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Como escolher os melhores?

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Estou convencido, perdoem-me a ironia, que se o Sr. Bastonário (cujo CV é público e apreciável) se participasse num destes “concursos” que por aí se realizam (alterando o nome, claro está), talvez tivesse dificuldade em ser seleccionado.

Enquanto andávamos a apanhar sol no mês de Agosto, foi noticiado que o filho de Durão Barroso foi convidado para trabalhar no Banco de Portugal. Não conheço o seu CV mas parece-me evidente que ganharíamos todos se a selecção para um cargo destes fosse feita com base num concurso com regras claras.
E na Enfermagem? Como se processa o recrutamento? Existe Nepotismo?
Imaginem dois gémeos que se licenciaram em Enfermagem numa escola de Coimbra. Acabaram o curso com notas muito idênticas. Um, trabalha hoje num hospital público. O outro, até ao momento, não sabe porque não teve igual sorte…
Para mim, há aspectos relativos à contratação de enfermeiros que carecem de urgente definição: não faz sentido misturar no mesmo concurso enfermeiros especialistas com enfermeiros generalistas; também não é razoável que haja uma discriminação entre especialidades (por exemplo, no concurso para a ARS do Norte, as especialidades não tinham todas o mesmo coeficiente de ponderação); não se percebe que nos concursos que têm sido divulgados, não existam vagas para recém formados – como queremos que os nossos colegas saídos das escolas adquiram experiência?!
Há critérios de selecção em torno dos quais existe algum consenso:
– média obtida durante o curso;
– tempo de exercício profissional;
– idade;
– nota da pós graduação (ou outro curso similar);
– nota da especialidade;
– detenção de mestrado e/ou doutoramento;
– formação em serviço (como formando e como formador);
– artigos publicados;
– posteres;
– participação em congressos (como orador, moderador ou participante);
– acompanhamento de alunos;
Como é fácil de perceber, dependendo do arranjo (ponderação) que dermos a cada um destes itens, o mesmo candidato pode obter um boa classificação num concurso, mas poderá ficar nos lugares finais da lista num outro concurso.
Por exemplo, a nota do curso deve ser contabilizada sob a forma de intervalos ou em função do valor obtido? No caso das formações em serviço, valem o mesmo dois candidatos, em que um tem 10 formações e o outro tem 20 (por via da existência de um tecto neste item)?
Relativamente às especialidades não há dúvidas quanto àquilo a que se destinam (cuidados de Enfermagem diferenciados numa determinada área). Mas vejamos o caso das pós graduações: é urgente balizar quais são os cursos que podem ser uma mais-valia caso eu pretenda vir a trabalhar num serviço A ou B (para que cada enfermeiro possa direccionar a sua carreira). O mesmo se aplica em relação à experiência profissional: eu posso ter 20 anos de experiência numa dada área e estar a candidatar-me a outra completamente diferente. No caso das formações em serviço, é necessário definir-se um padrão para este tipo de eventos: duração de 1 hora? 2 horas? Em que moldes devem ser feitas? Quanto à publicação de artigos, também seria útil perceber quais são as publicações que serão tidas em conta. A questão da idade do candidato remete-nos para o seguinte cenário: admitamos que um hospital encerra um serviço. No limite, esses 20 – 30 enfermeiros vão para a rua. Julgo que faz sentido que um colega com 20 anos de experiência tenha alguma “vantagem” no regresso ao trabalho, quando comparado com um colega que exerce há 10 anos.
Como se vê, o assunto é demasiado sério e complexo, e custa a perceber como é que tardam sinais animadores neste domínio. A maioria dos colegas com quem lido no dia-a-dia (à semelhança do que se lê diariamente nas redes sociais) transmite um enorme descontentamento face à profissão, resultante, entre outras coisas, do magro salário que levamos para casa no final do mês. Como é evidente, eu comungo dessas preocupações, mas não posso ficar indiferente em relação à questão do recrutamento de enfermeiros. Da parte dos sindicatos temos ouvido um apelo aos governantes para que se realizem concursos para admissão de enfermeiros. Penso que a Ordem poderia ter aqui um papel mais activo: por um lado, uma vez que os sindicatos estão num braço de ferro com o Governo por causa das questões da carreira (salariais), seria inteligente que a OE soubesse marcar uma posição nesta matéria. Também não nos podemos esquecer que os sindicatos nem sequer “entram” em muitas instituições privadas. Significa que o papel da OE pode e deve ser mais abrangente: o apelo à meritocracia e à igualdade de oportunidades não pode apenas ser uma exigência para o sector público. O desemprego é (imagino que seja) uma experiência altamente negativa. Mas pior que isso, é não ter perspectivas de regresso ao trabalho. Muitos de nós, se perdêssemos o emprego amanhã, não teríamos outra alternativa de regresso ao trabalho, a não ser no estrangeiro!
