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Atitude do Enfermeiro perante a Morte

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Revista Nursing

O facto de o indivíduo poder expressar os seus valores, crenças e opiniões por meio de atitudes, ajuda-o a resolver conflitos internos e a desenvolver a capacidade de adaptação.

Nursing nº 244

ATITUDE DO ENFERMEIRO PERANTE A MORTE

– Investigação –

ATTITUDE OF THE NURSE BEFORE THE DEATH

Dora Maria Ricardo Fonseca Saraiva

Enfermeira Licenciada do Centro Hospitalar Cova da Beira, EPE

Serviço de Especialidades Médicas

RESUMO

Reflectir sobre a morte ao longo do ciclo vital numa perspectiva de enfermagem significa dedicar uma atenção muito especial ao que pensam, sentem e vivem os enfermeiros perante a morte de alguém. Dado que as atitudes do enfermeiro se reflectem sobre as suas acções, pretende-se com a exposição deste estudo, conhecer a atitude dos profissionais de enfermagem e a forma como estes vivenciam a situação de morte, bem como, conhecer alguns factores que determinam a sua atitude face a este fenómeno. Os resultados obtidos evidenciam que apesar da modernidade e dos adventos tecnológicos a enfermagem ainda se defronta com dificuldades para lidar e agir perante esta questão, levando-nos a crer que a melhoria da qualidade de seus cuidados e a sua execução neste domínio, é na actualidade ainda um grande desafio.

Palavras-chave: Atitude, Enfermeiro, Morte

ABSTRACT

To reflect on death throughout the vital cycle in a nursing perspective means to focus on the way Nurses think, feel, and live before the death of somebody. Since the nurse’s attitudes are reflected on his actions, this study pretends to explore the Nursing professional attitude, the way these professionals deal with death and also to know some factors that determine their attitude as far as this phenomenon is concerned. Some study results proofed that, regardless the modern times and the Nursing technological advances, Nursing still is confronted with some difficulties to deal and to act before this question, what leads us to believe that the improvement of quality care and its execution concerning this phase, is still a great challenge

Keywords: attitude, nurse, death

INTRODUÇÃO

A morte é um tema controverso que suscita nos enfermeiros sentimentos e atitudes diversas. Embora faça parte do ciclo natural da vida, a morte é, ainda, nos dias de hoje, um assunto polémico, por vezes evitado e por muitos não compreendido, gerando medo e ansiedade. Uma vez que a enfermagem tem nos seus ideais o compromisso com a vida, lidar com a morte pode torna-se um acontecimento difícil e penoso, gerando uma multiplicidade de atitudes por parte dos profissionais de enfermagem.

Neste contexto, devido à necessidade de melhor compreender este fenómeno com que os enfermeiros se confrontam no quotidiano, realizou-se um estudo de investigação relacionado com as atitudes do enfermeiro perante a morte e circunstâncias determinantes, com vista a uma reflexão acerca do tema e consequentemente a uma melhor prática profissional.

DESENVOLVIMENTO

ATITUDE E O CUIDAR EM ENFERMAGEM

O termo atitude, à semelhança de muitos outros conceitos nas ciências humanas e sociais, é ambíguo. Numerosas definições têm sido propostas ao longo dos anos dependendo do enfoque de vários teóricos.

Parafraseando Littlejohn (1988: 70) “atitude é definida como um estado mental, que cria na pessoa uma presteza para comportar-se positiva ou negativamente em relação a certas pessoas, situações e coisas”.

De facto, todos nós temos e adoptamos posições frente a determinados acontecimentos sociais. Todos damos uma resposta pessoal valorativa e afectiva aos objectos à nossa volta, sejam eles, pessoas reais ou imaginárias, acontecimentos concretos ou abstractos. Deste modo, todos tomamos atitudes perante qualquer classe de objecto social.

“As atitudes significam a organização dos sentimentos, das crenças e dos valores, assim como a predisposição da pessoa para se comportar de determinada maneira” (Canut et al, 2000: 30). São uma determinante muito importante na orientação e adaptação do ser humano ao ambiente social.

As atitudes não são inatas, pertencem ao domínio da motivação humana; não se autogeneram psicologicamente, mas formam-se fruto da relação com outras pessoas, grupos, instituições, objectos, valores e ideologias.

