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Auto-conceito: Implicações no desenvolvimento de estratégias de coping

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Revista Nursing

Reconhece-se, cada vez mais, a urgência de se desenvolverem estratégias e competências de forma a levar as pessoas a saberem lidar com o stress do dia-a-dia.

Nursing nº 230

R. C. C. P. Melo

Professora Adjunta na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra

Resumo

A profissão de enfermagem, para além dos riscos que envolve, é uma profissão de grande desgaste. Neste sentido, devem ser desenvolvidas estratégias de coping para evitar o esgotamento profissional.

Este artigo de revisão tem como objectivo fazer uma análise e reflexão sobre os estudos realizados no âmbito das implicações do auto-conceito no desenvolvimento de estratégias de coping.

Da pesquisa efectuada, concluímos que quanto mais forte e abrangente for o auto-conceito, maior capacidade o indivíduo terá para lidar com as situações stressantes e melhor apetrechado estará para lidar com as dificuldades e adversidades do dia-a-dia. Neste âmbito, consideramos extremamente importante optimizar as características da personalidade do indivíduo, permitindo, assim, ajudá-lo a melhorar as suas estratégias de coping no sentido de uma melhor adaptação nas situações difíceis, levando-o a ter uma melhor qualidade de vida.

Palavras-chave: Auto-conceito, stress, estratégias de coping, esgotamento profissional.

Abstract

The profession of nursing, besides the risks it involves, is a profession of great wear. In this sense, coping strategies should be developed to prevent the burnout.

The aim of this review article is to do an analysis and reflection on the studies undertaken within the implications of the self-concept in the development of coping strategies.

The search conducted concluded that the more powerful and comprehensive the self-concept is the greater capacity to deal with stressful situations; the individual will have and he will be better equipped to deal with everyday difficulties and adversities. Therefore, we consider extremely important to optimize the characteristics of the personality of the individual, thus helping him improve his coping strategies towards a better adjustment in difficult situations, leading him to have a better quality of life.

Keywords: Self-concept, stress, coping strategies, burnout.

Introdução

Segundo Burns (1986)1, o auto-conceito é composto por imagens acerca do que nós próprios pensamos que somos, o que pensamos que conseguimos realizar e o que pensamos que os outros pensam de nós e também de como gostaríamos de ser.

Se, por um lado, as relações interpessoais que o indivíduo estabelece e o modo como se relaciona com os outros são influenciados pelo conceito que tem de si próprio, por outro, o auto-conceito também se pode modificar ao longo da vida, devido às experiências relacionais e aos contextos sociais em que vive (Serra, 1986 b)2.

A enfermagem é uma profissão de relação, em que os enfermeiros lidam, diariamente, com doentes que sofrem de patologias graves, bem como com pessoas agressivas, desesperadas devido às suas doenças e /ou problemas psicossociais. Por outro lado, os enfermeiros, também, trabalham em contextos em que a morte é uma presença constante sendo extremamente difícil e doloroso enfrentar essa realidade. Esta situação é agravada porque a maior parte destes profissionais não são preparados para lidarem com estas exigências emocionais contribuindo para aumentar o risco de esgotamento profissional (Velez, 2003)3.

Neste artigo de revisão começaremos por fazer uma pequena resenha histórica sobre as origens do interesse pelo auto-conceito e tentaremos clarificar alguns aspectos relevantes para a sua definição e dimensões. Destacaremos alguns estudos realizados no âmbito das implicações do auto-conceito no desenvolvimento de estratégias de coping. Finalmente faremos uma breve abordagem sobre o stress nos profissionais de saúde, especialmente nos enfermeiros, e as estratégias de coping a adoptar para diminuir o risco de esgotamento profissional.

Definição e dimensões do auto-conceito

A conceptualização do auto-conceito tem variado em função dos vários autores que se têm debruçado sobre esta temática, verificando-se uma grande imprecisão da terminologia e discordância das definições. Contudo, Faria e Fontaine (1992, p.42)4 referem que, apesar da literatura não revelar uma definição operacional clara, concisa e universalmente aceite, existe uma certa concordância em torno da definição geral do auto-conceito como sendo “a percepção que o indivíduo tem de si próprio, das suas capacidades e competências em vários domínios da existência como, por exemplo, o social, o físico, o cognitivo e o emocional”.

