No decorrer deste estudo consegue-se perceber que ambas as classes profissionais inquiridas estão de acordo relativamente aos pormenores da investigação clínica
Título
A investigação clínica em Cardiologia no norte de Portugal
Clinical research in cardiology in northern Portugal
Nursing nº269
Autora
S. NUNES
Enfermeira Hospital de S. João – Porto; Mestre em Bioética e Doutoranda em Biomedicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; Coordenadora do Núcleo Enfermagem em Cardiologia (Sociedade Portuguesa de Cardiologia)
Resumo
Introdução: Existe um dever para com a comunidade (científica e sociedade comum) em evoluir no campo da saúde e consecutivamente na investigação para dar respostas a eventuais problemas. Existem conhecimentos sobre algumas patologias, mas parece que elas se tornam realmente mais complexas com o decorrer do tempo possivelmente porque queremos como profissionais de saúde saber sempre mais.
Metodologia: Neste estudo de carácter descritivo exploraram-se conceitos como a investigação clínica e a colaboração entre equipas multidisciplinares, e encontraram-se dificuldades.
Discussão: O estudo permitiu uma imagem da situação actual em investigação clínica em Cardiologia no norte de Portugal.
Conclusão: Tal como o caminho que a investigação clínica tem de percorrer, existem algumas dificuldades a ultrapassar. Torna-se necessário efectuar um planeamento de acção para que os profissionais que têm essa convicção se tornem cada vez mais fiéis. Isto passa pela formação de equipas equilibradas (sendo que haja uma multidisciplinaridade de profissões, graus académicos, conhecimentos e acções).
Palavras-chave: Investigação clínica; Cardiologia; Equipas multidisciplinares.
Abstract
Background: There is a duty to the community (scientific and common society) to advance in the field of health and consecutively in research to provide answers to possible problems. There are knowledge of some diseases, but it seems that they actually become more complex over time possibly because we want as health professionals to know more.
Methodology: In this study of descriptive nature were explored concepts such as clinical research and collaboration with multidisciplinary teams, and it was found difficulties.
Discussion: The study provided a picture of the current situation of clinical research in cardiology in the northern of Portugal.
Conclusion: Like the way that clinical research has to go, there are some difficulties to exceed. It is necessary to do an action planning for those professionals who have this belief. This involves the formation of balanced teams (where there is a multidisciplinary of professions, academic degrees, knowledge and actions).
Keywords: Clinical research; Cardiology; Multidisciplinary teams.
Introdução
A investigação clínica ocupa uma parte extremamente importante da definição da saúde no panorama que atravessamos em pleno século XXI. São realizados vários esforços no sentido de optimizar diversos critérios, entre os quais a formação de equipas devidamente creditadas. Talvez impulsionada pela complexidade ou então pela vontade em saber cada vez mais, a investigação clínica começa-se a revelar, se bem que existe uma realidade e um percurso longo e tenso a percorrer. A verdade é que, sem qualquer tipo de dúvidas, a investigação clínica é um marco importante no campo da saúde e tende a ganhar cada vez mais adeptos.
Neste sentido, a investigação ganha duas vertentes:
– a primeira diz respeito à vertente académica exclusivamente, sendo que os profissionais investigam para comprovar e o conhecimento é gerado separadamente por categorias sejam elas por profissão ou por interesses dentro de determinadas áreas;
– a segunda diz respeito à investigação clínica propriamente dita, onde várias profissões se conjugam para gerar conhecimento e formação tornando a vida dos cidadãos em geral mais aprazível.
O Código Deontológico da Ordem dos Enfermeiros1 é soberano no que diz relativamente à responsabilidade dos enfermeiros na área da saúde em geral, reportando para a responsabilidade do desenvolvimento da profissão através da investigação e também pela colaboração com outras profissões (Artigo 76.º, Artigo 80.º, Artigo 91.º). Também o Código Deontológico da Ordem dos Médicos refere no seu artigo 11.º que “O médico deve cuidar da permanente actualização da sua cultura científica e da sua preparação técnica.”.2
Segundo o INFARMED (Autoridade Nacional do Medicamento e dos Produtos de Saúde, I.P.), “Entende-se por investigação clínica qualquer estudo sistemático, planeado e concebido para seres humanos, que visa avaliar o desempenho de determinado dispositivo e/ou a sua segurança. A investigação clínica com dispositivos médicos deverá ser conduzida de forma a assegurar os direitos, a segurança e o bem-estar dos sujeitos que nela participem.” (…) Considera-se dispositivo médico para investigações clínicas qualquer dispositivo médico destinado a ser colocado à disposição de um médico da especialidade, com vista a ser submetido a investigações num meio clínico humano adequado. Os dispositivos médicos destinados a investigações clínicas têm que ser devidamente marcados com a menção exclusivo para investigações clínicas, e só podem ser utilizados no âmbito da investigação clínica a que irão ser submetidos, sob a responsabilidade de pessoal autorizado para a mesma investigação.3
No final pode-se traduzir a seguinte explicação: seja a nível da investigação académica ou da investigação clínica, os enfermeiros, médicos e todos os profissionais de saúde em geral, têm a obrigação e a responsabilidade de se inteirarem dos novos conhecimentos, colaborando na sua própria “produção”. Existe também um dever de trabalhar em equipa, equipa esta com diversos conhecimentos e com profissionais de diferentes áreas, a chamada equipa multidisciplinar.