O estudo das atitudes ocupa uma posição importante em todos os estudos das ciências sociais e humanas, pois as atitudes estão intimamente ligadas às acções do indivíduo. De um modo geral, conhecendo as atitudes de uma pessoa podemos prever o seu comportamento, actuação e desempenho. De acordo com Canut et al (2000: 31) as atitudes são constituídas por 3 componentes: cognitiva, afectiva e comportamental, que tendem a ser congruentes entre si, pois referem-se ou dirigem-se ao mesmo objecto.

Os mesmos autores referem ainda, que a capacidade que a pessoa tem de fazer uma auto-análise, de avaliar as suas atitudes e a congruência das suas componentes (cognitiva, afectiva e comportamental) possibilita uma relação saudável com os outros. O facto de o indivíduo poder expressar os seus valores, crenças e opiniões por meio de atitudes, ajuda-o a resolver conflitos internos e a desenvolver a capacidade de adaptação. Tais situações ajudam o ser humano a viver em coerência consigo próprio e com aqueles que são objecto do seu cuidado.

De um modo geral, “uma pessoa não pode ajudar a outra a expressar os seus valores, sem antes ter feito uma reflexão sobre os seus próprios valores” (Canut et al, 2000: 35). Do mesmo modo, não pode tentar mudar uma atitude prejudicial de uma pessoa, sem antes ter analisado, se alguma das suas atitudes é também extrema. Não pode compreender uma atitude defensiva perante um acontecimento penoso, “sem antes conhecer quais são os pontos sensíveis de si mesmo que deseja não conhecer” (idem).

O presente artigo visa evidenciar a importância da reflexão acerca das atitudes dos profissionais de enfermagem perante a morte de um doente.

ATITUDE DO ENFERMEIRO PERANTE A MORTE

As atitudes face à morte diferem de cultura para cultura, de país para país, de região para região e, até, de pessoa para pessoa. Tal facto, permite concluir que a forma como reagimos à morte está dependente de uma multiplicidade de factores que se relacionam principalmente com aspectos pessoais, educacionais, sócio-económicos e espacio-temporais.

Os profissionais da saúde, nomeadamente os enfermeiros, enfrentam todos os dias a morte e, independentemente da experiência profissional e de vida, quase todos a encaram com um certo sentimento de incerteza, desespero e angústia. Incerteza porque não sabe se está a prestar todos os cuidados possíveis para o bem-estar do doente, para lhe prolongar a vida e para lhe evitar a morte; desespero porque se sente impotente para fazer algo que o conserve vivo; angústia porque não sabe como comunicar efectivamente com o doente e seus familiares. Todos estes factores oneram severamente o enfermeiro que procura cuidar aqueles cuja morte está eminente.

De acordo com Rees (1983: 407), “o enfermeiro reage a estes sentimentos desligando-se do doente e da própria morte e, consciente ou inconscientemente, concentra a sua atenção no seu trabalho, no material, no processo da doença, talvez até em conversas superficiais, com o intuito de afastar expressões de temor e de morte”. Outras vezes, o enfermeiro perante o processo de morte decide evitar todo e qualquer contacto com o doente. Nesta perspectiva, o mesmo autor afirma que “afastando-se do doente através de subterfúgios, o que o enfermeiro faz é escudar-se contra sentimentos que lhe lembrem a morte e que lhe causem mal-estar”.

Deste modo, sendo a morte inevitável e frequente nos serviços de saúde, nem todos os enfermeiros a compreendem, a acolhem e reagem a ela da mesma maneira.

Confrontados com a doença grave e com a morte, os enfermeiros tentam proteger-se da angústia que estas situações geram, adoptando estratégias de adaptação, conscientes ou inconscientes designadas: mecanismos de defesa.

De acordo com Rosado (1991), do confronto com a morte surgem frequentemente mais problemas psicológicos do que físicos. Entre os últimos, fadiga, enxaqueca, dificuldades respiratórias, insónias e anorexia são alguns dos reconhecidos. No entanto, os mais citados são: pensamentos involuntários dedicados ao doente, sentimentos de impotência, choro e sensação de abatimento, sentimento de choque e de incredibilidade perante a perda, dificuldades de concentração, cólera, ansiedade e irritabilidade. Decorrentes destas atitudes, registam-se: absentismo, desejo de mudança de serviço, isolamento, entre outras práticas e atitudes reveladoras da situação e de insegurança.

