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A Comunicação do Doente Afásico

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Revista Sinais Vitais

A perda da capacidade de expressar ou compreender a linguagem (afasia), faz com que o enfermeiro desempenhe um papel fundamental no acompanhamento e recuperação do doente afásico.

Sinais Vitais nº 70

Anabela Parente (Bacharelato em Enfermagem, Enfermeira Graduada no CHAM)

Sérgio Dias (Bacharelato em Enfermagem, Enfermeiro Nível 1 no CHAM)

Sílvia Reis (Bacharelato em Enfermagem, Enfermeira Graduada no CHAM)

Florbela Pinto (Bacharelato em Enfermagem, Enfermeira Graduada no CHAM)

Celeste Figueiredo (Bacharelato em Enfermagem, Enfermeira Graduada no CHAM)

RESUMO

A comunicação é fundamental para o Homem enquanto ser social. A fala e a linguagem dependem de mecanismos complexos adquiridos nas duas primeiras décadas de vida.

Quando se verificam patologias cerebrais, é frequente registarem-se alterações da comunicação, como acontece com a afasia, seja de Broca, Wernicke, condução ou global (dependendo da área cerebral afectada).

A perda da capacidade de expressar ou compreender a linguagem (afasia), faz com que o enfermeiro desempenhe um papel fundamental no acompanhamento e recuperação do doente afásico.

Palavras-chave: Comunicação; Linguagem; Doente Afásico.

1. A COMUNICAÇÃO DO DOENTE AFÁSICO

A comunicação resulta da capacidade que o ser humano tem de substituir objectos e ideias por palavras que, quando combinada com a destreza manual, o diferencia dos outros representantes do reino animal. Sendo que por comunicação entende-se a transmissão de uma informação de um indivíduo para outro, de forma compreensível.

A linguagem, por sua vez, resulta da capacidade de armazenar, evocar e combinar símbolos numa permuta inesgotável de expressões, sem a qual não é possível elaborar e expressar o pensamento, ou tão pouco comunicar.

É comum verificar alterações da comunicação, quando há patologias cerebrais (maioritariamente Acidentes Vasculares Cerebrais – AVC – hemorrágicos ou isquémicos). Disartria e Afasia são dois exemplos dessas alterações, mas enquanto que na primeira estão preservadas as funções de linguagem, na segunda não. A afasia resulta da perda da capacidade de expressar e/ou compreender a linguagem utilizada. Por sua vez, a disartria resulta de um distúrbio motor da fala (capacidade de articular palavras). Estas alterações verificam-se quando há lesão do hemisfério cerebral esquerdo, que é a área responsável pela comunicação (à excepção de uma pequena percentagem de canhotos e de alguns destros em que o hemisfério cerebral direito é o dominante).

No início do século XX, o Dr. Brodman atribui uma nomenclatura a toda a estrutura cerebral, de forma a simplificar o estudo deste órgão. As áreas anatómicas do cérebro com maior interesse para a linguagem são:

• Área de Broca

Ocupa a circunvolução frontal inferior no hemisfério dominante (habitualmente o esquerdo), que corresponde à área 44 e 45 de Brodmann.

As células que constituem esta área são responsáveis pelos aspectos motores da fala, uma vez que é aqui que são planeados os padrões motores para a expressão das palavras (formação do discurso).

• Área de Wernicke

Localiza-se posteriormente à fissura de Sylvius no lobo temporal, que corresponde à área 22 de Broadmann, a qual faz parte da componente léxicosemântica da linguagem. As áreas do lobo temporal desempenham uma função vital na interpretação dos estímulos provenientes do meio exterior.

Em 1860, o investigador Paul Broca (Fig. 3) descobriu que a lesão numa determinada zona do córtex cerebral, a nível do lobo frontal, dava origem a uma perturbação específica da fala, actualmente conhecida por afasia de Broca.

Este tipo de afasia pode ter origem em lesões provocadas por êmbolos nas várias ramificações da artéria cerebral média, que é um local propício para o alojamento destes mesmos êmbolos, podendo provocar um enfarte da área de Broca, comprometendo assim o córtex pré-motor inferior que está adjacente ao córtex motor para a orofaringe, laringe e aparelho respiratório, o que provoca alterações no acto motor da fala. O enfarte junto à fissura de Rolando provoca uma reduzida articulação, tom baixo e qualidade nasal da fala. Já o enfarte parietal anterior origina alterações a nível do posicionamento da cavidade oral, prejudicando a articulação das palavras. Outras situações como: contusão da área de Broca, hematoma subdural agudo/crónico e encefalite também podem provocar alterações da fala. O edema cerebral pode originar desde uma disartria, até uma incapacidade total de comunicar através da linguagem oral, escrita ou gestual.

A – Afasia de Broca – a mais comum das perturbações da comunicação – caracteriza-se por um discurso pouco fluente, verificando-se uma redução significativa da linguagem. A pessoa é capaz de decidir aquilo que pretende verbalizar mas, muitas vezes, não consegue emitir mais do que alguns ruídos. Para além disso, utiliza um pequeno número de palavras, cujo agrupamento em frases está reduzido ao mínimo. A dificuldade de articular palavras (disartria) está frequentemente associada a esta alteração.

O doente com afasia de Broca tem conhecimento da sua situação, o que pode provocar frustração, agressividade e isolamento social. Quando irritado ou excitado, este tem tendência a pronunciar impropérios ou cantar algumas músicas populares, uma vez que o hemisfério direito (responsável pelas habilidades musicais) permanece intacto. O doente enuncia as palavras de forma lenta e laboriosa, utiliza frases curtas e simples com predomínio de substantivos, verbos transitivos e adjectivos, omite artigos e proposições, adoptando uma linguagem agramatical e telegráfica.