Materiais e métodos
Este foi um estudo de análise descritiva porque se apuraram determinadas características ao nível da investigação clínica em Cardiologia no norte de Portugal. Teoricamente, é como se fosse uma “fotografia” da situação do panorama actual.
A questão que esteve na base deste estudo de investigação foi a seguinte: “De que modo e por quem é realizada a investigação clínica em Cardiologia no norte de Portugal?” Assim sendo, o objectivo primordial foi a análise dos factos e descrição das características gerais. O instrumento de colheita de dados foi o questionário, onde foram colocadas questões abertas e fechadas. Os objectivos principais do estudo foram “identificar o panorama da situação da investigação clínica no norte de Portugal” e “apurar as principais dificuldades da investigação clínica”.
A população foi constituída pelos principais hospitais do norte do país: Hospital de S. João, EPE; Hospital Geral de Santo António, EPE; Hospital Pedro Hispano (ULS); Instituto Português de Oncologia do Porto (IPO), EPE; Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, EPE; Centro Hospitalar Trás-os-Montes e Alto Douro, EPE; Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, EPE; Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE; Hospital de S. Marcos – Braga; Hospital Militar Regional n.º 1 – Porto.
A população-alvo foi composta pelas equipas de investigação clínica na área da Cardiologia, isto é, o “alvo” principal de exploração de conhecimento serão os médicos que trabalham dentro desta área e o(a) enfermeiro(a) que trabalhe em colaboração.
Discussão
Foram enviados questionários a cada equipa de Cardiologia dos referidos hospitais do norte de Portugal. Para além dos questionários médicos, foi solicitado a cada uma das equipas que escolhesse um elemento de enfermagem para responder também a um questionário. Neste sentido deve-se referir que, em relação à adesão das equipas médicas, ela foi de 90%, considerando que 10% são referentes à situação particular do IPO (não possui investigação clínica em Cardiologia). Em relação à taxa de adesão dos elementos de enfermagem ela situa-se nos 40%.
Em relação aos questionários enviados aos médicos que fazem parte de equipas de investigação em Cardiologia, foram colocadas questões inicialmente de caracterização da população. Em relação à média de idades dos médicos inquiridos ela foi de 46,1 anos de idade. A formação académica que todos possuem passa pela licenciatura e doutoramento, e em relação à formação profissional houveram várias respostas tais como: professores associados, assistentes graduados, especialistas em Cardiologia, assistentes convidados e ainda chefes de serviço de Cardiologia. Em relação ao tempo de exercício profissional, a média entre os inquiridos foi de 21,8 anos, e o serviço onde actualmente exercem funções é no serviço de Cardiologia.
Em relação aos questionários enviados aos enfermeiros que fazem parte de equipas de investigação com os médicos em Cardiologia, também foram colocadas questões de caracterização da população. Em relação à média de idades dos enfermeiros inquiridos ela foi de 30,2 anos de idade. A formação académica que todos possuem é a licenciatura, e em relação à formação profissional houveram várias respostas tais como: Pós-Graduação em Bioética e Ética de Enfermagem; Clinical Research Skills – Workshop for Investigators, Curso de Coordenação e Organização de Ensaios Clínicos num Centro de Investigação; Mestrando na área de Enfermagem Médico-cirúrgica; Licenciada em Gestão, Pós-graduação em Gestão Pública; Pós-graduação em Emergência. Em relação ao tempo de exercício profissional, a média entre os inquiridos foi de 8,4 anos, e o serviço onde actualmente exercem funções é na Cardiologia (inclusive Unidade de Cuidados Intensivos) e apenas um dos respondentes refere que está em licença sem vencimento.
Na apresentação dos resultados serão apresentadas apenas algumas respostas que se consideraram mais oportunas devido à natureza do estudo. Assim sendo, aos médicos e enfermeiros foram colocadas questões idênticas para haver a possibilidade de comparação de respostas. Desta forma, serão referenciadas apenas algumas respostas.