Nesta perspectiva, tendo em conta a revisão bibliográfica efectuada definiu-se como domínio para o estudo: a atitude do enfermeiro face à morte.

METODOLOGIA

O estudo em causa enquadra-se nos desenhos não experimentais do tipo descritivo-correlacional.

O problema de investigação foi: “Qual a atitude do enfermeiro perante a morte e quais os factores que se relacionam com ela? ”

A amostra seleccionada pelo método não probabilístico e por selecção natural (de acordo com a nomenclatura utilizada por Fortin (1999: 208-211), foi constituída por 83 enfermeiros do Centro Hospitalar da Cova da Beira.

Em função do quadro teórico considerado e dos objectivos traçados, definiram-se 4 hipóteses de investigação:

      H 1 – Há relação entre os anos de exercício profissional dos enfermeiros e a atitude destes perante a morte.

      H 2 – O confronto frequente com a morte relaciona-se com a atitude do enfermeiro perante a morte.

      H 3 – Há relação entre a etapa do ciclo de vida em que se encontra a pessoa que morre e a atitude do enfermeiro.

      H.4 – O tipo de morte de um doente está relacionado com a atitude do enfermeiro perante a morte.

O instrumento de colheita de dados foi um questionário aplicado tendo em conta todos os procedimentos éticos e formais.

As variáveis do estudo são a atitude do enfermeiro perante a morte, tempo de exercício profissional, serviço onde exerce funções, tipo de morte e etapa do ciclo de vida da pessoa que morre.

O conceito de atitude do enfermeiro perante a morte foi operacionalizado de acordo com as três componentes da atitude:

      a) A dimensão cognitiva: conhecimentos que os enfermeiros têm ou pensam ter em relação à morte, e que se manifestam por uma determinada atitude face à morte.

      b) A dimensão afectiva: atracção ou repulsa sentida pelos enfermeiros, e que se manifesta por sentimentos pró ou contra relativamente ao confronto com a morte.

      c) A dimensão comportamental: comportamento ou maneira de agir dos enfermeiros relativamente à morte que se manifesta pela relação estabelecida com o doente em processo de morte.

O tempo de exercício profissional do enfermeiro foi operacionalizado segundo os níveis de desenvolvimento profissional propostos por Benner (2001). De acordo com esta autora, é possível distinguir cinco níveis de desenvolvimento profissional, no desempenho de um enfermeiro: iniciado (« 1 ano de serviço), iniciado avançado ( 1 a 3 anos), competente (« de 3 anos), proficiente (+ de 5 anos) e perito (+ de 15 anos de serviço).

O serviço onde exerce funções foi operacionalizado em 2 vertentes: serviços onde o confronto com a morte é frequente e, por outro lado, serviço onde esse confronto é raro.

O tipo de morte com que o enfermeiro se depara com maior frequência no seu desempenho foi operacionalizado em morte súbita/inesperada e morte decorrente de doença crónica/terminal.

Para a influência da etapa do ciclo de vida em que ocorre a morte foram consideradas as situações de morte em crianças e morte em adultos/idosos.

Foram ainda consideradas as variáveis sexo e idade como variáveis atributo.

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS 

ESTATÍSTICA DESCRITIVA

Sexo

Relativamente à variável sexo (gráfico 1), verifica-se que a amostra em estudo é predominantemente feminina (66,3%).

Idade

Através da observação do gráfico 2, verifica-se que a classe etária mais frequente (classe modal) é o intervalo [25-30 anos[,  com 26,5%. A média de idades é 31,17 anos. O mínimo é 22 anos, o máximo 49 anos, sendo a moda 24 anos.

Anos de exercício profissional

O gráfico 3 permite constatar que a variável anos de exercício profissional apresenta a moda em proficiente, com uma percentagem de 41%.

A média de anos de exercício dos enfermeiros da amostra é 8,59 anos, com desvio padrão de 7,24 anos, um mínimo de 10 meses e um máximo de 31 anos.

Serviço onde exercem funções

Relativamente ao serviço onde desempenham funções, verifica-se que dos 4 serviços pertencentes ao estudo, se destaca o serviço de urgência, com maior número de inquiridos, correspondendo a 30,1% da nossa amostra.

