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A Troika da Enfermagem Portuguesa

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Se há palavra que vai marcar para sempre a vida de uma geração, “troika” será uma delas. Ela refere-se às três entidades (FMI, UE e BCE) que em 2011 vieram a Portugal “ajudar-nos” a fazer face a (mais uma) crise. Se olharmos à nossa volta, há muitas outras “troikas”: os 3 grandes do futebol português, as 3 estações de televisão (generalista), os 3 grandes rios “de” Portugal, os 3 ramos das Forças Armadas, os 3 partidos do arco (?) da governação, as 3 forças políticas que suportam o actual Governo, as 3 (primeiras) figuras do Estado, os 3 poderes da República Portuguesa, etc.
E na Enfermagem: haverá alguma troika?
Com algum grau de simplificação podemos considerar que os enfermeiros têm 3 grandes áreas de actuação: Prestação de Cuidados, Docência e Gestão (optei por não englobar a Assessoria neste triunvirato). Significa que quanto maior for a articulação entre estes 3 elos, melhor será a performance da Enfermagem. É impossível, ou pelo menos muito difícil, existir total acordo sobre todas as temáticas, mas é imperativo que se operem determinadas mudanças em cada uma destas área sob pena de penalizarmos a profissão.

Quem presta cuidados está na linha da frente de actuação. Todos os dias dá a cara pela instituição onde exerce funções e prova ao cidadão o quão importante é o seu papel para garantir o bem estar da população. Os enfermeiros são uma das profissões cujas condições de trabalho não reflectem a importância daquilo que é a sua actividade. Como se não bastasse, a crise veio agravar esse problema e a questão das 40 horas (pagas como 35) ficará para a história como uma das maiores injustiças do anterior Governo para connosco. Mas há outras! Apesar de todas estas dificuldades, não nos resta outro caminho que não seja o de procurar fazer o melhor no dia a dia e investir na valorização de competências. A aposta na formação, não necessariamente na sua vertente académica, permitir-nos-á ser melhores enfermeiros transmitindo maior confiança àqueles a quem prestamos cuidados.

A actividade académica na Enfermagem é fundamental pelo seu papel na formação base de quem quer ser enfermeiro, mas também, na chamada formação pós graduada. O ideal seria que houvesse uma ligação estreita entre as escolas e locais de prática clínica (relembro que na nossa profissão seria facílimo implementar um modelo desse tipo: temos escolas em todas as capitais de distrito), com possibilidade de combinar a teoria e prática de forma mais efectiva. A investigação, imprescindível para a afirmação do valor de uma profissão, tem uma componente académica inegável, mas deverá ter uma ligação ao terreno (prestação e gestão) que produza ganhos para o utente e para os profissionais. Caso contrário estaremos apenas a engordar as prateleiras de uma qualquer biblioteca.

Antes de dar posse ao actual Primeiro-ministro, Cavaco Silva chamou a Belém economistas e banqueiros. Isto ilustra bem o peso que a “gestão” tem hoje nas nossas vidas. Não duvido que existe uma enorme pressão sobre os nossos colegas que ocupam cargos de gestão nas instituições de saúde. E também não tenho a menor dúvida que há (ainda) muita ineficiência nos serviços de saúde. Todavia, um enfermeiro gestor não pode nunca esquecer que antes de ser gestor, é enfermeiro. Há implicações éticas para com a profissão e para o cidadão. Eu gostava de ter ouvido a voz de muitos enfermeiros “gestores” do nosso país (do sector público, mas não só; gestores de topo e intermédios) sobre transformações que se operaram no sector da saúde, em geral, e internamente nas suas instituições, em particular.
Que impacto tiveram os cortes que foram feitos? A qualidade dos cuidados foi afectada? O prestígio da profissão saiu abalado? Será que em determinados momentos, temos a coragem de bater com a porta?
Os enfermeiros são fundamentais na gestão das instituições de saúde. Mas essa participação tem de ser transparente, consentânea com a missão da Enfermagem e deve renovar-se regularmente. Sabemos bem o mal que faz a alguém estar muito tempo na mesma cadeira (não, não estou a falar das úlceras de pressão).

Não faz sentido que os enfermeiros especialistas não estejam a ser rentabilizados como tal. Também não faz sentido que os especialistas tenham um horário das 8 às 16, de Segunda a Sexta. O mesmo se aplica aos especialistas que estão deslocados das áreas em que se diferenciaram. Como é encarada esta realidade pelos colegas que prestam cuidados, pelos que gerem serviços e organizações, e pelos que exercem funções no ensino?

Vejamos outro exemplo: a tão propalada falta de enfermeiros. Há ou não falta de enfermeiros em Portugal? Quem presta cuidados não tem dúvidas e diz que sim. Mas talvez se mobilize pouco para provar essa realidade. Entre os que gerem os serviços e instituições, há quem defenda que não, mas “esquecem-se” de assumir isso perante as associações representativas da sua profissão. Há os que defendem que sim, mas que em simultâneo, dizem nada poder fazer… Perdão?! Há sempre qualquer coisa que pode ser feita. E os nossos colegas “das” escolas? Nos estágios em que acompanham os alunos, têm voz activa no alerta para as condições em que se prestam cuidados de Enfermagem? E enquanto instituições que preparam enfermeiros para o mercado de trabalho, têm ou não uma palavra a dizer sobre a emigração, desemprego e critérios de recrutamento?
Articulação precisa-se.

Nas últimas eleições para a Ordem dos Enfermeiros houve como que uma contagem ao milímetro do número de apointes das várias listas. Tentava-se perceber se uma determinada lista teria mais ligação à prática, à gestão ou à docência. Passaram quatro anos e podemos fazer o balanço daquilo que conseguimos. Talvez os resultados alcançados não estejam apenas dependentes desse equilíbrio (ou a falta dele), mas eu acredito que a profissão, no seu global, beneficiará se ele ocorrer. O mesmo se aplica aos Sindicatos.

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