De acordo com Serra (1986b)2, essas percepções são formadas a partir das experiências vivenciadas pelo sujeito e das interpretações que faz sobre o meio envolvente. Para este autor, os reforços que o sujeito recebe e o significado que o indivíduo faz relativamente aos seus comportamentos são factores preponderantes na construção do auto-conceito.

Para Serra (1988a, 1988b)5,6, existem quatro tipos de influências que determinam o desenvolvimento do auto-conceito. São elas:

1 – A forma como os outros observam um indivíduo e o consequente feedback que lhe transmitem;

2 – A percepção que o indivíduo tem do seu desempenho nas várias situações;

3 – A comparação que faz do seu comportamento numa dada situação, com a dos seus pares sociais;

4 – A avaliação que faz de um determinado comportamento relativamente aos valores aceites pelo seu grupo de referência.

Segundo Serra (1986b)2, o auto-conceito é um constructo psicológico que é influenciado por vários factores, tais como: aceitação/rejeição social, auto eficácia, maturidade psicológica e impulsividade – actividade. Este autor acrescenta que este constructo:

a) Esclarece-nos sobre a forma como um indivíduo interage com os outros e lida com áreas respeitantes às suas necessidades e motivações;

b) Leva-nos a perceber aspectos do autocontrolo, porque certas emoções surgem em determinados contextos ou porque é que uma pessoa inibe ou desenvolve determinado comportamento;

c) Permite-nos, ainda, compreender a continuidade e a coerência do comportamento humano ao longo do tempo.

O auto-conceito, também, pode ser definido através das características apresentadas por Shavelson e Bolus (1982)7 que, na opinião destes mesmos autores, são fundamentais para uma definição mais precisa. Assim, para estes autores, o auto-conceito possui múltiplas facetas, é estável, avaliativo, diferenciável, e tem capacidade para se desenvolver e se organizar hierarquicamente.

Serra (1986b)2 refere igualmente que um indivíduo, ao poder descrever e avaliar os seus comportamentos, leva a que consideremos também como característica do auto-conceito a sua dimensão descritiva e avaliativa.

As percepções e avaliações de situações específicas permitem influências que se vão progressivamente organizando, daí falar-se em auto-conceito hierarquizado. Num sentido amplo, o auto-conceito global apresenta-se como estável, diminuindo essa estabilidade à medida que vai descendo na hierarquia (Shavelson e Bolus, 1982)7. Paralelamente ao fenómeno de socialização que vai evoluindo desde a infância até à idade adulta, também o auto-conceito com a evolução do desenvolvimento humano se vai tornando cada vez mais multifacetado.

Serra (1988b) (6) refere que no constructo do auto-conceito, há que salientar como seus constituintes: a auto-estima; as auto-imagens; a auto-eficácia; as identidades; o auto-conceito real e o auto-conceito ideal.

Para este autor, a auto-estima é um dos constituintes do auto-conceito mais importantes e com grande impacto na prática clínica. Acrescenta, ainda, que este conceito é entendido como o processo avaliativo que o indivíduo faz das suas qualidades ou dos seus desempenhos. É, segundo este autor, o constituinte efectivo do auto-conceito, em que o indivíduo faz julgamentos de si próprio, associando à sua identidade sentimentos valorativos do “bom” e do “mau”.

Outro constituinte do auto-conceito é a auto-eficácia. Esta, segundo Mischel (1977), refere-se às auto-percepções em que o indivíduo acredita e confia na sua capacidade e eficácia para enfrentar o meio ambiente com efectividade e êxito, levando, assim, a consequências desejadas.

Também, Mischel (1977)8 no seu estudo da personalidade refere-se à auto-eficácia percebida como sendo um constructo motivacional cognitivo em que o indivíduo se auto-avalia como eficaz, para enfrentar o meio ambiente.

Segundo Serra (1988b)6, outro constituinte do auto-conceito é a identidade, que na opinião deste autor, se pode afirmar que qualquer pessoa pode ter, dentro de si, várias identidades, aquela a que dedicar mais tempo e atenção é a que se encontra na posição hierárquica mais elevada.

Referindo-nos, agora, aos restantes constituintes do auto-conceito, para o mesmo autor, o auto-conceito real corresponde à maneira como um indivíduo se considera, percebe e se avalia, tal como é, na realidade, enquanto que o auto-conceito ideal refere-se à maneira como uma pessoa sente que deveria ou gostaria de ser e não como se percebe ou avalia na realidade.