Tipo de morte com que se confrontou

Através da análise do gráfico 4, observa-se que o tipo de morte com que os enfermeiros mais se confrontaram no último ano foi a morte decorrente de doença crónica/terminal com 67,5% do total, contra 32,5% que responderam confronto mais frequente com morte súbita / inesperada.

De referir que o serviço de Urgência foi aquele onde a morte súbita/inesperada foi mais frequente, com 17 casos. Pelo contrário, os enfermeiros dos serviços de Medicina Homens, Medicina Mulheres e Cirurgia apresentaram com maior frequência, confronto com a morte decorrente de doença crónica/terminal, com 19, 15 e 14 casos respectivamente.

Confronto com a morte em crianças

Relativamente a esta variável verificou-se que a maioria da amostra: 67,5%, nunca teve confronto com a morte de crianças e apenas 32,5% do total tiveram esse contacto. De referir ainda que os enfermeiros do serviço de Urgência são os que mais se confrontam com a morte de crianças, com 20 casos num total de 25 desse serviço (gráfico 5).

Relativamente à variável atitude do enfermeiro perante a morte foram analisadas as respostas dadas a 15 afirmações em escala de Likert. Pode-se constatar que a moda se situa em itens considerados de resposta favorável, compatível com atitude positiva no confronto com o doente em fim de vida.

O gráfico 6 ilustra a distribuição dos enfermeiros de acordo com os scores individuais. Constata-se que 22 enfermeiros, ou seja, 26,5%, apresentam uma atitude negativa face à morte e, 61, ou seja, 73,5% apresentam uma atitude positiva ou favorável em relação ao confronto com o doente em fim de vida.

O quadro 1 ilustra os scores médios das 3 dimensões da variável atitude permitindo concluir que, embora, todas façam transparecer uma atitude positiva dos enfermeiros perante a morte, a dimensão cognitiva foi a que teve um score médio mais próximo da atitude negativa.

Por último, face à pergunta aberta “O que mais o preocupa ao prestar cuidados ao doente em fim de vida?”, procedeu-se à análise de conteúdo das respostas dadas e formam criadas 4 categorias mediante agrupamento das unidades de registo:

      1 – Bem estar do doente

      2 – Humanização dos cuidados

      3 – Família

      4 – Atitude pessoal no confronto com a morte

A primeira categoria “bem-estar do doente” reúne unidades de registo relativas ao alívio da dor, do sofrimento e da angústia, à promoção do conforto e à satisfação das necessidades físicas e psicológicas do doente.

A categoria “humanização dos cuidados” engloba preocupações relacionadas com promoção da qualidade dos cuidados, a solidão do doente, a promoção de uma morte digna e a utilização de técnicas relacionadas com a obstinação terapêutica no doente em fim de vida.

A categoria “família” diz respeito a preocupações relativas à ausência da família, ao seu sofrimento, à comunicação estabelecida e ao acompanhamento da família.

A categoria “atitude pessoal do enfermeiro no confronto com a morte” reúne um conjunto de sentimentos como a impotência, frustração, angústia e tristeza, bem como preocupações relativas à falta de tempo ou apoio/colaboração e dificuldade na relação estabelecida com o doente em fim de vida.

Da análise dos dados constatou-se que a categoria com maior número de unidades de registo é a que se refere ao bem-estar do doente, com 57 unidades de registo. Deste valor correspondente a 43,2%, salienta-se o alívio da dor (12%) e do sofrimento (9,8%), bem com a promoção do conforto (9%).

A categoria referente à humanização dos cuidados engloba 36 unidades de registo, ou seja, 27,2% do total. Nesta, a promoção da qualidade dos cuidados (9,8%) e a preocupação com uma morte digna (8,3%) foram as mais referidas.

A atitude individual do próprio enfermeiro é também referido por 22% dos enfermeiros, os quais referem como preocupação: sentimentos de impotência e frustração (8,3%) e dificuldade em dar resposta às questões do doente (6%).

A família referida por 10 dos elementos da amostra, constitui outra categoria, onde as maiores preocupações na prestação de cuidados ao doente em fim de vida, são o acompanhamento da família (3%) e o facto de, em alguns casos, esta não estar presente junto do doente (2,3%).

ESTATÍSTICA INFERENCIAL

Para efeito de teste de hipóteses foi aplicado o teste de qui-quadrado (X2). Os valores de p obtidos são considerados para um intervalo de confiança de 95%.