Há alguns critérios, em relação aos quais em tenho uma certa desconfiança: preferência regional – eu posso morar relativamente perto de um hospital que pertence a um distrito que não o meu; o mesmo se aplica em relação à vantagem para os alunos da escola X ou Y – para que esse critério fosse aceitável, cada escola teria de ter um conjunto de instituições que “absorvessem” os seus alunos (ou uma boa parte deles); sabemos, também, que existem escolas que pagam (!) a algumas instituições para receberem os seus alunos em estágio – ora, estamos perante uma clara concorrência desleal, além de que, mais tarde, esses alunos que estagiaram na instituição Z acabam por ter vantagem face a outros que lá não realizaram o estágio (há até casos, em que alunos da mesma escola, e da mesma turma, são alvo de discriminação…);
Quando iniciei funções, muitos hospitais da capital admitiram enfermeiros do norte do país. Era isso ou não tinham enfermeiros. Hoje, o cenário mudou. Parece que quem é do norte tem má pontuação… Estamos, portanto, perante uma clara violação da igualdade de oportunidades. O que os hospitais há muito já deviam ter feito, e eu aí concordo, era uma “cláusula” de salvaguarda: damos-lhe emprego mas não é para ir embora daí a 6 meses (creio que ano e meio a 2 anos seria um período razoável).
Tenho algumas reservas em relação à entrevista. A sua aplicação faz sentido quando temos meia dúzia de candidatos para um lugar (é um pouco como ter de escolher entre o Messi ou Cristiano Ronaldo). Ora, o recrutamento de enfermeiros pode (e deve) ser mais ágil. Aliás, não se percebe porque é que o júri nessas entrevistas é constituído por pessoas apenas daquela instituição. Como pode um elemento de um júri, avaliar um enfermeiro da área da saúde materna, se ele é especialista em saúde mental? Há uns anos, num hospital do Norte, fizeram-se entrevistas aos candidatos durante semanas… Acho que dá para perceber o (não) rigor desse processo de selecção… Avaliar quanto vale um enfermeiro numa entrevista de 10 ou 20 minutos é um disparate. Aliás, o código de trabalho determina um período experimental de actividade antes do vínculo efectivo do trabalhador à instituição. Não será essa a opção mais razoável?
Fico algo preocupado quando leio que o candidato deve ter cuidado com a sua apresentação pessoal. Por outro lado, se acreditamos no potencial da entrevista, é estranho que não exijamos a sua aplicação como critério de admissão ao curso de Enfermagem. Até parece uma armadilha: venha tirar o curso à vontade; para arranjar emprego, depois logo se vê…
Só para termos uma pequena ideia do que passa no país, partilho convosco alguns exemplos:
– em plena era da internet, no Hospital de Aveiro o concurso obrigava a entrega de documentos em mão;
– o concurso para o Hospital de Viseu foi publicitado 3 dias antes da sua data de fim; entretanto, a prática já fez escola: Barcelos, Évora, Barreiro, Setúbal, CHLC… como é isto possível, sobretudo quando alguns dos documentos necessários ao concurso demoram mais de uma semana a obter?!
– liguei para um dos IPO a tentar saber quais os critérios de selecção – foi-me recusada essa informação;
– pelo menos dois dos Hospitais PPP, até hoje, não divulgaram quais os critérios de recrutamento;
– num Hospital privado assume-se que não se contratam recém formados;
– num Hospital de Lisboa, obtive esta explicação via telefone: “foi feita a selecção pelo júri; estão a decorrer as entrevistas; no final, vamos divulgar os critérios”…
Aqui há tempos uma colega disse-me qualquer coisa como isto: “aquilo não é um concurso; é uma bolsa”… É caso para dizer: explique lá melhor Sr.ª Enf.ª?!
