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Como atirar o barro à parede

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Um estudo recente afirma que em Portugal, 25% dos cuidados de Enfermagem ficam por realizar, que muitos utentes não recebem indicações para a alta, que a alimentação e a higiene são descuradas, entre outros cuidados vitais para uma melhor saúde.

Adicionalmente, 70% dos hospitais apresentam condições de trabalho menos favoráveis para os enfermeiros, 96% destes está insatisfeito com o salário e 86% com as oportunidades de progressão na carreira (que já agora, é virtual). Milhares de enfermeiros estão exaustos em consequência do aumento do horário de trabalho, do aumento do número de doentes a cargo de cada profissional, da transformação de folgas em horas-extra. Dois terços dos participantes deste estudo (mais de 2000 enfermeiros) afirmam sentirem-se exaustos e desgastados. Se generalizarmos o número a todo o país, constatamos que mais de 20 000 enfermeiros estão exaustos!!! 20 000! Apesar disso, tudo está bem para o Governo: estes motivos não justificam greves e, afinal, a exaustão dos enfermeiros deve-se a trabalharem em duplo e triplo emprego.

Conscientes das circunstâncias de que apenas a minoria possui mais que um emprego, que o Governo nunca quis negociar trabalho em regime de exclusividade, que a antiga escassez de enfermeiros e aumento da carência das diferentes instituições de saúde (públicas e privadas) fomentou este tipo de emprego e que o aumento de trabalho se deu pelos fatores acima enunciados, os enfermeiros manifestaram a sua indignação. Todavia, uma sociedade pouco informada e sujeita a manipulações mediáticas insurgiu-se contra este grito de ajuda dos enfermeiros, tecendo críticas e culpabilizações. Para muitos cidadãos, “os enfermeiros já ganham muito bem”, “sabiam bem para o que iam quando entraram na profissão”, “quando não lhes faltava o dinheiro não se queixavam de exaustão”, “trabalho é andar nas obras e não ser enfermeiro”, “eles que agora trabalham o mesmo que nós é que começaram a saber o que era trabalhar”… Esses cidadãos não só desconhecem o risco, penosidade e responsabilidade inerentes ao desempenho da profissão, como desconhecem os riscos – reais – que correm com a prestação de cuidados insuficientes, inseguros, incompetentes e de má qualidade.

E é aqui que reside o fulcro da questão: nós reclamámos e o Governo “mandou-nos passear” ao desvalorizar a questão. A opinião publica, esse terceiro elemento, pode trazer o desempate. Todos conhecemos N medidas que os diferentes Governos quiseram implementar e não conseguiram. Porquê? Porque todas encontraram forte oposição por parte da opinião pública, todas elas foram fracas face à mobilização generalizada dos diferentes sectores da sociedade. E quando assim é, não há volta a dar: o Governo não aprova e o que era para ser Lei deixa de ser o que quer que seja. É aqui que poderemos vir a encontrar uma solução: garantir que o desempate é tão marcante, que qualquer Governo não terá hipótese.

Para que tal aconteça, deixo aqui duas sugestões:

– A primeira, é o apelo a que TODOS os enfermeiros ajam com profissionalismo! Isso implica, entre outras coisas, aproveitar todas as prestações de cuidados para evidenciar, alto e bom som para utente e família, a vantagem daquele cuidado para o utente e que o enfermeiro é responsável por ele. Trata-se da atividade mais acessível a todos os enfermeiros, sem qualquer desculpa possível. Aliás, muitos comentários que lemos nas redes sociais partem de pessoas que experienciaram um mau cuidado de enfermagem num dado serviço e, por melhores que sejam os cuidados que os utentes recebam, hão-de recordar para sempre os menos bons!

– A segunda, é “extravasar” o Facebook. As redes sociais são excelentes, pois colocam-nos em contacto quase directo e permitem alargar o nosso espectro de acção, fazendo com que a nossa mensagem chegue a milhares de pessoas. É excelente, mas não chega, nem de perto nem de longe. Então o que podemos fazer para sermos vistos e escutados por pais e filhos, avós e sobrinhos, políticos e gestores, professores e advogados? Como podemos transmitir uma imagem que marque, que influencie as pessoas? É “simples”: sejamos capazes de fazer ações públicas diferentes. Sim, com diferentes quero dizer chocantes, memoráveis, cómicas, constrangedoras, arrepiantes… tudo o que marque o cidadão comum. Antes de deixarem a imaginação correr, fica a ideia: criar um jogo em forma de aplicação móvel (app). É o jogo da administração hospitalar. Temos que controlar 3 variáveis: o financiamento da institução, a saúde dos utentes de acordo com os cuidados que recebem e o número e qualidade/quantidade dos enfermeiros. Por mais opções que o jogo possa ter, em que o investimento num lado provoca o agravamento de outro, é importante que fique a ideia que sempre que a instituição aposta em cuidados de enfermagem perde capital, mas os enfermeiros trabalham melhor e, por conseguinte, a saúde dos utentes aumenta. Por outro lado, sempre que o financiamento é retirado aos cuidados de enfermagem, estes começam a ficar com mais utentes distribuídos, com funções que não são deles, começam a ficar de baixa em casa e a saúde dos utentes vai diminuindo cada vez mais.

Mais pedagógico que isto, para as gerações mais novas, é difícil. Quem conhece engenheiros e programadores capazes? 😉

Mais informação em www.comunicarenfermagem.com/publicacoes.html

 

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