Relativamente à hipótese 1: Há relação entre os anos de exercício profissional dos enfermeiros e a atitude destes perante a morte, obteve-se um p = 0,001, o qual sendo inferior a 0,05, nos indica que aceitamos a hipótese de investigação (H1), com grau de liberdade = 1. Neste sentido, pode-se afirmar que existe relação entre as variáveis anos de exercício profissional e a atitude dos enfermeiros perante a morte (gráfico 7).

Para a hipótese 2: O confronto frequente com a morte relaciona-se com a atitude do enfermeiro perante a morte obteve-se um p = 0,528, inferindo-se, portanto, que não existe relação entre estas duas variáveis.

Da hipótese 3: Há relação entre a etapa do ciclo de vida em que se encontra a pessoa que morre e a atitude do enfermeiro, obteve-se um p = 0,027 e aceita-se a hipótese de investigação, com graus de liberdade = 1 (gráfico 8)

O gráfico 8 mostra a relação encontrada entre as duas variáveis.

Relativamente à hipótese 4: O tipo de morte do doente relaciona-se com a atitude do enfermeiro perante a morte, obteve-se um p = 0,252; o qual sendo > 0,05 indica que se rejeita a hipótese de investigação.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 

A amostra constituída por 83 enfermeiros a exercer funções no Centro Hospitalar Cova da Beira, é maioritariamente feminina com 66,3%. Tais dados são congruentes com os valores da população, já que a profissão de enfermagem é predominantemente exercida por enfermeiras. A este propósito Benner (2001) refere que a profissão é sobretudo composta por mulheres.

As idades dos elementos da amostra variam entre um mínimo de 22 anos e um máximo de 50, sendo a média 31,7 anos.

Relativamente aos anos de exercício profissional, operacionalizados de acordo com os 5 níveis de desenvolvimento profissional de Benner (2001), verifica-se predomínio do nível de proficiente, ou seja, de enfermeiros com pelo menos 5 anos de serviço, com uma frequência de 34 dos 83 inquiridos.

Os elementos da amostra pertencem aos serviços de Urgência, Medicina Homens, Medicina Mulheres e Cirurgia. Destes, a Urgência detém o maior número de elementos, correspondendo a 30,1%.

Em relação ao tipo de morte com que os inquiridos se confrontam habitualmente, 67,5% referiu a morte decorrente de doente crónica/terminal. De salientar que dos 4 serviços que constituem a amostra, a Urgência foi o único serviço onde a morte súbita/inesperada foi mais frequente. Na realidade, tal como se constata no quotidiano, as mortes decorrentes de doença arrastada acontecem com maior prevalência nos serviços de internamento, e as mortes súbitas ou inesperadas acontecem maioritariamente fruto de acidentes ou doente aguda, e são vivenciadas no serviço de Urgência.

No que diz respeito ao confronto com a morte em crianças, a maioria dos enfermeiros do serviço de Urgência referiram ter tido essa vivência, com 20 dos 25 do total e os restantes enfermeiros na sua maioria referiam nunca ter tido esse contacto.

Relativamente à pergunta aberta observámos que as preocupações referidas pelos enfermeiros da amostra são congruentes com a opinião dos autores referidos no enquadramento teórico. De facto, o bem-estar do doente em fim de vida foi a categoria com maior número de respostas, seguida da categoria humanização dos cuidados. Neste sentido cita-se Loff (2000:48) que refere que “o materialismo da técnica e da rotina do dia a dia profissional, facilmente abrem a porta à fuga, a que tantos cedem na sua aproximação do doente nesta derradeira fase da vida.” De facto, quando já não há a mínima esperança de cura, alguns procedimentos perdem toda a justificação para a sua aplicação e tornam-se em autênticas atitudes de obstinação, uma vez que resultam principalmente no prolongamento do sofrimento do doente. Pacheco (2002:65) afirma que, tais situações, acontecem quando os profissionais “elegem o curar como prioridade, esquecendo o valor do verdadeiro cuidar, persistindo na prossecução de tratamentos visando a cura mesmo quando não existe qualquer esperança de obter uma melhoria do estado do doente.”