Neste âmbito, Serra (1986b, 1988b)2,6 salienta que é importante considerarmos a diferença entre o auto-conceito real e o auto-conceito ideal, com vista à obtenção de dados de auto-aceitação do indivíduo. Por outro lado, “esta discriminação é ainda importante porque se admite que o auto-conceito ideal representa as qualidades humanas que são valorizadas pelo meio sócio-cultural” (Serra, 1986b, p.60)2. Para este autor, uma diferença pequena poderá ser um bom indicador de que o indivíduo se aceita como é, traduzindo-se tal facto por uma maior aceitação e ajustamento pessoal.

Investigações realizadas em Portugal com o Inventário Clínico do Auto-conceito (ICAC) demonstraram que existe uma associação positiva entre as relações com os pais e o auto-conceito. Assim, um bom ambiente familiar, com relações positivas com os pais, com base na tolerância, na compreensão e na capacidade de incentivo aos filhos, ajudando-os a ultrapassarem as dificuldades, são factores importantes no desenvolvimento de um bom auto-conceito (Serra, 1988a,1988b)5,6.

Neste contexto, Serra (1986a)9 é de opinião que, na construção do elevado ou baixo auto-conceito intervêm vários factores, como: os julgamentos feitos pelos outros à acção do sujeito, os comentários depreciativos feitos à identidade do sujeito, as observações e avaliações que o sujeito faz do seu próprio desempenho em situações específicas e as comparações entre o seu comportamento e o dos outros. Para este autor, o auto-conceito permite esclarecer a forma como a pessoa interage com as outras e lida com áreas respeitantes às necessidades e motivações.

A abordagem do auto-conceito através da análise na sua globalidade, e dos factores que o compõem, apresentados por Serra (1986a)9, como aceitação/rejeição social, auto-eficácia, maturidade psicológica e impulsividade-actividade, permite uma maior compreensão do mesmo e a interacção de outras dimensões da personalidade, bem como o desenvolvimento de estratégias de coping.

Auto-conceito: implicações no desenvolvimento de estratégias de coping

A importância fundamental do auto-conceito, para Serra (1986b)2, tem a ver com a percepção que cada um tem de si próprio, em termos de actor social em interacção, influenciando, assim, o seu relacionamento interpessoal. Ainda de acordo com o mesmo autor (1986a, 1986b)9,2, o auto-conceito esclarece-nos sobre a forma como uma pessoa se relaciona com as outras e lida com os seus sentimentos e motivações. Explica-nos o porquê de um indivíduo desenvolver determinado comportamento ou apresentar determinadas emoções em diferentes contextos.

Serra, citando Wells e Marwell (1976), é de opinião de que “a maneira como uma pessoa se percebe e se avalia pode ditar a forma como se relaciona com os outros, as tarefas que tenta, as tensões emocionais que experimenta e o modo como subsequentemente se percebe” (1986b, p.58)2.

O modo como o indivíduo reage perante os acontecimentos é determinado pelo significado que atribui à sua ocorrência. Por sua vez, o significado atribuído a esses acontecimentos é influenciado pelas experiências do passado do indivíduo que o levam a ser sensível e a perceber de uma maneira específica os acontecimentos com que se confronta.

Neste contexto, o auto-conceito do indivíduo e as estratégias de coping que usualmente utiliza na resolução dos seus problemas têm grande importância não só em relação à percepção que tem do mundo à sua volta como no êxito e fracasso que obtém para enfrentar as situações stressantes (Serra e Pocinho, 2001)10.

Os dados empíricos de diversos estudos (Serra, 1986b; Faria e Fontaine, 1992; Serra e Pocinho, 2001; Melo, 2005; Melo, 2007)2,4,10,11,12 apoiam a ideia de que um auto-conceito positivo ajuda a pessoa a ter uma percepção positiva de si próprio, a perceber o mundo de forma menos ameaçadora, a ter estratégias de coping mais adequadas, a desenvolver melhor as competências relacionais de ajuda e a sentir-se bem consigo e com os outros. Pelo contrário, o fracasso escolar, as dificuldades nas relações interpessoais (Serra, 1986b)2, perturbações emocionais, ansiedade social elevada, desenvolvimento de sintomatologia devido ao stress e outras alterações têm sido relacionados com um auto-conceito pobre (Serra, 1986a)9.