Estes doentes podem não apresentar alterações a nível da compreensão, sendo capazes de designar objectos e imagens. Nos casos mais graves verifica-se apraxia (incapacidade de reconhecer objectos). São capazes de executar ordens simples e, na sua maioria, apresentam incapacidade de se expressar através da escrita – agrafia.

Na maioria dos casos, a afasia de Broca está associada a uma hemiplégia direita, com importante paralisia facial central, hemianestesia, apraxia ideomotora e buço-facial.

B – Afasia de Wernicke (também conhecida por flente/sensorial/receptiva)

Esta alteração foi identificada em 1874 por Carl Wernicke (fig.4). Este investigador alemão descobriu que uma lesão no córtex cerebral, ao nível do lobo temporal no hemisfério esquerdo (algures entre o córtex auditivo primário e o “giro angular”), causava um transtorno severo na compreensão da linguagem. Esta afasia ficou conhecida por afasia de Wernicke, sendo a segunda mais comum. Nesta alteração verifica-se lesão na área 22 de Broadmann (fig.2)

Nesta alteração da linguagem, a expressão oral é fluida, espontânea e abundante (ao contrário da afasia de broca), mas sem muito significado devido ao uso inadequado de palavras ou fonemas – parafasias. A alteração da compreensão pode ser grave ou moderada, mostrando-se mais acentuada para palavras isoladas do que para as frases onde há uma facilitação pelo contexto. Nos casos mais graves o discurso torna-se incompreensível. Este doente é incapaz de repetir comandos em voz alta e considera a comunicação, que lhe é apresentada, uma língua estrangeira.

Em casos menos graves é capaz de repetir as palavras que ouve, mas pronuncia-as e compreende-as de forma errada.

C – Afasia de Condução

É mais rara que as afasias precedentes, mas mantém semelhanças em relação à de Wernicke. Na origem deste tipo de alteração existe lesão dos ramos parietal e/ou temporal posterior (Fig.5) da artéria cerebral média, comprometendo o fascículo arqueado e separando as áreas temporais e frontais da linguagem. A afasia de condução caracteriza-se pela utilização de palavras erradas no contexto as frases. A expressão oral ou escrita é espontânea, fluida e rica em parafasias.

A compreensão da linguagem está pouco perturbada e observa-se um esforço de auto-correcção.

D – Afasia Global

Resulta de uma lesão que destrói grande parte das áreas da fala e que pode ter origem na oclusão da artéria carótida esquerda, ou na artéria cerebral média.

A afasia global caracteriza-se pelo défice máximo que torna o doente incapaz de comunicar, isolando- o do mundo exterior. O indivíduo não é capaz de ler ou escrever e limita-se a compreender algumas palavras. Verifica-se também uma alteração grave da compreensão, assim como da designação de objectos, da escrita e da leitura.

2. O PAPEL DO ENFERMEIRO

A alteração da comunicação relacionada com a afasia é manifestada por dificuldade na expressão, compreensão ou pela sua associação. Por isso são objectivos da enfermagem facilitar a capacidade de compreensão e expressão do doente, bem como reduzir a frustração deste, relacionada com a incapacidade de comunicar.

O papel do enfermeiro visa essencialmente ajudar o doente e a família a superar o melhor possível esta situação. Sendo assim tem como função:

a) Usar técnicas que aumentem a capacidade de expressão verbal

1. Permitir tempo suficiente para o doente seexpressar; 2. Repetir a mensagem transmitida em vozalta;

3. Não valorizar a pronúncia imperfeita;

4. Ignorar erros e profanidades proferidas pelo doente;

5. Não interromper e fornecer palavras apenas ocasionalmente.

b) Ensinar ao doente técnicas que ajudem a melhorar o discurso

1. Incentivá-lo a expressar-se calma e claramente, dando exemplo se necessário;

2. Encorajá-lo a utilizar frases curtas;

3. Explicar as palavras que não claramente perceptíveis;

4. Sugerir que fale com calma e pausadamente (e se necessário “ganhar folgo”);

5. Incentivá-lo a escrever a mensagem ou fazer um desenho caso a comunicação oral não seja possível.

c) Reconhecer as frustrações de cada doente

1. Manter uma atitude positiva;

2. Tranquiliza-lo usando o toque, se possível;

3. Permitir que chore, caso seja benéfico;

4. Permitir que tome decisões acerca do seu auto cuidado;

5. Permitir formas alternativas de expressão: cantar, andar, pintar, desenhar.

d) Identificar junto do doente factores que promovem a compreensão

1. Avaliar a acuidade auditiva;

2. Verificar a acuidade visual, se necessário encorajar o uso de óculos;

3. Dirigir-se ao doente apenas quando este está disposto a escutar, utilizando o contacto visual;

4. Proporcionar ambiente calmo e com luz suficiente;

5 Modificar o discurso: falar pausadamente, não colocar várias questões ao mesmo tempo, não aumentar o tom de voz e usar uma linguagem própria de adultos;

6. Demonstrar um comportamento não verbal compatível com o verbal.

e) Orientar os familiares para as formas alternativas de comunicação, explicar o motivo das reacções do doente para com eles e explicar os benefícios do treino, bem como a necessidade de acompanhamento por um técnico especializado (logo que possível).

3. TRATAMENTO

Não existe tratamento farmacológico ou cirúrgico para a afasia.

Este doente necessita de um acompanhamento inter-disciplinar, em virtude das alterações linguísticas, cognitivas e motoras causadas pelo comprometimento neurológico.