A atitude pessoal do enfermeiro no confronto com a morte foi outra das categorias referidas. Nesta, as maiores preocupações relacionam-se com sentimentos de impotência e frustração, angústia e tristeza, com a falta de apoio e colaboração por parte de toda a equipa multidisciplinar, com a dificuldade em dar resposta às questões do doente e com a falta de tempo e disponibilidade. Mais uma vez, estes dados são concordantes com a bibliografia analisada.

Na realidade, o profissional de enfermagem que cuida do doente em fim de vida, tem medo da sua fragilidade perante o sentimento do outro, medo de se sentir impotente, incapaz de prestar ajuda e de não saber o que fazer com a revolta, a agressividade e a angústia ou o desespero do doente, o que dificulta o esclarecimento de todas as dúvidas do doente. A morte do paciente confronta os profissionais de enfermagem com os limites da sua actuação e, por isso, sentimentos de frustração e impotência são frequentes. Henriques et al. (1995:12) referem que surgem “sentimentos de insegurança, revolta, impotência perante a situação e mesmo uma agressividade interior que nos esforçamos a ignorar, assim como o sentimento de fracasso que a morte por si representa.” Stedeford (1986) também refere que qualquer contacto com a morte ou com o processo de morrer desperta uma inevitável resposta específica geradora de tensão, stress, tristeza, actividade exagerada e fadiga.

Em relação à falta de tempo e disponibilidade Henriques et al. (1995:15) defende que muitas vezes falta-nos o tempo, outras vezes falta-nos paciência, outras vezes também, sobra-nos o medo, o medo da própria morte, o medo daquilo a que o diálogo com o doente pode levar.”

Para além das já referidas, a preocupação com a família também foi mencionada pelos enfermeiros, com unidades de registo como: o acompanhamento da família, o seu sofrimento e a sua ausência no processo de morte. Henriques et al. (1995:11) são congruentes com este tipo de preocupação ao afirmar que a sociedade moderna dessocializa a morte, “escorraçou-a do seio das famílias e encurralou-a nos hospitais e noutras instituições, onde tantas vezes se morre sozinho atrás de uma cortina numa enfermaria; fechado num quarto solitário ou no meio de incompreensíveis e sofisticados aparelhos (…) sem ninguém que compartilhe as circunstâncias da morte”, incluindo a família.

Também, na opinião de Pacheco (2002:135), a família do doente em fim de vida é motivo de preocupação já que, “os familiares têm um papel fundamental na vida de qualquer pessoa, facto que assume uma relevância especial no processo terminal de uma morte anunciada.”

No que se refere à relação das variáveis estudadas, foi aceite a hipótese H1: Há relação entre os anos de exercício profissional dos enfermeiros e a atitude destes perante a morte. De acordo com os resultados obtidos, os enfermeiros considerados por Benner (2001) como iniciados e iniciados avançados, ou seja, com menos de 3 anos de exercício profissional, são os que têm uma atitude predominantemente negativa em relação à morte. Este resultado parece concordante com o que diz Benner (2001:49) “os iniciados têm um comportamento típico extremamente limitado e rígido” dado que não possuem experiência profissional. Tanto os iniciados como os iniciados avançados, interiorizam muito pouco das situações que vivenciam, dado que tudo é muito novo e estranho, e daí que muitas das suas atitudes perante a morte não sejam as mais positivas e favoráveis.

Em sentido contrário, os enfermeiros com mais anos de exercício profissional foram os que apresentaram uma atitude mais positiva no confronto com o doente em fim de vida. Tal facto está de acordo com Benner (2001:63) ao referir que “com a experiência e o domínio, a competência transforma-se (…) esta mudança leva a um melhoramento das actuações.”

Quintana et al. (2001:8) afirma que “ansiedade, dúvidas, falta de informação e desprotecção profissional, são algumas das reacções de enfermeiro nível I” quando se deparam com situações frequentes de morte. No entanto, refere que esta situação não é exclusiva dos enfermeiros com poucos anos de exercício, como também dos que têm muitos anos de experiência. Quintana et al. (2001) diz que a experiência, por mais que atenue e/ou permita uma certa distância, por mais que suponha um certo saber sobre o que fazer face a um doente em fim de vida, não elimina um conjunto de implicações  tanto pessoais, como culturais e profissionais, o que vem em parte contrariar os resultados obtidos.