Estudos realizados, utilizando a escala para avaliar estratégias de coping (Inventário de Resolução de Problemas) de Serra (1987)13, têm revelado que:

  • Os indivíduos com um bom auto-conceito e bom sentido de auto-eficácia tendem a apresentar mecanismos adequados de coping (Serra, Firmino e Ramalheira, 1988)14;

  • As pessoas com transtornos emocionais tendem a evitar o confronto activo dos problemas, pressupondo que a sua resolução não depende do seu esforço directo, abandonam-se passivamente perante as ocorrências e, em stress, utilizam sobretudo estratégias para controlo das emoções (Serra, Firmino e Ramalheira, 1988)14;

  • Os seres humanos com mecanismos de coping pobres sentem na vida maior número de problemas (Serra, Firmino, Pocinho e Figueiredo, 1991)15;

  • As pessoas extrovertidas e emocionalmente estáveis tendem a revelar melhores estratégias de coping (Alves, 1995)16;

  • Num estudo sobre para-suicidas foi comprovado que estes têm estratégias de coping significativamente mais pobres e inadequadas do que indivíduos da população em geral, sem transtornos psicopatológicos (Saraiva, 1997)17.

Ribeiro (2005, p.301) (18), citando Holahan e Moos (1987), defende que “os factores sociodemográficos, tais como a educação, nível socioeconómico, características de personalidade e factores contextuais, influenciam o coping”. Também, Santos (2006) (19), referenciando Compas (1987), é de opinião que as estratégias de coping adoptadas pela pessoa para lidar com as situações de stress são influenciadas por alguns aspectos como o auto-conceito, auto-eficácia, auto controlo, auto percepções entre outros. Para esta autora a aprendizagem das estratégias de coping faz-se através da socialização e pela história pessoal estando associadas as características da sua personalidade como o auto-conceito, auto-eficácia e o suporte social.

Neste âmbito, Serra e Pocinho (2001, p.16)10 referem que “há uma correlação positiva e altamente significativa entre o auto-conceito e as estratégias de coping”. Salientam, ainda que “os indivíduos com um bom auto-conceito tendem a resolver melhor os seus problemas”. Referem ainda, que “um bom auto-conceito e estratégias de coping adequadas são preditoras de uma boa saúde mental”.

A este propósito, Ribeiro (2005, p.295)18, citando Lazarus, Delongis, Folkman e Gruen (1985), diz-nos que “um coping adequado a dada situação conduz a um ajustamento adequado. Como evidência da adaptação (ou ajustamento) encontra-se o «bem-estar, o funcionamento social, e a saúde somática»”.

Monteiro (2000, p.46)20 refere que nos doentes portadores de doenças psicossomáticas o reforço do auto-conceito permite, a longo prazo, “melhor capacidade de mentalização e de tradução psíquica de vivências dolorosas e experiências relacionais desilusórias; menor recurso à somatização; uma leitura mais adequada do corpo e progressiva desdramatização e coping eficaz com a dor”.Relativamente à propensão para desenvolver sintomas devido ao stress, Andrade (1997)21 refere que esta é menor quanto melhor é o auto-conceito do indivíduo.

Numa investigação que pretendia determinar se algumas características psicológicas como o auto-conceito se associavam à saúde, em estudantes do ensino superior, Albuquerque (1999)22 verificou que existem indícios de forte associação entre as variáveis de saúde e as variáveis psicológicas estudadas. Os estudantes cujas variáveis psicológicas apresentavam valores mais positivos expressaram, também, níveis de saúde mais positivos.

Segundo (Serra, Firmino e Ramalheira, 1988, p.317)14, “as pessoas nervosas tendem a sentir que os problemas estão fora do seu controlo, têm emoções que ultrapassam os limites da sua contenção, tornam-se mais agressivas contra si/ou contra os outros e tendem a adoptar atitudes de abandono passivo perante as situações”.

Por outro lado, “um individuo com estratégias de coping adequadas costuma sentir que tem um bom controlo das situações com que se depara, gosta de confrontar e resolver activamente os problemas, utiliza mecanismos redutores de estados de tensão que não são lesivos da sua saúde e da sua pessoa…” (Serra e Pocinho, 2001, p.16)10.

Stress e os profissionais de enfermagem

Os hospitais constituem um dos ambientes de trabalho mais stressantes e a profissão de enfermagem, para além dos riscos que envolve, é uma profissão de grande desgaste devido ao contacto com o doente/família em sofrimento e morte; à sobrecarga mental, devido à complexidade de actividades e de exigências específicas dos serviços (Regueiras, 2001)23.