Na primeira questão, “O que é para si a investigação clínica?”, os médicos optaram por respostas como “análise e desenvolvimento do conhecimento aplicado ao estudo das patologias humanas (…) M5” ou “Contribuir para a melhoria dos tratamentos prestados aos doentes; contribuir para o avanço da Medicina (…) M7”, enquanto que os enfermeiros optaram por responder da seguinte forma: “Investigação é um processo sistemático científico e rigoroso que procura incrementar o conhecimento numa determinada disciplina respondendo a questões ou resolvendo problemas para benefício de utentes, famílias e comunidades, prevenindo a doença e promovendo a saúde. E1”.
Em relação à segunda questão, “Para si, qual a diferença entre a investigação (inv.) científica e clínica?”, as respostas dadas pelos médicos foram: “A inv. clínica é um tipo de investigação científica que procura respostas a problemas clínicos podendo articular-se com a inv. básica (…) O desenvolvimento desta (IC) afecta-se nos princípios da ética experiente nas boas práticas clínicas e no colocar em 1.º lugar o benefício do doente. A aplicação do consentimento informado no doente é um passo primordial. Rigoroso controlo das entidades reguladoras, autoridades de saúde nacionais e internacionais.M9”. Já os enfermeiros responderam da seguinte forma: “A investigação científica é um processo de pesquisa sistemática que visa fornecer informação para a resolução de um problema ou questão complexa de áreas diversas do conhecimento (…) E4” e “A investigação clínica (ou ensaio clínico) centra-se na observação dos efeitos que um determinado fármaco ou dispositivo têm no sujeito participante. Embora ambas pretendam dar resposta a um problema, têm metodologias diferentes. E3”.
Na próxima pergunta foi questionado se “Desde que é médico/enfermeiro, sempre se interessou pela investigação clínica?”. Oito médicos responderam que sim enquanto que um respondeu que não. As justificações foram: “Melhorar a prática clínica; acesso a tratamentos/tecnologia inovadora e de “ponta”. M4; A complexidade das doenças e dos doentes motiva a busca constante de novas metodologias na abordagem diagnóstica, a necessidade de saber escolher as melhores opções terapêuticas e conhecer com rigor o resultado da nossa prática médica. M5. Em relação aos enfermeiros, três responderam que sim (“Porque só através da investigação o conhecimento pode evoluir. Esta convicção foi-me transmitida ao longo do processo formativo. E4”) e um que não.
Em relação à questão “Gostaria de se dedicar exclusivamente à investigação clínica? Porquê?”, nove médicos responderam que não, ao passo que em relação aos enfermeiros três responderam que não e um que sim. Em relação às justificações médicas, podem-se descrever as seguintes: “É para mim fundamental a aplicação prática dessa investigação. M4; Não porque a IC é apenas um lado do triângulo profissional (assistência e a docência). M9”. Em relação à justificação do enfermeiro que respondeu que sim, este referiu: “É uma área bastante completa: permite contacto com os doentes; envolve trabalho de equipa multidisciplinar; obriga a uma constante aquisição de novos conhecimentos e permite a participação numa área tão importante como o desenvolvimento de novos fármacos/aplicações. E3”. Os restantes enfermeiros que responderam que não justificaram-se da seguinte forma: “Porque a minha motivação pessoal passa pelo desempenho na área prática. E1”.
“Quais foram as vantagens que viu em ingressar no mundo da investigação clínica?”, foi outra das questões colocadas. Em relação a esta questão pode-se afirmar que ambas as classes profissionais inquiridas responderam com as mesmas justificações, isto é, razões de ordem da melhoria da prestação de serviços e de factores pessoais e intelectuais. No seguimento da questão anterior, surge a seguinte: “Quais foram as principais dificuldades que encontrou dentro da investigação clínica?”. Em relação a esta questão ambas as classes profissionais referiram dificuldades das seguintes formas: tempo e sobrecarga de trabalho, falta de apoios objectivos de financiamento e pessoal, falta de apoio das entidades superiores e falta de perspectivas de futuro.
Na pergunta seguinte foi questionado se “Acha importante haver envolvimento por parte dos enfermeiros em investigação clínica?”. Todos os profissionais inquiridos responderam que sim. As justificações médicas foram as seguintes: “São parte integrante da minha equipe de trabalho; tem áreas próprias de interesse, que contribuem sempre para um melhor resultado final do nosso trabalho. M4; Executam um importante papel de interface entre médico e doente, desempenham funções por vezes morosas. M7; (…) não há boa actividade assistencial sem enfermeiros. M8”. As justificações dos enfermeiros foram: “Somos um elo fundamental da prestação de cuidados. A visão dos cuidados meramente clínica nem sempre transparece toda a essência dos cuidados. E2; Pela experiência na relação profissional/doente que os enfermeiros têm, fruto da sua preparação académica; pelos conhecimentos partilhados no trabalho de equipa pluridisciplinar e porque permite estar na linha da frente da investigação clínica, desmistificando assim a ideia de que a sua vocação é apenas assistencial. A investigação clínica é multidisciplinar e os enfermeiros têm os requisitos necessários para participar nas equipas de investigação. E3”.