A hipótese de investigação H2: O confronto frequente com a morte relaciona-se com a atitude do enfermeiro perante essa vivência foi rejeitada, o que evidencia não haver relação entre estas 2 variáveis. Os resultados são congruentes com Quintana et al. (2001), que refere que apesar dos enfermeiros se depararem com a morte no seu quotidiano, a frequência da sua presença não a torna mais fácil de encarar, os profissionais consideram a agonia e a morte, situações de tensão elevada no desenvolvimento do seu trabalho. Para Quintana et al. (2001:19) esta consideração “dá-se tanto nos profissionais que trabalham em serviços onde a morte é um acontecimento frequente, como naqueles onde é esporádico”, e portanto não há distinção no tipo de atitudes assumidas.

Relativamente à hipótese de investigação H3: Há relação entre a etapa do ciclo de vida em que se encontra a pessoa que morre e a atitude do enfermeiro. Conclui-se que os enfermeiros que já tiveram contacto com a morte em crianças, têm uma atitude distinta daqueles que nunca tiveram esse contacto. Tal como refere Roper et al. (1995:240), quando nos confrontamos com a morte de crianças “a sensação de perda, o desespero e mesmo o fracasso, são a antítese de todas as suas expectativas.”

A morte de uma criança é absolutamente devastadora; a confusão, o sofrimento e, frequentemente a raiva, são frequentes. Em contrapartida, segundo os mesmos autores, a morte de alguns doentes dependentes pode ser aceite e bem vinda, uma vez que é encarada com o alívio para a dor, o sofrimento e o mal-estar. A opinião de Loureiro (2002) também é congruente com esta posição, pois defende que a morte é aparentemente mais bem aceite nos idosos, do que nas crianças, já que aqueles realizaram um percurso de vida e desempenharam algumas funções e as crianças, inexplicavelmente, e por vezes de forma súbita, morrem sem terem a oportunidade de delinearem um projecto de vida.

Por último, na hipótese de investigação H4: O tipo de morte do doente relaciona-se com a atitude do enfermeiro perante a morte foi rejeitada e por conseguinte concluiu-se que as variáveis em questão não estão relacionadas.

Os resultados obtidos não são, entanto, concordantes com a opinião de Loureiro (2002) que refere que a duração da doença e a altura em que ocorre, bem com o aspecto abrupto e repentino da morte, influenciam as atitudes do enfermeiro.

Para Loff (2000), não é a morte que provoca angústia nos prestadores de cuidados, mas sim o facto de ela poder ser acompanhada de violência, de revolta, de lágrimas, de emoções insustentáveis, despoletando uma multiplicidade de atitudes; ou seja, o tipo de circunstâncias da morte determinam as atitudes empreendidas por parte de quem a vive e acompanha.

Por outro lado, Quintana et al (2001), à semelhança dos resultados do estudo, referem que a assistência ao doente em fim de vida e o conforto à família, os óbitos súbitos ou decorrentes de doença crónica, constituem situações difíceis da prática de enfermagem e desencadeiam atitudes similares ou equivalentes por parte dos profissionais.

Contrariamente a esta perspectiva, Firmino (1993) refere que as atitudes variam, habitualmente de pessoa para pessoa e dependem das circunstâncias que rodeiam a morte. Esta é encarada de acordo com uma multiplicidade de factores, dos quais se destacam o serviço e especialidades onde os enfermeiros trabalham e as experiências ou contacto anterior com doentes que caminham para a morte.

Assim, contrapondo os resultados obtidos, Firmino (1993), Loff (2000) e Loureiro (2002) defendem que o tipo de morte e as circunstâncias em que ocorre estão relacionados com a atitude do enfermeiro e apenas Quintana et al. (2001) revela dados congruentes com os obtidos neste estudo.

Finaliza-se a discussão dos resultados com os aspectos referentes à variável: atitude do enfermeiro face ao doente em fim de vida.

De acordo com os resultados obtidos pode-se afirmar que os enfermeiros desta amostra apresentam, de uma maneira geral, uma atitude positiva ou favorável no confronto com a morte. Porém, considera-se que muito há por fazer no sentido de melhorar o desempenho pessoal e profissional aquando da prestação de cuidados ao doente em fim de vida.

CONCLUSÕES

A realização deste estudo permitiu reflectir acerca da temática da morte em geral e da atitude do enfermeiro perante esta em particular.