Segundo Phaneuf (2005, p.600)24 o pessoal de enfermagem convive “com situações penosas, frequentemente urgentes, em que deve fazer prova tanto de auto-controlo como de abertura em relação às emoções dos outros e às suas próprias emoções”.

A este propósito Queirós (2005, p. 4)25, citando Maslach e Jackson (1981), refere que “às profissões de assistência pede-se que tenham um tempo considerável de relação intensa, com pessoas, que não poucas vezes se encontram em situações problemáticas, com as quais as relações são carregadas de sentimentos de frustração, medo ou desespero”. Esta situação pode ter um efeito de predisposição para o esgotamento profissional.

Phaneuf (2005, p.601)24 define esgotamento profissional como “ um estado de esgotamento de energia física, intelectual e afectiva resultante, nas enfermeiras, da pressão emocional associada a um empenhamento intenso, mal compensado, junto de pessoas em sofrimento”. Para esta autora esta situação conduz a um “estado depressivo, a dificuldades importantes de adaptação, a um sentimento de isolamento, a uma baixa da produtividade, a problemas físicos de saúde e de absentismo”.

Esta situação muitas vezes é agravada porque “a maior parte dos cursos ligados à saúde são deficitários a abordar este tipo de problemas” contribuindo para o aumento do stress neste profissionais, dado que têm de “tentar solucionar situações para as quais não tiveram formação adequada” (Velez, 2003, p.10)3. Esta autora é de opinião que “atendendo ao impacto crescente do stress na saúde, qualidade de vida, e economia em geral, torna-se imperioso intervir na sua gestão (2003, p.13)”

Neste âmbito, Phaneuf (2005, p.619)24 refere que o desenvolvimento da auto-estima e do auto-respeito, são fundamentais para que a pessoa consiga utilizar “estratégias de controlo de stress e de prevenção do esgotamento profissional”.

Estratégias de coping na redução do stress

Segundo Santos (2006)19, Coping pode ser definido como o conjunto de esforços cognitivos, emocionais e comportamentais realizados para lidar com as exigências internas ou externas e que são avaliados como excedendo os recursos pessoais para lhes fazer face. Estes esforços, para (Serra, 1999)26, podem ser de natureza variada e nem sempre implicam a resolução do problema, pois a eficácia depende não só dos recursos da pessoa, como também do tipo de situação indutora de stress. Podem ainda ser orientados para a resolução directa do problema ou para a atenuação das emoções sentidas, ou para busca de apoio social

Coping pode ser, também, entendido como a “…disposição para gerir o stress, que constitui um desafio aos recursos que o individuo tem para satisfazer as exigências da vida e padrões de papel autoprotectores que o defendem contra ameaças percebidas como ameaçadoras da auto-estima positiva; acompanhado por um sentimento de controlo, diminuição do stress, verbalização de aceitação da situação, aumento do conforto psicológico” (CIP/ICNP, 2006, p.80)27.

Segundo Ribeiro (2005)18, stress e coping são dois conceitos que fazem parte da vida de todos os dias. Numas situações, o stress é mais intenso, noutras o coping é mais complicado ou inadequado, mas em todas as situações eles jogam um papel importante na vida das pessoas. Para este autor, os agentes stressores são susceptíveis de provocar reacções tais como medo, ansiedade, zanga e hostilidade. A maioria dos estudos realizados procuram avaliar as consequências negativas do stress no trabalho, bem como a relação do stress com o aparecimento de doenças gastrointestinais, acidentes, suicídios, aumento do rico de doenças cardiovasculares e musculo-esqueléticas (Pereira, 2003; Mota-Cardoso, et al, 2002; Queirós, 2005)28,29,25.

Mas, as potenciais situações de stress só constituirão um problema se a pessoa não conseguir lidar adequadamente com elas, ou seja, não se mostrar capaz de utilizar estratégias de coping capazes de desenvolver competências para enfrentar essas situações (Lazarus e Folkman, 1984)30. O coping poder-se-á, então, considerar instrumental/focalizado no problema (quando aponta para a resolução dos problemas) e apelativo/focalizado na emoção, quando pretende aliviar ou minimizar as consequências de uma situação que não pode ser alterada mantendo as situações indutoras de stress (Pereira, 1991)31.

Na opinião de Serra (1987)13, lidar com o stress depende essencialmente dos recursos específicos, pessoais e sociais, de cada um e das estratégias de coping utilizadas.