Outra colega, em tempos, confessou: “eu entrei naquele hospital por cunha”…
Queremos isto para a profissão?!
Eu não, obrigado!
Não quero lançar o pânico, mas se fosse feita uma auditoria subordinada ao tema “como obteve o seu emprego” (aplicada a enfermeiros que iniciaram funções nos últimos 5 anos) talvez os resultados obtidos fossem preocupantes. Estou convencido, perdoem-me a ironia, que se o Sr. Bastonário (cujo CV é público e apreciável) se participasse num destes “concursos” que por aí se realizam (alterando o nome, claro está), talvez tivesse dificuldade em ser seleccionado.
Lembram-se da prova real pela operação inversa? Se o hospital onde eu trabalho fizer um concurso, e se eu ou qualquer um dos meus colegas concorresse, deveríamos ser automaticamente seleccionados. Ora, creio que no cenário actual, isso não aconteceria.
É muito estranho que hospitais que vão contratar 10 ou 20 enfermeiros ao longo de um ano, façam um concurso só para a sua instituição (em Cantanhede o concurso era para apenas um lugar). Julgo que poderia existir um concurso de âmbito nacional. Portugal até nem é um país gigante. Mas pelo menos, que houvesse um concurso ao nível de cada ARS: dessa forma conseguiríamos ter uma bolsa (justa e transparente) de enfermeiros dispostos a integrar o mercado de trabalho: em cada ano, teríamos uma listagem de enfermeiros para cada uma das especialidades, uma listagem de enfermeiros de cuidados gerais (balizando algumas áreas) e uma listagem de enfermeiros recém formados.
A existir uma bolsa desse tipo, até as instituições privadas poderiam recorrer a ela para recrutar os seus profissionais. Ou será que os enfermeiros acham que a igualdade de oportunidades (e o respeito entre pares) só deve existir no sector público?
Um modelo desta natureza permitiria fazer uma outra coisa fundamental: perceber, a no após ano, a relação entre capacidade formativa e absorção de profissionais pelo mercado de trabalho. Como é lógico, no cenário actual, o número de vagas nas escolas tem de ser reduzido (atenção, não estou a dizer que essa redução é de 5, 50 ou 500; essa é outra discussão que tem de ser feita). A menos que queiramos ter um valor “residual” (2000 ou mais?) de enfermeiros licenciados que JAMAIS conseguirão emprego em Portugal por uma via “normal”.
Alguém duvida do actual método de acesso ao ensino superior?
Porque não ter algo idêntico para ter acesso à profissão de Enfermagem?
Porque não criar um “app” que faça isto?
No concurso para a ARS do Alentejo e para o IPO do Porto, podia enviar-se a documentação via mail. Penso que é um claro sinal de onde podemos ir, sobretudo quando o tempo escasseia e a Natureza precisa que cuidemos dela. Vale a pena, contudo, não esquecer a questão da privacidade de dados: de cada vez que eu concorro, estou a expor um conjunto vasto de informações a meu respeito. Ao tipificarmos com detalhe cada um dos critérios de selecção, e se houver uma articulação com a chancela da Ordem dos Enfermeiros, bastaria que o candidato só tivesse de fazer prova da sua documentação numa fase muito mais avançada do processo, o que o simplificaria, facilitando a vida de todos, e sem comprometer o rigor que se exige.
Não podia terminar este texto sem falar na questão da família. O acesso ao mercado de trabalho e a mobilidade resultante do posto de trabalho interferem seriamente com a vida familiar de cada um. O Papa Francisco fala em “tijolos para a construção da sociedade”.
As duas reportagens da Sic sobre professores que foram colocados a centenas de quilómetros de casa, espelham bem o que está em jogo:

(associado a este tema, está a questão da mobilidade de profissionais dentro de uma instituição; a profissão ganharia se esse debate fosse feito; como consigo transferência para um serviço de esterilização?)

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