Uma vez que nos confrontamos com a morte nos nossos contextos de trabalho, necessitamos adquirir conhecimentos e desenvolver capacidades e competências de forma a encarar e gerir a morte do outro que nos é semelhante. Ajudar o doente e a família num momento em que experimentam grande sofrimento, constituiu um dos maiores desafios que a prática quotidiana coloca aos profissionais de enfermagem.

Pontos a reter:

Considera-se urgente confrontar os valores e crenças pessoais dos enfermeiros e reflectir sobre o nosso papel profissional da enfermagem numa área tão específica e crítica como é o lidar com o fim de vida.

A partir da reflexão feita sobre a bibliografia consultada e dos conhecimentos inerentes à prática de enfermagem, em conjunto com os resultados do presente estudo, sintetizam-se os principais aspectos a ter em conta no confronto com o doente em fim de vida:

  • Prestar cuidados individualizados, tendo em conta a singularidade de cada ser humano e todas as dimensões do seu ser;

  • Prevenir a dor, a angústia e o sofrimento;

  • Oferecer apoio relacional, moral, espiritual e religioso ao doente e família;

  • Contribuir para promover a qualidade de vida do doente até à morte;

  • Apoiar a família durante o processo de morte e de luto.

Com vista a interiorizar estes aspectos, torna-se importante que o enfermeiro como profissional da saúde, vocacionado para a prestação de cuidados, tanto ao nível técnico como humano, esteja consciente da sua atitude perante a morte, não se esquecendo que também ele é um ser humano, que se deixa “tocar” pelo fim do outro que lhe é semelhante e assim contribuir para a evolução da enfermagem enquanto uma das ciências e artes mais nobres do mundo de hoje e de sempre.

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  • LITTLEJOHN, Stephen W. – Fundamentos da comunicação humana. Rio de Janeiro: Editora Guanabara S.A., 1988.

  • LOFF, Ana – Cuidados paliativos. Coimbra: Formasau. Colecção sinais vitais, 2000, 145 páginas.

  • LOUREIRO, Chotika Yampron – Cuidados de enfermagem a doentes em fase terminal. “Sinais Vitais”. Coimbra. n.º 36 (2002), 45-50.

  • PACHECO, Susana – Cuidar a pessoa em fase terminal – perspectiva ética. 1ª edição. Loures: Lusociência, 2002.  154 páginas.

  • QUINTANA, Francisco Cruz et al. – Enfermería, família y paciente terminal. “Revista de Enfermería”. Espanha. vol. 24, n.º 10 (2001), 8-12.

  • REES, Gragg et al. – Princípios científicos de enfermagem. Lisboa: Editora Portuguesa de Livros Técnicos e Científicos, 1983.

  • ROPER, N et al – Modelo de enfermagem. 3ª edição. Editora McGraw-Hill de Portugal Lda, 1995. 454 páginas.

  • ROSADO, Maria – Os técnicos de saúde face ao doente com doença grave. Lisboa: Vozes, 1991.

  • SOCIEDADE FRANCESA DE ACOMPANHAMENTO E DE CUIDADOS PALIATIVOS – Desafios da enfermagem em cuidados paliativos, “cuidar”: ética e práticas. Loures: Lusociência, 1999. 237 páginas

  • STEDEFORD, Averil – Encarando a morte – uma abordagem ao relacionamento com o paciente terminal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986, 168 páginas.

GRÁFICOS

Gráfico 1 – Distribuição dos enfermeiros segundo o sexo

Gráfico 2 – Distribuição dos enfermeiros segundo a idade

Gráfico 3 – Distribuição dos enfermeiros segundo os anos de exercício profissional

Gráfico 4 – Distribuição dos enfermeiros de acordo com o tipo de morte com que se confrontam

Gráfico 5 – Distribuição dos enfermeiros segundo o confronto com a morte em crianças e o serviço

Gráfico 6 – Distribuição dos enfermeiros de acordo com o tipo de atitude perante a morte

Gráfico 7 – Distribuição da atitude dos enfermeiros segundo os anos de exercício

Gráfico 8 – Distribuição da atitude dos enfermeiros segundo o confronto com a morte em crianças

Quadro 1 – Scores médios das dimensões da atitude

DimensãoScore Médio%
Cognitiva15,9431,60
Afectiva17,2834,26
Comportamental17,2234,14
TOTAL50,44100,00