Alguns autores, (Calhoun, 1980; McCue, 1987) citados por Mcintryre (1994)32, têm apresentado como estratégias de coping a disponibilização de espaços privados para os profissionais de saúde se retirarem; o treino de técnicas de redução de stress, como as técnicas de relaxamento, a disponibilização de grupos de discussão sobre mortalidade e morbilidade; e o aconselhamento individual ou familiar.

Esta autora é de opinião que a nível dos hospitais se deveria utilizar intervenções de carácter preventivo que devem envolver a sensibilização dos profissionais de saúde para a compreensão dos aspectos psicológicos da doença e do comportamento do doente; o treino em competências de atendimento e de comunicação com o doente e família; o treino em competências de liderança de uma equipa de trabalho; a aprendizagem de métodos de identificar os sintomas de stress e a disponibilização de recursos para o profissional poder procurar ajuda para lidar com o stress.

As actividades de lazer são, também, consideradas como uma das medidas para minimizar o desgaste pessoal e profissional dado que, segundo Regueiras (2001)23, permitem a alteração de hábitos e rotinas, criam bom ambiente de trabalho, fomentam a comunicação, o espírito de grupo, a motivação e a satisfação profissional.

Mas, segundo Santos (2006, p.26)19 “a aprendizagem das estratégias de coping faz-se por socialização e pela história pessoal de aprendizagem do indivíduo, ao que se associam as características da sua personalidade, ou recursos pessoais (auto-conceito, auto-eficácia, suporte social)”. Neste sentido, pensamos que os pais, a sociedade em geral e as escolas têm um papel importante no desenvolvimento das estratégias de coping.

Reflexão final

Ao terminarmos a elaboração deste artigo de revisão consideramos digno de realce o consenso verificado, ao longo do tempo, em torno da importância do auto-conceito para o funcionamento e bem-estar do indivíduo, enquanto regulador e mediador do comportamento humano.

A maioria dos estudos realizados procuram avaliar as consequências negativas do stress no trabalho, bem como a relação do stress com o aparecimento de doenças, tais como o surgimento de doenças gastrointestinais, acidentes, suicídios, aumento do risco de doença cardiovascular, de cancro e de doenças músculo-esqueléticas. Este mal-estar frequente pode conduzir a reacções fisiológicas (dores de cabeça frequentes, perda de peso, insónias alterações intestinais, etc.), cognitivas (absentismo, abuso de álcool, tabaco ou de drogas, falta de empenhamento, entre outras) e comportamentais (diminuição da auto-estima, dificuldade na tomada de decisões, alterações da percepção) que impedem, ainda mais, de lidar eficazmente com os desafios que se colocam (Queirós, 1998; Francisco e Pereira, 2002; Queirós, 2005)33,34,25.

Reconhece-se, cada vez mais, a urgência de se desenvolverem estratégias e competências de forma a levar as pessoas a saberem lidar com o stress do dia-a-dia. Dado que, as potenciais situações de stress só constituirão um problema se a pessoa não conseguir lidar adequadamente com elas.

Neste sentido, pensamos que se torna imprescindível ter em consideração a necessidade de desenvolver as capacidades individuais de controlo do stress, nomeadamente o desenvolvimento de competências para lidar com situações difíceis (conversar, procurar apoio, criar grupos de partilha) para que a pessoa possa ser mais resiliente quando enfrenta as situações stressantes.

Os estudos apontam para a necessidade de intervir nos sistemas de formação, quer inicial, quer contínua, numa perspectiva multifacetada e multidisciplinar valorizando a dimensão relacional e social, no sentido dos mecanismos de lidar com situações difíceis sejam mais eficazes.

Da pesquisa efectuada é de supor que quanto mais forte e abrangente for o auto-conceito do indivíduo, maior capacidade terá de lidar com as situações stressantes e melhor apetrechado estará para lidar com as dificuldades. Neste sentido, consideramos extremamente importante optimizar as características da personalidade do indivíduo permitindo, assim, ajudá-lo a melhorar as suas estratégias de coping no sentido de uma melhor adaptação às adversidades do dia-a-dia.

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  • 33 – QUEIRÓS, Paulo J. P., Burnout em Enfermeiros: Comparação de três grupos. Sinais Vitais, 1998, Nº 16, p.17-21.

  • 34 – FRANCISCO, C. M.; PEREIRA, A.M.S. , Uma forma de desenvolvimento de capacidades do aluno estagiário em educação Física. Revista Educação Física, 2002, nº 1 e 2, p.21-28.