Aos médicos foram ainda colocadas questões relativamente às dificuldades por que passam os enfermeiros na investigação clínica, e quais as principais valias na participação dos mesmos. Mediante a opinião médica, os enfermeiros passam por incompreensão das entidades superiores, incapacidades técnico-científicas, e ainda dificuldades associadas a disponibilidade e falta de motivação. Em relação às valias, as respostas passaram por proximidade do doente, visão diferente e complementar da abordagem clínica, etc.
Foi ainda aplicado um questionário aos serviços de Cardiologia no sentido de saber a quantidade e natureza dos estudos de investigação em cada hospital (a decorrer em 2009). Desta forma, 66,7% dos centros responderam que existe investigação clínica organizada em Cardiologia, ao contrário de 33,3% que responderam que não. Aos centros que responderam que sim na pergunta anterior, foi questionado quantas pessoas estão envolvidas na equipa. Os inquiridos que responderam que sim têm uma média de 8,3 pessoas envolvidas. Quanto às diferentes classes profissionais, 55,2% são médicos, 24,1% são enfermeiros e 20,7% são outros profissionais. Foi questionado quantos projectos de investigação clínica estavam a decorrer e, portanto, a média é de 8,5 estudos em 8 hospitais (pois um deles não tem projectos a decorrer). Em relação ao carácter dos projectos, 35% são multicêntricos internacionais, 11,7% são multicêntricos nacionais e 53,3% são locais. Relativamente às áreas em que estão a ser desenvolvidos esses projectos, 19% são na insuficiência cardíaca – miocardiopatia – transplante, 30,1% são na doença coronária, 14,3% são na área de intervenção, 14,3% são na área de arritmia – pacing – CDI (cardiodesfibrilador implantável), 3,2% na hipertensão arterial, 3,2 % na área relacionada com os factores de risco cardiovascular e finalmente 15,9% em outros.
Conclusão
A investigação, seja ela qual for, é uma vertente que ainda tem um longo caminho a percorrer. Em Portugal, dever-se-ia investir cada vez mais na investigação em todas as suas vertentes, pois o conhecimento só advém da contínua pesquisa e incessante procura de resultados. Desta forma, quer seja apelidada de investigação científica ou de investigação clínica, este campo de produção de conhecimento tem de ser real e efectivo de forma a provocar resultados positivos e ganhos posteriores em saúde ou melhoria da doença.
No decorrer deste estudo consegue-se perceber que ambas as classes profissionais inquiridas estão de acordo relativamente aos pormenores da investigação clínica, uma vez que dão opiniões semelhantes (mesmo tendo formações académicas diferentes). No entanto, consegue-se perceber que as equipas de investigação só surtem o devido resultado e efeito se forem constituídas por pessoas motivadas, formadas dentro duma equipa multidisciplinar. Estas equipas passam por muitas dificuldades actualmente, pois a investigação não é associada às ciências da saúde como uma mais valia técnico-científica. Desta forma, pode-se dizer que quem faz investigação tem que investir imenso tanto a nível de recursos como de capacidades.
Em suma, poder-se-á afirmar que investindo continuamente na saúde em todas as suas vertentes, com equipas multidisciplinares bem orientadas e formadas é possível fazer da Medicina e da Enfermagem profissões com corpos de conhecimentos próprios, que serão diferentes (tendo em conta as suas diversas vertentes) mas ao mesmo tempo dinâmicas, uma vez que se podem interligar para levar ao melhor bem comum.
Agradecimentos
A todos os profissionais que colaboraram para a realização deste estudo, médicos e enfermeiros dos serviços de Cardiologia dos hospitais do Norte de Portugal e ainda aos enfermeiros directores que se encontraram na disponibilidade de colaborar.
Ao Sr. Professor Doutor Silva Cardoso pelo incentivo e inspiração no estudo.
Referências bibliográficas
Diário da República – I Série – A, n.º 93 – 21/04/1998
http://www.fda.gov/ora/compliance_ref/bimo/clinguid.html
http://www.nortemedico.pt/legislacao/?imr=2&imc=24n&fmo=vl&ano=&l=1496
SERRÃO, Daniel; NUNES, Rui (coord) – “Ética em cuidados de saúde”. Porto: Porto Editora, 1998