Testemunhos de Voluntários Coragem
Por volta das 11h00 da manhã narua em frente à Clínica começaram a ouvir-se gritos e buzinas. Fui ver o que se passava e vi uma rapariga a fugir de um grupo de centenas de pessoas que corriam atrás dela armados de paus e pedras.
Essa primeira rapariga conseguiu chegar às instalações da Civpol, bem perto da Clínica. Assim, a multidão virou-se para a direcção contrária e, encontrando as restantes raparigas, dirigiu-se a elas. Sem alternativa, uma vez que estavam cercadas, refugiaram-se na Clínica da AMI. Logo a Clínica foi cercada. Choviam pedras no telhado, tendo sido partidas algumas telhas e vasos. Depois, telefonei para a Civpol (…). Sorte foi termos em serviço nesse dia o Capitão Parra, médico do exército brasileiro que, não só pediu ajuda directamente aos seus homens, como a sua farda também produziu efeitos dissuasores.(…) Tive de fechar toda a clínica (…). Afinal, salvaguardar a Clínica e o pessoal local era a minha preocupação.
O resultado podia ter sido grave pois tirei da sala de pediatria dois jovens que levavam um bidão de gasolina. A tensão estava a aumentar (…). Enquanto não chegava nenhuma força de segurança, o Dr. Nilton e a D. Angelina (tradutora) procuravam acalmar os ânimos dos que empurravam as portas, atitude que valeu ao Nilton uma ameaça de faca. Dois membros civis das FALINTIL, no local, procuraram chamar a multidão à razão. Um deles foi apedrejado e levou os primeiros cuidados aqui na Clínica, tendo sido transferido para a Cruz Vermelha com escolta da Civpol.
Chegaram os militares brasileiros que, depois de ameaçar a população com gás lacrimogéneo, conseguiram fazer com que todos saíssem do recinto da Clínica. A GNR (…) foi a segunda força a chegar. Actuaram com uma eficiência inexcedível. Quando a rua estava vedada, chegou a Civpol com o aparato dos filmes americanos, tendo em seguida evacuado as raparigas, altura em que voltou a chuva de pedras que valeu um traumatismo craniano a um polícia filipino da Civpol. A GNR, a meu pedido, evacuou todo o pessoal local, tendo ficado na Clínica apenas o Dr. Ussumane, o Dr. Parra, o Dr. Nilton e eu próprio.
A multidão só se acalmou quando chegou ao local o comandante do terceiro sector militar das FALINTIL. Persuadidos por tal senhor e vencidos pelo cansaço, abandonaram o local às 2h00 locais (…).
As notícias dos jornais timorenses apontam a AMI como instituição heróica por ter dado refúgio às raparigas. (…) Da multidão veio a explicação de que as tais raparigas iam a passar no mercado em trajes pouco próprios. Eles, provedores do alto moralismo, responderam apedrejando. As raparigas (que de acordo com os mais exigentes critérios, estavam perfeitamente decentes) alegam que, ao passarem no mercado, alguns jovens se meteram com elas.
Timor 2000
Pedro Krupenski
Extraído de http://www.fundacao-ami.org/ami/artigo.asp?cod_artigo=128385