionais e sociais da pessoa reabilitada é um dever dos profissionais de saúde. E para quem está neste momento a pensar “No meu hospital não deixam fazer isso”, ficou o exemplo de uma unidade de internamento, onde os profissionais batalharam até conseguirem evidenciar a extrema importância da visita domiciliária para a qualidade dos cuidados prestados. Não o conseguiram da noite para o dia, mas não baixaram os braços face às dificuldades que tiveram de enfrentar.
E por falar em dificuldades, assistimos à firmeza e sabedoria de colocar o processo de reabilitação à frente de imperativos legais por vezes descabidos e auto-limitativos. No entanto, que fique a noção clara que este tipo de ousadia teve por base um profundo conhecimento da lei contestada e esta é mais uma lição que fica: para criticar algo é preciso primeiro conhecer bem o que estamos a criticar.
E por falar em criticar sem conhecer, presenciámos a ligação entre as denominadas terapias alternativas e o processo de Reabilitação, de onde evidencio uma noção que deve ficar muito clara: é preciso saber para inovar e é preciso ter a humildade de reconhecer quando não temos capacidade para resolver algo. Se encararmos desta forma as terapias alternativas, conseguiremos sem dúvida ver nelas um recurso poderoso na consecução de um processo de reabilitação eficiente.
[26 de Janeiro de 2008]
Já hoje de manhã, ouvimos o testemunho de alguém que vivenciou uma alteração corporal cuja magnitude só pode ser compreendida por quem a experiência.
E tal como foi dito no testemunho, foi nessas pessoas que uma profissional de saúde que supostamente dominava a patologia neoplásica mamária procurou informação acerca de como lidar com a sua nova condição de saúde.
Fica a mensagem de que não é apenas o conhecimento que habilita para o cuidar e este facto merece sem dúvida que a investigação lhe dê total atenção.
Investigação essa que viu a sua pertinência, utilidade e, porque não, beleza ser evidenciada num estudo com 50 alunos onde se esboçou algo há muito desejado: tentar identificar o que fazem, como fazem e porque fazem os enfermeiros de reabilitação.
E será através deste conhecimento trazido pela investigação que conseguiremos adequar os actuais sistemas de informação que invadem os nossos espaços profissionais ao que necessitamos para conseguir evidenciar os ganhos em saúde que são directamente produzidos pelos cuidados de enfermagem / cuidados de reabilitação transdisciplinares. E esta não é uma tarefa dos chamados teóricos da enfermagem mas sim de todos nós, porque somos nós que cuidamos das pessoas, ou seja, somos nós que produzimos esses ganhos em saúde.
E para produzir ganhos em saúde há que adequar as estruturas prestadoras de cuidados às necessidades específicas da pessoa que é cuidada. É isto que, em potencial, é a rede e cuidados continuados. Digo em potencial porque as coisas ainda não funcionam bem e sabemos disso… mas é também nossa função fazer com que melhorem.
Assistimos ainda à abordagem de uma actividade de vida que é muito falada pelos enfermeiros mas por vezes pouco cuidada: a eliminação, mais especificamente a eliminação vesical. Ficou bem patente que é possível optimizar a autonomia da pessoa com disfunção vesical, numa clara afirmação de que a reabilitação vale a pena, mesmo que seja em aspectos que por vezes nos pareçam secundários – pelo menos é isso que por vezes os cuidados de saúde deixam transparecer.
Outro perfeito exemplo de que o processo de reabilitação não se evidencia apenas pela recuperação das plegias ou pelos ensinos de transferências, foi a evidência clínica de que as alterações que induzem perturbações a nível sexual podem ser tratadas, ou seja, também neste aspecto a pessoa pode ser reabilitada – aliás, já ontem tínhamos tido testemunho disso.
E na continuação da quebra de estereótipos, afirmámos que uma perturbação cardíaca mais ou menos grave não implica a redução da actividade funcional para um nível quase basal… Através de reabilitação específica, é possível avaliar e contornar as deficiências cardíacas, de forma a que a pessoa recupere o máximo do seu potencial.
Por fim tivemos uma breve abordagem da terapia floral.
O Reabilidades foi ainda complementado com 6 workshops, os quais abordaram as áreas da cinesiterapia, AVC, ventilação não-invasiva, orto-traumatologia, estudos urodinâmcos e bexigas neurigénicas.
Este Congresso contou com 35 palestrantes e 203 pessoas inscritas.”